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Dos imperialismos europeus à globalização Contudo, o lastro cultural subjacente à intensa conflitualidade que lhe está associada e a legitimação simbólica que alimenta radicalismos e contraposições brutais no presente mergulham as suas raízes nas memórias e múltiplas sequelas do longo domínio colonial imposto pelas potências europeias nos séculos anteriores. Os sucessivos ajustamentos induzidos pelas duas guerras mundiais e o fim da guerra fria cabem na designação que agora se vulgarizou – a «globalização» – palavra que sublinha as alterações verificadas nas sociedades e remete para a economia a cultura ou o ambiente. Podíamos resumir o essencial da Aliança de Civilizações ao empenho assumido em «combater estereótipos e preconceitos que reforçam padrões de hostilidade e alimentam a desconfiança entre as sociedades», conforme o texto do Relatório de 13 de Novembro de 2006, apresentado pelo «Grupo de Alto-Nível» nomeado pelo ex-Secretário-Geral das Nações Unidas, Kofi Annan. Como também ali se reconhece, «a história das relações entre culturas não é feita apenas de guerras e confrontos». Tais relações descrevem-se, igualmente, por «séculos de trocas construtivas, de recíproca inspiração e convivência pacífica».
As sequelas do 11 de Setembro Após os atentados terroristas de Nova Iorque, em 2001, afunilou-se a compreensão destes fenómenos para as querelas religiosas e, em particular, para o Islão e os fundamentalismos de todos os credos. Isto ocorre, também, em países como a Holanda ou a Áustria, onde os fenómenos migratórios concentraram populações vulneráveis à conflitualidade etno-religiosa. Em qualquer caso, as percepções do papel da religiosidade são muito variáveis e nos países da Europa do Sul, onde a Contra-Reforma católica e a Inquisição esmagaram a Reforma protestante, serão diferentes, por exemplo, das representações dominantes nos EUA que, como se sabe, foram porto de abrigo para «os hereges» perseguidos por aqueles. Animadas pela força salvífica das suas liturgias e dogmas inconciliáveis, as religiões monoteístas serão sempre tentadas, nos piores cenários, a transformar a liberdade de consciência em mera liberdade religiosa, a ressuscitar a «criminalização da blasfémia» ou o «espírito de cruzada», a limitar, enfim, o «estado secular» que, todavia, foi na Europa continental a solução encontrada para instaurar uma convivência pacífica entre cristãos desavindos. Porém, sendo as religiões «parte» do problema, é desejável que sejam também «parte» da solução. Ao contrário de algum iluminismo radical que foi tentado a pensar, ao longo da crise do «antigo regime» no continente europeu, que o problema se resolvia contra elas, a história demonstrou, porém, que o envolvimento activo das igrejas e dos seus líderes espirituais é indispensável à construção de soluções pacíficas e duradouras. Naturalmente, a humanidade só tem a ganhar com o aprofundamento do diálogo inter-religioso, o que sendo uma missão própria dos crentes merece ser apoiada e estimulada por todos. Porém, a religiosidade tem um papel limitado na explicação das relações e na solução dos conflitos sociais. Os laços culturais – linguísticos, económicos, políticos – entretecidos pelos povos europeus com os povos de outros continentes traçaram fronteiras, lançaram pontes e deixaram marcas ostensivas no território, na sociedade, nas línguas e nos sistemas políticos, nas alianças e rivalidades, por todo o planeta. Para enfrentar os extremismos hoje polarizados em torno de visões apocalípticas, fanatismos religiosos e vulgares doutrinas securitárias, é necessário procurar as suas raízes sociais, económicas e políticas, contextualizar os antagonismos e territorializar as soluções. Uma contribuição portuguesa para a Aliança de Civilizações Uma língua é «território comum» dos povos que a falam. Por isso, a distribuição transcontinental do Português, do Espanhol, do Francês e do Inglês não desenha meros mapas linguísticos. Assinala focos de intercambio económico, alianças militares, redes de cooperação internacional, cumplicidades e rancores nas relações de vizinhança, virtualidades na mediação de conflitos ou predilecções caprichosas nas competições desportivas. Neste sentido, as línguas reclamam um lugar relevante na contribuição portuguesa para a Aliança de Civilizações. Não apenas a Língua Portuguesa mas também as línguas indígenas que o Português reprimiu na América, na África e na Ásia, os crioulos inventados na Guiné e em Cabo Verde, na Índia, na Malásia e na Indonésia, ou o tétum recentemente adoptado como uma das línguas oficiais de Timor Leste, juntamente com o Português. Porque se as línguas foram parte de uma história de conquista e opressão, podem transformar-se, no plural, em veículos privilegiados da compreensão e respeito entre os povos e do enlace entre as culturas. Neste domínio, a alavanca institucional mais próxima será a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa e as democracias de língua portuguesa emergentes na África e na Ásia poderão ancorar projectos de literacia a que se poderão associar acções humanitárias, de educação cívica, direitos humanos e boa governação. Se a prevenção de conflitos e a manutenção da paz definem a própria natureza da Aliança de Civilizações, então as missões de capacitação ( Empowerment ), state building , promoção do Estado de Direito e da Democracia, constituem o seu núcleo de acção. A posição geográfica de Portugal, na «costa ocidental da Europa» – que originalmente favoreceu as navegações atlânticas do século XV – inscreve uma segunda especificidade: a valorização das relações com o Mediterrâneo, com África e com a América. O Alto Representante para a Aliança de Civilizações, Jorge Sampaio, sublinhou justamente a necessidade de «contribuir para a qualificação do diálogo intercultural entre as duas margens do Mediterrâneo». Mas a própria Península Ibérica é o testemunho mais duradouro e culturalmente significativo da presença árabe na Europa. O campo arqueológico de Mértola é uma oportunidade e um sugestivo exemplo da grande variedade de iniciativas que é possível lançar. A história peninsular é um espaço de cooperação a valorizar por Espanha e Portugal e um peculiar desafio no contexto da Aliança de Civilizações. Por outro lado, nas relações bilaterais com Marrocos, Argélia, Egipto, Médio Oriente e Turquia, há que incluir propostas de cooperação ou destacar as acções em curso nas áreas da justiça e da segurança – por exemplo, a luta contra o terrorismo e a criminalidade organizada – da imigração e cultura – designadamente, as matérias de formação e ensino profissional, promoção do emprego ou programas de microcrédito para promoção do artesanato – da ciência, das artes e tecnologia – dinamizando o intercâmbio cultural de investigadores e de jovens estudantes. A estas linhas de cooperação devem ser associadas ou adquirir expressão concreta as temáticas relativas à defesa dos Direitos Humanos, à promoção da tolerância e do conhecimento recíproco.
Questões de método A Juventude, a Educação e a Imigração foram definidas como temas centrais nos documentos estratégicos da Aliança de Civilizações. Aqui podem desempenhar um papel crucial as Universidades e os Centros de Investigação. Um quarto tema assume ali uma especial importância: os meios de comunicação social, a saber, o jornalismo, a Internet , a liberdade de expressão. São temáticas transversais a qualquer plano de acção que procure responder às exigências de um particular âmbito de intervenção. Um plano de acção para a Aliança de Civilizações, em Portugal, deve reflectir os inúmeros projectos e actividades sectoriais, de natureza pública ou da iniciativa da sociedade civil, de carácter permanente ou sazonal, que possam concorrer para a realização dos objectivos estratégicos deste programa das Nações Unidas e que com eles se articule de forma distinta, coerente e eficaz, evitando a multiplicação de estruturas e a diluição das iniciativas num activismo vistoso mas inconsequente. Por exemplo, a larga mobilização alcançada por inúmeras iniciativas lançadas no âmbito do «Ano Europeu para o Diálogo Intercultural» que agora finda, teceram uma rede que pode continuar activa para além dos eventos de calendário e oferecer um suporte permanente para a dinamização das «causas» da Aliança. Também sob o impulso de organizações das Nações Unidas e de agências europeias, emergem das políticas educativas e dos programas de investigação, sobretudo nas áreas das humanidades ou das ciências sociais, múltiplas oportunidades para incluir ou sublinhar o apreço pela diversidade e a interacção fecunda entre culturas. A Aliança de Civilizações transporta motivações generosas e um desígnio urgente. O Direito Internacional, ancorado no sistema das Nações Unidas, e os Direitos Humanos, pretensamente universais, oferecem-lhe, hoje, uma frágil sustentação. Porque as Nações Unidas aguardam por uma reforma que continua adiada e porque a universalidade de Direitos que não gozem de uma garantia universal transforma-os em retórica vã. Para não resvalar na banalidade hipócrita ou num activismo pueril, a nossa contribuição para a Aliança de Civilizações tem que se justificar na eficácia de acções concretas que testemunhem da nossa memória comum e transformem numa engenharia cívica a nossa experiência singular.Informação Complementar Membros da Aliança de Civilizações (AoC) O Grupo de Amigos da Aliança de Civilizações constitui um instrumento vital para a implementação do processo. Este grupo é constituído por representantes de Estados independentes, agências das Nações Unidas, organismos internacionais e Organizações Não-Governamentais (ONG) que tornaram público e demonstraram um interesse activo em apoiar o processo da Aliança de Civilizações. Países Organizações Membros do Grupo de Alto Nível da Aliança de Civilizações Co-Patrocinadores Médio Oriente Norte de África África Ocidental África do Sul Europa Ocidental Europa de Leste América do Norte América Latina Ásia do Sul Ásia do Sudeste Ásia Oriental * Pedro Bacelar de Vasconcelos Licenciado, Mestre e Doutorado em Direito – ciências jurídico-políticas – pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra. Professor de Direito Público da Escola de Direito da Universidade do Minho. Coordenador Nacional da Aliança de Civilizações. Professor Associado de nomeação definitiva. Director do Mestrado em Direitos Humanos e Director do Centro de Estudos de Direito da Universidade do Minho. Perito na Comissão de Veneza, órgão consultivo do Conselho da Europa para os assuntos constitucionais. Membro da Direcção da revista “Scientia Juridica” e do Conselho de Redacção da revista “Jurisprudência Constitucional”.
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