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Onde estou: | Janus 2009> Índice de artigos > Aliança de Civilizações: um caminho possível > [ A Aliança de Civilizações, uma iniciativa das Nações Unidas para promover a boa governação da diversidade cultural ] | |||
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A Aliança de Civilizações (1), uma iniciativa das Nações Unidas lançada em 2005 sob o impulso inicial da Espanha e da Turquia, nasceu do reconhecimento da urgência em preencher o vazio político existente na área da governação da diversidade cultural, ameaçada por crescentes divisões entre comunidades, pelo aumento do extremismo, da polarização de atitudes e de percepções do mundo, de manifestações de intolerância, xenofobia e racismo. A Aliança de Civilizações parte do pressuposto de que, se nada se fizer – em termos políticos, no plano global, mas também nacional e local –, os problemas com que hoje nos confrontamos poderão degenerar num conflito entre culturas ou, pior ainda, num choque de civilizações. A este propósito, é pertinente sublinhar que, em 2006, aquando do seu lançamento, como uma iniciativa política do Secretário-Geral das Nações Unidas, o acolhimento reservado à Aliança foi pontuado por um certo cepticismo e pelo eco de algumas vozes dissonantes. Tal reserva baseava-se, aliás, numa argumentação bastante díspar, a que acresceram algumas considerações de ordem conceptual acerca da bondade da denominação da iniciativa, criticada por indiciar uma perspectiva ora demasiado bélica ora bíblica, ou ainda atacada por incidir sobre civilizações, onde se preferia a alternativa das culturas. De qualquer forma, certos comentadores entendiam que a Aliança prestava o flanco às próprias teses do choque de civilizações que pretendia mas que afinal não conseguia combater; outros opinavam que a nova iniciativa se vinha apenas somar à pletora dos projectos já existentes; outros ainda frisavam que prosseguia fins completamente desproporcionados em relação aos meios postos à sua disposição; por último, havia ainda aqueles para quem a Aliança de Civilizações, no quadro da luta global contra o terrorismo, mais soava a música celestial do que a toque de política externa. Não obstante estas reservas iniciais, a Aliança de Civilizações não só veio preencher um vazio político realmente existente, suscitando, pelo menos até à data, elevadas expectativas, como tem registado progressos na prossecução das suas finalidades ou alvos, na aplicação da sua agenda e no desenvolvimento de uma abordagem própria, o que a torna uma iniciativa singular no seio do sistema onusiano. As finalidades da Aliança ou os alvos a atingir são dois: o primeiro é o de contribuir para a melhoria das relações entre as sociedades e comunidades de extracção cultural e religiosa compósita e diversa, num tempo marcado precisamente pela recrudescência do peso dos factores cultural e religioso na vida pública e nas relações internacionais; o segundo é o de permitir enquadrar a luta contra o extremismo na perspectiva da prevenção, actuando no plano da educação, da juventude, dos media e das migrações, que são as quatro áreas principais de intervenção da Aliança. Ao propor-se actuar nestes quatro domínios, que até recentemente eram sobretudo vistos como políticas do foro interno dos Estados, a Aliança inova porque, trazendo-os claramente para a Agenda internacional, reconhece-os como áreas possíveis da concertação e da cooperação mundial. Assim, para a Aliança, quer a educação, quer os media , quer a juventude, quer as migrações são matérias conexas que importa «transversalizar» através de um prisma de abordagem comum. Esta é, sem dúvida, uma perspectiva nova, Por isso, os países-membros do Grupo de Amigos da Aliança – uma comunidade de apoio que conta actualmente com mais de 90 membros, composta por Estados e organizações internacionais – foram convidados a elaborar Estratégias Nacionais para o diálogo inter-cultural. Por seu turno, as organizações internacionais foram igualmente solicitadas a trabalhar em parceria com a Aliança por forma Por causa das finalidades que prossegue e da agenda que é a sua, a Aliança é uma iniciativa prática, vinculada à obrigação de resultados. Por outras palavras, a Aliança tem por missão produzir resultados e, como vocação primeira, desenvolver uma abordagem «glocal» , que permita (des)globalizar os objectivos prosseguidos através de um conjunto de acções que se inscrevem num plano local, na certeza de que pequenas alterações no terreno acabarão por produzir mudanças tangíveis na vida das pessoas e que a soma destas permitirá fazer a diferença. Para que a Aliança de Civilizações se torne uma iniciativa sustentável terá de vencer um triplo desafio. O primeiro é o da plena integração dos seus objectivos nas agendas nacionais dos Estados-membros, sobretudo através da elaboração e aplicação de Estratégias Nacionais para o Diálogo Inter-cultural, abrangendo os quatro domínios de acção da Aliança; o segundo é o da sua ancoragem aos processos regionais – quer se trate de organizações regionais ou de estruturas locais de organizações internacionais – por forma a poder beneficiar do potencial existente, criar sinergias e gerar efeitos multiplicadores; o terceiro é o da mobilização da sociedade civil, na multiplicidade das suas componentes (ONG, organizações e grupos confessionais, fundações, universidades, sector empresarial, etc.), pilar indispensável da Aliança de Civilizações para que possa alcançar o seu objectivo último, que é o de produzir pequenas melhorias no terreno que sejam portadoras de uma nova esperança para os povos. Deste conjunto de elementos resulta claro que a Aliança não deverá nem poderá substituir-se a outras iniciativas, órgãos ou organizações, nem tão pouco competir com elas. A força da Aliança terá de resultar da capacidade que souber demonstrar simultaneamente enquanto agente de agregação de esforços e enquanto catalisadora de iniciativas « multi-stakeholders ». Resulta igualmente claro que o papel da Aliança de Civilizações no sistema das Nações Unidas e no seio da Comunidade Internacional está longe de estar definido ou até de ser pacífico. Por um lado, considerada no sistema das Nações Unidas, a Aliança aparece, de uma certa forma, como um corpo estranho ou um «objecto não claramente identificado». Pelas temáticas de que se ocupa, tem zonas de intersecção com outros órgãos da ONU – e, em primeira linha, com a UNESCO – e, pela abordagem e finalidades que prossegue, aparece inequivocamente como um instrumento vocacionado para a diplomacia preventiva, a ser usado a montante das situações de conflito, mas também a jusante, em situações de consolidação da paz. Por outro lado, na galáxia da chamada «Comunidade Internacional», incluindo neste âmbito a extensa rede de organizações da sociedade civil, a Aliança é, sem dúvida, mais uma iniciativa que vem acrescer a um sem número de outras tantas. Aqui a diferença resulta, inequivocamente, de a Aliança ser uma iniciativa política com a marca das Nações Unidas, o que lhe dá reforçada capacidade de afirmação, de dinamização e uma credibilidade ímpar. Na Aliança de Civilizações, joga-se o quarto pilar do desenvolvimento sustentável, estando em causa a boa governação da diversidade cultural. Não parece restarem muitas dúvidas de que só através de políticas e de práticas de «boa governação da diversidade cultural» se conseguirá não só viver em conjunto harmoniosamente mas também fazer desta convivência forçada uma oportunidade de enriquecimento cultural e humano, no plano pessoal e colectivo dos povos e das comunidades. No nosso mundo, marcado por tão profundos desequilíbrios, não é só em relação à natureza que urge concluir um novo pacto ecológico. Também as sociedades estão hoje mergulhadas num ambiente humano muito degradado. Mas se concertarmos esforços, poder-se-á melhorar o diálogo entre os homens, para tornar a diversidade cultural e religiosa uma oportunidade de verdadeiro desenvolvimento sustentável da humanidade. É sabido que a história das nações, das religiões e das civilizações tem alternado períodos de paz e de guerras, momentos de afrontamento, conflitos e intolerâncias com vontade de diálogo, abertura ao outro e à cultura da diferença, da tolerância e de valores universalistas. Mas não há nem fatalismos nem determinismos invencíveis. O diálogo, complexo e exigente, de civilizações, culturas e religiões é necessário, possível e frutuoso. É o melhor contraponto para o isolamento, para a desconfiança e para o confronto mas também o mais potente incentivo à abertura, ao entendimento e à tolerância. Sem dúvida, a História mostra-nos que este não é um diálogo fácil e que, se não for ensinado e cultivado, cede o lugar ao monólogo ou ao mutismo, que são quase sempre fermento de perigosas atitudes extremistas e de pulsões fanáticas. De facto, as culturas tendem por vezes a afirmar as respectivas identidades no confronto com as outras. E os particularismos culturais, legitimados por factores religiosos ou étnicos, têm funcionado como vectores de conflito e de dominação. Por isso, é preciso que cada civilização, cada religião e cada cultura seja capaz de praticar, no seu próprio interior, a tolerância, o reconhecimento da liberdade de consciência e o direito à diferença. Não só porque a intolerância de uma cultura ou de uma religião é proporcional à intolerância no seu próprio interior mas também porque a intolerância de uma cultura ou de uma religião não é estável, variando antes ao longo dos tempos. A complexa situação internacional criada na sequência do 11 de Setembro, bem como de todos os outros atentados terroristas que têm constantemente marcado esta década, fazem do diálogo de civilizações, religiões e culturas uma inadiável urgência humanitária. Por isso, a Aliança de Civilizações é a iniciativa certa, no momento certo.1 - Para mais informações consultar o sítio na internet http://www.unaoc.org/ * Jorge Sampaio Ex-Presidente da República de Portugal. Alto Representante do Secretário-Geral das Nações Unidas para a Aliança de Civilizações.
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