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A esperança média de vida e os seus determinantes

Maria do Céu Machado *

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A Esperança Média de Vida (EMV) à nascença é o número médio de anos que um recém-nascido pode esperar viver, mantendo--se a taxa de mortalidade por idades observadas no momento. A EMV numa determinada idade é o número médio de anos que restam para viver a uma pessoa, mantendo-se as taxas de mortalidade observadas no momento.

No Período Neolítico e na Idade do Bronze, o número médio de anos de vida manteve-se entre os 18 e os 20 anos. E muito, muito lentamente foi aumentando até atingir cerca de 40 anos, no início do século XX. Actualmente, a população mundial tem em média uma esperança de vida à nascença de 66,1 anos.

São identificados como factores determinantes da evolução positiva da EMV ao longo dos séculos, a melhoria das condições socioeconómicas, o saneamento básico e o acesso a água potável, a nutrição adequada e os progressos da medicina. Mas o factor único mais importante é a redução da mortalidade infantil. A EMV à nascença depende assim da taxa de mortalidade infantil, número de crianças que morrem no primeiro ano de vida por mil nados vivos que, por sua vez, é também condicionada pelos factores referidos.

 

As desigualdades entre regiões e países

Identificadas as condições necessárias para a melhoria da EMV, é de esperar que haja grande desigualdade e um crescente gradiente na EMV e na taxa de mortalidade infantil entre populações de diversas regiões e países. Nos países da África subsaariana, a população que nasceu em 2006 poderá esperar viver entre 40 e 60 anos e nos países europeus entre 67 e 72 anos. Mas a EMV dos países em desenvolvimento pode ser quase metade da dos países mais desenvolvidos – Angola (41 anos) e Portugal (79 anos). A diferença ainda é maior se se considerarem os países com a esperança média de vida mais longa, como o Japão (83 anos) e a Austrália (82 anos).

Em 47 países – da Europa, América do Norte e Oceânia – a mortalidade infantil é baixa (inferior a 10/1.000). Neste grupo inclui-se Portugal, com um dos melhores valores do mundo (3,3/1.000). Nos países pobres da África e da Ásia, com destaque para Angola, Guiné-Bissau e Moçambique, registam-se valores superiores a 124/1.000, resultados que são também consequência da ausência de saneamento básico, da pobreza e subnutrição e da falta de acesso aos cuidados de saúde.

A estas causas globais vieram ainda somar-se a infecção pelo Vírus da Imunodeficiência Humana (VIH) e outras correlacionadas.

Além de África, tem sido verificada uma evolução negativa da EMV em países europeus como a Rússia e outros da ex-União Soviética, o que parece relacionado com o aumento do consumo de álcool e drogas e também da prevalência da infecção por VIH.

As maiores variações ocorreram em países de Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) médio: Timor é um bom exemplo e o Zimbabué um mau exemplo. O conjunto de países com IDH elevado, com destaque para a Suécia e Japão, continuam a registar valores elevados e distanciados dos outros. Quase todos os países com perda da esperança de vida à nascença são pobres (IDH médio e baixo), localizados em África, na América Central ou em regiões da europeias palco de convulsões políticas, económicas e sociais, como a Rússia, a Ucrânia e o Cazaquistão.

 

Saúde, bem-estar e prosperidade

A riqueza de um país determina, de forma indiscutível, ganhos em saúde para a população. Países em desenvolvimento com um crescimento económico importante e consequências no bem-estar e na prosperidade mostram evolução da EMV muito superior à média. Um exemplo é a Índia, que duplicou a EMV à nascença, de 32 anos, em meados do século XX, para 64 anos, no ano 2000.

Mas a saúde é transversal a todas as políticas e também geradora de riqueza e de desenvolvimento. Há evidência da relação estreita e biunívoca entre a qualidade de um sistema de saúde e a saúde, o bem-estar e a prosperidade de uma sociedade.

Os valores, objectivos e funções que devem orientar os sistemas de saúde como motor do desenvolvimento económico, coesão social, competitividade e produtividade das nações são explicitamente afirmados pelos 53 países que integram a OMS-Europa e que subscreveram, em Junho de 2008, a Carta de Tallin, Sistemas de Saúde para a Saúde e Prosperidade.

Por outro lado, os valores de solidariedade social, que se traduzem, por exemplo, na universalidade e na equidade do acesso aos cuidados de saúde, podem também determinar o nível de bem-estar social e de prosperidade de um país. Países com um elevado Produto Interno Bruto mas com grandes desigualdades no acesso, perpetuam bolsas da população com piores níveis de saúde.

 

Ameaças e condicionantes da EMV nos países ricos

Além dos factores relacionados com a iniquidade de cuidados, os países ricos têm outras ameaças. O aumento da população obesa está a determinar o aumento das doenças cardiovasculares, cancro e diabetes e das mortes evitáveis antes dos 65 anos.

A doença crónica será de aparecimento tanto mais tardio quanto mais saudáveis forem os estilos de vida e quanto mais lento for o processo de envelhecimento, influenciado por factores genéticos e ambientais.

A teoria evolucionista afirma que os organismos que têm potencialidade para viver mais tempo são os que têm genes que codificam uma boa reparação ao longo da vida. Existem genes de envelhecimento que modulam a susceptibilidade às patologias tardias e genes de longevidade que regulam a reparação do ADN, com uma regulação eficaz da resposta inflamatória que previne e atrasa a lesão cardiovascular, a demência ou o cancro.

Quanto ao ambiente, uma situação socioeconómica deficiente que inclua baixa escolaridade, pobreza e más condições de habitação determina malnutrição e aumento da frequência de doenças infecciosas e acelera o processo fisiológico de envelhecimento e morte precoce.

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Variações da EMV com o género e a região de nascimento

Mantêm-se ainda diferenças importantes quanto ao género e quanto à região de nascimento, dentro do mesmo país.

Ao longo das séculos, a esperança de vida da mulher foi sempre maior relativamente à do homem. Em 1900, morria uma grávida em cada cem por complicações inerentes à gravidez, ao parto ou ao puerpério mas sempre se registaram mais mortes masculinas em consequência de vários factores como profissões de maior risco e maior probabilidade de acidente, suicídio, homicídio ou morte em combate e maior consumo de tabaco, álcool e outras drogas.

Com a baixa da mortalidade decorrente da gravidez e mantendo-se os estilos de vida masculinos, a diferença entre os dois géneros atingiu valores superiores a 5 anos, nalguns países. Em Portugal, verifica-se que as mulheres têm uma EMV à nascença de 81,9 anos para 75,4 dos homens, ou seja, mais 6,5 anos, o que acontece de forma generalizada mas com grande variabilidade entre países (10). Na Rússia, as mulheres vivem em média mais 12 anos do que os homens; em França mais 7,8; na Índia, apenas mais 0,6 anos.

Mas este cenário está a mudar. Em países como a Dinamarca, os estilos de vida femininos modificaram-se sendo já semelhantes aos masculinos, nomeadamente no que se refere ao consumo de tabaco, álcool e outras drogas, constatando-se que o intervalo entre as médias da EMV entre géneros está a diminuir, prevendo-se um aumento da mortalidade feminina por cancro do pulmão e das vias aéreas superiores e morte precoce.

As variações também são grandes entre regiões do mesmo país e até entre áreas urbanas e suburbanas da mesma cidade. No Reino unido, encontram-se diferenças de 10 anos na EMV das populações dos bairros pobres e das zonas residenciais dos afluentes.

As diferenças entre regiões do mesmo país relacionam-se com bolsas de pobreza e diferenças significativas entre grupos étnicos, com piores indicadores de saúde nas famílias imigrantes, e ainda com factores ambientais, como residência em áreas de poluição industrial ou de tráfego. O trabalho com exposição a poluição ocupacional, como o mineiro é um factor negativo assim como os níveis baixos de escolaridade e educação.

Na Rússia e noutros países ex-soviéticos, a região de nascimento pode determinar uma diferença de 15 anos na EMV, situação dramática em magnitude e sem precedentes, que coincide com a profunda alteração socioeconómica nestes países e com o aumento do consumo do álcool. Estudos de mortalidade mostraram que a doença cardiovascular em adultos de meia idade é responsável por 60% das mortes precoces e o cancro por 30%, percentagens muito superiores às dos outros países europeus, onde estas taxas são, respectivamente, de 35% e 20%.

Estas causas de morte reflectem os estilos de vida e as condições socioeconómicas enquanto a mortalidade evitável por doenças como a diabetes reflecte o funcionamento dos sistemas de saúde.

 

A EMV e os cuidados de saúde às crianças em Portugal

Em Portugal, a esperança média de vida (EMV) à nascença é de de 78,7 anos, com uma diferença de apenas 1,9 anos para a Suécia, pais que apresenta o melhor valor da UE (9, 11) e está também relacionada com a baixa mortalidade infantil.

A evolução da saúde infantil em Portugal nos últimos 30 anos pode ser considerada uma história de sucesso. A taxa de mortalidade infantil caiu de forma consistente e inesperadamente rápida de 77,5, em 1960 para 3,4%, em 2007, consequência da melhoria das condições socioeconómicas dos portugueses, das reformas globais na saúde e da vontade de intervenção política especificamente na área materna e infantil.

Por opção, as famílias diminuem o número de filhos desejados e aumentam o investimento pessoal, familiar e financeiro no filho único.

De forma geral, o aumento consistente da esperança de vida ao nascer constitui um triunfo sobre a morte precoce, é uma manifestação de progresso e de melhoria da condição humana mas é também um desafio sob o ponto de vista social, médico e financeiro.

A convicção de que a saúde é transversal a todas as políticas e geradora de riqueza e de desenvolvimento será certamente condicionante das estratégias de saúde de modo a fortalecer os sistemas de saúde, no seio do complexo cenário internacional que se vive actualmente.

Investir em sistemas de saúde eficientes é investir na saúde e na prosperidade das populações e constitui um imperativo ético, social e político.

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* Maria do Céu Machado

Licenciada em Medicina e especialista em Pediatria. Alta Comissária de Saúde. Professora Associada de Pediatria da Faculdade de Medicina de Lisboa. Presidente da Comissão Nacional de Saúde da Criança e Adolescente. Delegada do Board Europeu de Pediatria. Competência em Gestão de Serviços de Saúde e Subespecialidade de Neonatologia pela Ordem dos Médicos. Prémio Bial de Medicina Clínica 2002 e 2006. Prémio de Qualidade Amélia de Mello 2005.

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Referências bibliográficas

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INSTITUTO NACIONAL DE ESTATÍSTICA. Destaque do INE, 1990-2007.

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MACHADO, M. C. – Nascer no séc XXI. In Ao Encontro da Medicina. Edição da Fundação Calouste Gulbenkian e da Sociedade de Ciências Médicas de Lisboa, Lisboa, Outubro 2007.

OECD Health Data, 2007.

UNITED NATIONS, Millennium Declaration, 2000.

WHO statistical Information System (Whosis), 2008.

WHO. Active ageing: a policy framework, 2002.

ALTO-COMISSARIADO DA SAÚDE – http://www. acs.min-saude.pt

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