Pesquisa Avançada | Regras de Pesquisa | ||||
Onde estou: | Janus 2009> Índice de artigos > Aliança de Civilizações: um caminho possível? > Do choque ao Diálogo de Civilizações > [ O pensamento intercivilizacional islâmico ] | |||
|
Também em 1997, Abdulaziz Othman Altwaijri, Director-Geral da ISESCO – Islamic Educational, Scientific and Cultural Organization –, identificou no seu ensaio « Future prospects of Muslim-Western Dialogue », alguns requisitos essenciais à promoção de um diálogo intercivilizacional sustentável. Um desses requisitos reportava-se à necessidade de desenvolver um plano de acção islâmico, coordenado face ao exterior, que reflectisse os interesses da Umma (nação islâmica). Foi com este intuito que duas das principais organizações intergovernamentais islâmicas, a OCI e a ISESCO, elaboraram declarações de princípios e programas que estruturam actualmente o pensamento islâmico no campo do Diálogo das Civilizações.
Contributos da OCI A Organização da Conferência Islâmica ( Organization of the Islamic Conference ) é uma organização intergovernamental com 57 Estados-membros. Criada a 25 de Setembro de 1969, o seu desígnio era ser a «voz colectiva do mundo muçulmano e proteger os interesses do mundo islâmico no espírito de promoção da paz universal e harmonia entre os diferentes povos». Para coordenar os esforços islâmicos neste projecto, a OCI aprovou, na Declaração de Teerão de 5 de Maio de 1999, as linhas directrizes para a implementação do diálogo intercivilizacional, definindo: a) Princípios gerais para o Diálogo entre Civilizações (em consonância com os Direitos Humanos e a Carta das Nações Unidas); b) Áreas de intervenção do Diálogo das Civilizações; c) Participantes no Diálogo; d) Promoção da Cultura de Diálogo; e) Aplicação dos princípios do diálogo intercivilizacional em áreas críticas das Relações Internacionais; f) Contributos dos Estados-membros da OCI ao programa do Ano das Nações Unidas para o Diálogo entre Civilizações; g) Métodos, mecanismos, estruturas e financiamento do Diálogo. A 25 de Setembro 2000, esta Organização emite o «Programa Global de Acção para o Diálogo entre Civilizações», um plano de acção que define os princípios para o «estabelecimento da paz, da justiça e da promoção do espírito de cooperação e intercâmbio entre membros de diferentes culturas e civilizações», sendo dada prioridade a seis campos de acção: 1) Questões políticas; 2) Desenvolvimento sustentável; 3) Educação e cultura; 4) Informação; 5) Protecção ambiental; 6) Questões sociais. No que diz respeito à área da Educação e Cultura relevava-se a necessidade de a) Incorporação da cultura do diálogo nos manuais escolares; b) Fomento da compreensão cultural através da imigração; c) Protecção das minorias e do seu direito à manutenção da sua identidade cultural; d) Promoção do turismo cultural; e) Promoção de festivais culturais e intercâmbio artístico; f) Promoção de competições desportivas e científicas, entre outras medidas. Em Dezembro de 2004, na 4.ª Conferência Islâmica dos Ministros da Cultura da OCI, é adoptada a Declaração Islâmica sobre Diversidade Cultural, que considera o diálogo intercultural como «a única alternativa à cultura de violência e à exclusão do outro [...], sendo os valores universais de irmandade, justiça e tolerância [...] aqueles que devem ser incutidos na mentalidade e no comportamento de todos». A declaração visa assim promover a «união de esforços entre o mundo islâmico e a comunidade internacional» e «lançar bases sólidas para o diálogo intercivilizacional». É ainda referida a necessidade de «desconstruir estereótipos e preconceitos» e de «valorizar a identidade de cada civilização», bem como a necessidade de fomentar o «direito à diferença». Contributos da ISESCO A ISESCO foi lançada oficialmente a 28 de Janeiro de 1981 pela terceira sessão de chefes de estado da OCI, com o propósito de criar uma organização islâmica que coordenasse as agências especializadas da OCI nas áreas da educação, ciência e cultura. Congénere islâmica da UNESCO, preconizava o estabelecimento de um sistema de educação para o mundo islâmico «inspirado no Santo Corão e na Sunnah ( the way the Prophet lived his life )», mas «em sintonia com os conceitos e desenvolvimentos educacionais modernos», e deveria ainda coordenar os sistemas de educação nacionais dos seus Estados-membros. Para implementar os princípios do diálogo de Civilizações, a ISESCO/OCI (que trabalham em estreita colaboração), têm emitido declarações, programas ou compromissos nos quais reafirmam o seu empenho e focalizam constantemente os seus objectivos. É exemplo o Comunicado de Rabat sobre o «Diálogo entre Civilizações num Mundo em Mudança», de 12 de Julho de 2001, o qual considera o «Diálogo das civilizações uma necessidade imperiosa, um dever moral, humano e essencial para o estabelecimento de uma cooperação construtiva e implementação de uma coexistência pacífica entre os seres humanos». O respeito pelos direitos humanos universais (deixando aqui de lado a polémica levantada por alguns autores sobre a autenticidade da implementação dos direitos humanos «ocidentais» nas sociedades islâmicas), pela diversidade cultural e civilizacional e pela aproximação dos povos, passam a ser questões cada vez mais referenciadas pelos líderes políticos islâmicos. A 16 de Junho de 2005, numa iniciativa conjunta da UNESCO, OCI, ISESCO, ALECSO, do Centro Dinamarquês para o Diálogo entre Culturas e da Fundação Anna Lindh, com a participação do Concelho da Europa, como observador, e o patrocínio do Rei Mohamed VI de Marrocos, é aprovado pela ISESCO o «Compromisso de Rabat», onde se define um quadro de medidas e acções sustentáveis para a implementação de uma cultura de diálogo, relevando-se as áreas da educação, cultura, comunicação e ciência. Nas recomendações para a educação, é dada ênfase aos programas escolares, desde o pré-escolar ao ensino ao longo da vida, bem como ao envolvimento de professores, pais e comunidade em geral, para a consolidação dos valores de paz, direitos humanos, tolerância e cidadania democrática. Na área da comunicação, as recomendações gerais destacam a importância dos media na promoção de uma cultura de tolerância e no combate ao desconhecimento existente entre o mundo islâmico e o Ocidente. Da mesma forma, é dada ênfase à necessidade em definir padrões éticos e de profissionalismo para os media. Ainda no âmbito da promoção do diálogo das Civilizações, mas numa perspectiva de «dentro para fora», a ISESCO definiu como prioridade a necessidade de melhorar a imagem do mundo islâmico junto do Ocidente, tendo, para isso, definido três princípios orientadores: a) Interligar os objectivos do Diálogo e os interesses vitais da Umma – pretende evitar conflitos entre os objectivos muçulmanos e o «exterior» em qualquer diálogo intercultural ou intercivilizacional que participem; b) Orientar o diálogo para uma linha humanitária e não intelectual ou religiosa – procura definir a sua posição no que diz respeito aos Direitos Humanos e ao combate à injustiça e agressão; c) Coordenar o lado muçulmano em todas as matérias relacionadas com o diálogo entre civilizações e culturas. Embora possa ser surpreendente que o mundo islâmico tenha uma política de diálogo de civilizações tão regulamentada, os documentos oficiais aqui citados (e outros que poderão ser consultados no Livro Branco da ISESCO) reflectem o empenho dos seus líderes em contribuir para uma maior aproximação entre culturas. Esta atitude – anterior ao 11 de Setembro de 2001 – demonstra assim uma posição de abertura e tolerância que se demarca, claramente, das imagens mais mediáticas a que temos assistido nos últimos anos.
Uma palavra para o diálogo inter-muçulmano Abdulaziz Altwaijri, acima referido, considerava a «dispersão dos esforços islâmicos» e a «escassa coordenação de acção» como factores limitativos da posição que o mundo islâmico e a Umma deveriam ter na cena internacional. De facto, uma das ambições mais antigas por detrás da criação da ISESCO era a promoção de condições que permitissem a «reunificação muçulmana, para melhor servir os interesses da nação islâmica», e foi este objectivo que levou a organização a promover o diálogo entre as diferentes vertentes do Islão – árabe, persa e turca –. Para isso, foi definida a seguinte estratégia: 1) Aproximar as Madhahib (escolas de pensamento) islâmicas – pretende conciliar as diferentes doutrinas islâmicas; 2) Beneficiar da migração de cientistas – estes peritos devem melhorar a imagem do Islão no Ocidente e promover o progresso científico e tecnológico ocidental no mundo muçulmano (diminuindo assim o gap tecnológico existente); 3) Acção cultural islâmica no Ocidente – fortalecer a identidade cultural das minorias islâmicas e promover o intercâmbio de produtos não industriais, tais como a pintura, caligrafia, artesanato e fotografia.
O que está por fazer? As medidas islâmicas para o diálogo intercivilizacional têm-se concentrado mais na área euro-mediterrânea, embora existam também iniciativas viradas para Oriente, nomeadamente com a Índia e com o Japão. Das inúmeras acções levadas a cabo por estas duas organizações, pelos seus Estados--membros, por instituições governamentais, do poder local, ONG, pela sociedade civil, incluindo bibliotecas e universidades, releva-se a importância dada aos jovens como principais promotores de uma cultura de diálogo sustentável, e desde Figuig (Marrocos) a Baku (Azerbeijão), passando por Sarajevo (Bósnia Herzegovina), são diversas as conferências, seminários e workshops promovidos que se destinam especialmente a este público, e ao contributo que podem dar na implementação dos programas de acção delineados. Mas é necessário referir a existência de um importante factor, impeditivo da implementação do diálogo sustentável. Abdulaziz Altwaijri referia, em 1997, que a implementação de uma cultura do diálogo não devia ser centrada em questões religiosas e que se deviam evitar as questões de maior discórdia. Mas, hoje em dia, a discórdia gerada pela indefinição da situação de Al-Quds Al-Sharif – a «cidade nobre» de Jerusalém – e a indefinição do conflito israelo-palestiniano minam a construção de um verdadeiro diálogo intercultural. E esta é uma questão que o próprio relatório do Grupo de Alto Nível das Nações Unidas para a Aliança das Civilizações refere como essencial e incontornável, para o estabelecimento de um clima de verdadeira confiança entre as civilizações islâmica e «ocidental».Informação Complementar Iniciativas mais relevantes organizadas pela OCI/ISESCO 1997 1999 2000 2001 2002 2004 2005 2006 2008
Iniciativas da OCI/ISESCO para o mundo islâmico 1988 1997 2000 2002 2003 2007 ALiga dos Estados Árabes e a ALECSO Criada em 1945, a Liga dos Estados Árabes conta actualmente com 22 Estados-membros, que são também membros da OCI. Os seus principais objectivos preconizam o fortalecimento e coordenação dos programas económicos, culturais e sociais dos seus membros – de forma a promover relações mais próximas entre eles e a salvaguardar a sua independência e soberania. De igual modo, prevê o estabelecimento de uma base de mediação de disputas entre Estados-membros e destes com países terceiros. Em 1964, criou a Arab League Educational, Cultural and Scientific Organization – ALECSO, com sede em Tunes, cuja prioridade assenta na promoção e coordenação das áreas de educação, cultura e ciência a nível nacional e regional. A ALECSO colabora activamente com a ISESCO, quer na implementação dos seus planos de acção, quer na promoção de iniciativas conjuntas. * Rita Duarte Licenciada em Relações Internacionais e Mestranda em Estudos da Paz e da Guerra nas Novas Relações Internacionais na Universidade Autónoma de Lisboa. Assistente no Departamento de Relações Internacionais e no Observatório de Relações Exteriores da UAL. Referências bibliográficas Livro Branco sobre Diálogo entre Civilizações, ISESCO, 2002. Relatório do Grupo de Alto Nível para a Aliança das Civilizações, Nações Unidas, 2006. JIRARI, Abbas Al – «Dialogue from the Islamic Point of View», ISESCO, 2000. ALTWAIJRI, Abdulaziz Othman – «Future Prospects of Muslim-Western Dialogue», ISESCO, 1997.
Sítios na Internet http://www.isesco.org.ma
|
|
|||||||