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- JANUS 2009 -



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O Relatório do Grupo de Alto Nível da Aliança de Civilizações

Fernando Amorim *

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Em 15 de Junho de 2005 José Luís Rodríguez Zapatero e Recep Tayyip Erdogan convidaram o Secretário-Geral da ONU, Kofi Annan, a anunciar a iniciativa Aliança de Civilizações aos Estados-membros das Nações Unidas e a designar para a mesma um Grupo de Alto Nível.

 

O Grupo de Alto Nível

Em 14 de Julho de 2005 foi formalmente anunciada por aquele Secretário-Geral o lançamento da iniciativa “Aliança de Civilizações” numa declaração solene realizada na sede da Organização das Nações Unidas em Nova Iorque. A que se seguiu, após consultas, o anúncio da constituição, em 2 de Setembro de 2005 de um grupo de Alto Nível (veja-se a sua composição no sítio da Internet desta iniciativa – United Nations, Alliance of Civilizations . Disponível em http://www.unaoc.org/) para orientar a iniciativa, o qual reuniu pela primeira vez em Palma de Maiorca, Espanha entre 26 e 29 de Novembro de 2005. Outras reuniões deste grupo se seguiram, uma (25 a 28 de Fevereiro de 2006) em Doha no Qatar, outra (28 a 30 de Maio de 2006) em Dakar no Senegal, mais uma (5 e 6 de Setembro de 2006) em Nova Iorque, outra (22 de Setembro de 2006) de novo nesta cidade, na sede da ONU, e a última (12 e13 de Novembro de 2006) em Istambul, na Turquia.

 

O Relatório do Grupo de Alto Nível

O Grupo de Alto Nível apresentou nesta cidade ao Secretário-Geral Kofi Annan um relatório (13 de Novembro de 2006) que o mesmo submeteria a apresentação em sessão informal da Assembleia-geral da ONU em Nova Iorque em 18 de Dezembro de 2006. Aquele relatório seria objecto de publicação em Nova Iorque ainda em 2006. Na sequência, e dando cabal cumprimento à primeira recomendação daquele texto, seria nomeado pelo novo Secretário-Geral Ban Ki-moon, em 26 de Abril de 2007, o Dr. Jorge Sampaio, antigo Presidente da República Portuguesa como Alto Representante para a Aliança de Civilizações.

O relatório é um documento de 62 páginas e composto de duas partes; a primeira organizada em cinco capítulos; a segunda estruturada em três capítulos, contendo este último as recomendações do Grupo de Alto Nível; ainda, três anexos, mais um apêndice elencando outros documentos úteis (p. 61).

 

Os conteúdos do relatório

O primeiro capítulo, intitulado “Reduzir as divisões do mundo” faz o ponto da situação das relações internacionais no mundo de hoje, realçando um desequilíbrio alarmante, um mundo cada vez mais complexo, a inquietação e perplexidade causada pela teoria do “choque de civilizações” (veja-se para o efeito outros textos neste capítulo), e constatando a necessidade de lançar pontes de diálogo e compreensão entre as sociedades e a necessidade da Aliança de Civilizações assumir o ónus de resolver, prevenir e apaziguar as divisões crescentes entre sociedades, mediante a reafirmação de um paradigma de respeito mútuo entre povos de tradições culturais e religiosas diferentes.

Tomado o pulso à situação internacional, o Grupo de Alto Nível leva a cabo no capítulo segundo, a formulação dos princípios directores em que se baseará a acção da Aliança de Civilizações reafirmando os princípios fundadores da Carta das Nações Unidas e dos preceitos constitucionais da UNESCO, pelo respeito completo e coerente dos Direitos do Homem e a diversidade cultural e civilizacional, consagrando a necessidade de se encarar o mundo numa perspectiva multipolar, interdependente e globalizada, em que a erradicação da pobreza, do terrorismo, a institucionalização de uma governança democrática global e o respeito pelo retorno do religioso nas sociedades hodiernas constituem princípios basilares para o sucesso da iniciativa e o apaziguamento global, à luz de um paradigma inteiramente novo na história das relações internacionais.

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O capítulo III.º desenvolve as várias vertentes do contexto sistémico mundial, realçando a necessidade de se olhar o mundo sempre numa perspectiva de conjunto face às rápidas interdependências criadas, a assunção da existência de identidades culturais claras que não devem ser postas em risco sob pena da degradação dos ambientes políticos regionais e mundial, mesmo entre as sociedades democráticas. Analisa ainda a emergência do extremismo nas suas diversas dimensões.

No IV.º capítulo faz a abordagem à dimensão política da Aliança de Civilizações realçando o enfoque político e não meramente culturalista nas relações internacionais em geral e nas relações entre as sociedades ocidentais e as muçulmanas em particular, não escapando a essa abordagem o conflito israelo-palestiniano e as actuais tendências das sociedades muçulmanas e a perspectiva que nelas vai cristalizando do outro civilizacional ocidental. O capítulo V.º debruça-se sobre as especificidades regionais a considerar no debuxo de uma aliança de civilizações, detalhando a abordagem da questão do Médio Oriente e enunciando recomendações de política geral para o sucesso global da iniciativa, realçando o papel de um multilateralismo renovado e o respeito total e coerente do Direito Internacional e dos Direitos do Homem; a coordenação de políticas no âmbito das migrações; o combate à pobreza e injustiças económicas; a protecção da liberdade de culto, o exercício de lideranças responsáveis não islâmofóbicas, xenófobas e anti-semitas, o fomento do activismo na sociedade civil e o estabelecimento de parcerias para o progresso e consolidação de uma aliança de civilizações.

 

Os campos de acção, recomendações e concretização de iniciativas da Aliança de Civilizações

A segunda parte do relatório (VI.º, VII.º e VIII.º capítulos) define a esfera e campos de actuação desta iniciativa. Quanto aos principais campos de acção o Grupo de Alto Nível elege a educação , a juventude as migrações e os media como alvo prioritário da Aliança, definindo para cada uma delas, no capítulo VII.º recomendações que levem a bom termo o projecto global representado por esta iniciativa política da ONU. O capítulo VIII.º específica os modos de concretização dessas recomendações elencando-as em sete alíneas fundamentais.

 

O Grupo de Alto Nível e sua articulação estratégica com o Secretário-geral da ONU

O anexo I deste relatório especifica o contexto do lançamento pelo Secretário-Geral da iniciativa de uma Aliança de Civilizações co-patrocinada pelos primeiros-ministros de Espanha e Turquia. Define ainda as circunstâncias, objectivos e missão específica do Grupo de Alto Nível na identificação das ameaças emergentes à paz e segurança internacional bem como das contra-medidas colectivas e institucionais de neutralização daquelas, a recomendação de programas de acção exequíveis ao nível de Estado, organizações internacionais e sociedade civil de promoção da harmonia entre sociedades. Ainda, o estabelecimento de um secretariado de apoio dirigido por um director experimentado, cabendo-lhe a preparação de estudos, análises e propostas, a submeter ao Grupo de Alto Nível.

 

A composição do grupo de Alto Nível

O anexo II faz a listagem dos membros do grupo de Alto Nível. Para além de dois co-presidentes (Turquia e Espanha) este possui uma composição que pretende traduzir uma representação regional, incluindo nela o grau de conflituosidade ou ameaça. Assim o Médio Oriente tem três membros; a África do Norte dois; a África Ocidental um; a África do Sul um; a Europa Ocidental dois; a Europa de Leste um; a América do Norte dois membros; a América Latina outros dois; a Ásia do Sul igualmente dois membros; a Ásia do Sudeste um membro e finalmente, a Ásia Oriental um membro; num total de vinte personalidades dos mais variados quadrantes, mas com reputado currículo no domínio das relações políticas e internacionais, enquanto antigos protagonistas ou como observadores e investigadores.

Finalmente, o Anexo III é integralmente composto por um memorando específico sobre o conflito israelo-palestiniano e o papel que o Grupo de Alto Nível poderá assumir naquele contexto. O relatório termina elencando outros documentos úteis disponíveis no sítio da Aliança de Civilizações para fornecer informação complementar sobre a natureza, missão e objectivos desta iniciativa que prossegue em moldes eminentemente políticos o enfoque culturalista iniciado anos antes (2001) pela UNESCO, outra organização do universo onusiano.

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Informação Complementar

Recomendações do Relatório do Grupo de Alto Nível da Aliança de Civilizações quanto aos príncipios que devem guiar a Aliança

Uma Aliança de Civilizações deve por natureza ser baseada numa perspectiva multipolar. Como tal, o Grupo de Alto Nível guiou as suas deliberações pelos princípios que formam o quadro para promover a cultura do diálogo e o respeito entre todas as nações e culturas. A Carta das Nações Unidas, a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, que pretende libertar a humanidade do medo e da miséria, tal como outros documentos fundamentais sobre direitos culturais e religiosos, são a referência básica para os princípios enunciados infra.

1.º – Um mundo cada vez mais interdependente e globalizado só pode ser regulado através do primado do Direito e de um sistema multilateral efectivo, com o sistema das Nações Unidas no seu núcleo. Tal requer o respeito pelo direito internacional e pelos tratados, incluindo pelos direitos e responsabilidades que governam a conduta da guerra tal como estipulado pelo direito internacional humanitário (em particular pelas Convenções de Genebra), o respeito pelas instituições que criam o direito e o apoio aos mecanismos destinados a decidir sobre as violações a essas normas.

2.º – O respeito pleno e consistente pelos standards de direitos humanos forma a base das sociedades estáveis e das relações internacionais pacíficas. Estes direitos incluem a proibição da tortura física e psicológica, o direito à liberdade de religião e o direito à liberdade de expressão e associação A integridade destes direitos funda-se na sua natureza universal e incondicional. Estes direitos devem, assim, ser considerados invioláveis e todos os Estados, organizações internacionais, actores não-estatais e os indivíduos devem respeitá-los em todas as circunstâncias.

3.º – A diversidade das civilizações e culturas é uma característica básica da sociedade humana e uma força motivadora do progresso humano. As civilizações e culturas reflectem a enorme riqueza e herança da humanidade e a sua natureza é de forma a se sobreporem, interagirem e evoluirem umas em relação às outras. Não há qualquer hierarquia entre culturas, tendo cada uma contribuído para a evolução da humanidade. A história da humanidade é na verdade uma história de influência e fertilização mútua e constante.

4.º – A pobreza leva ao desespero, sentido de injustiça e alienação que, quando combinados com queixas politicas, pode alimentar o extremismo. A erradicação da pobreza diminuiria estes factores ligados à marginalização e alienação económica e deve por isso ser procurada de forma ostensiva, tal como se apela nos Objectivos de Desenvolvimento do Milénio.

5.º – O terrorismo nunca pode ser justificado. A fim de conseguir que as instituições internacionais e os governos parem o terrorismo, precisamos de lidar com todas as condições que são conducentes a este fenómeno, reconhecer as ligações entre a paz, segurança, desenvolvimento social e económico e direitos humanos. A este respeito, a Estratégia Global contra o Terrorismo das Nações Unidas, recentemente aprovada, representa um passo importante.

6.º – O governo democrático que é representativo dos seus cidadãos e responde às suas necessidades e aspirações constitui o meio mais eficaz para os indivíduos atingirem o seu máximo potencial. Para terem sucesso, os sistemas democráticos devem surgir organicamente no âmbito da cultura de cada sociedade, reflectindo os seus valores partilhados e adaptados às necessidades e interesses dos seus cidadãos, Tal é possível apenas quando as pessoas são livres e sentem-se em controlo do seu destino.

7.º – A religião é uma dimensão cada vez mais importante de muitas sociedades e uma fonte significativa de valores para os indivíduos, Pode desempenhar um papel fundamental em promovera compreensão de outras culturas, religiões e de modos de vida que ajudem a construir harmonia entre elas.


Fonte: ALLIANCE of Civilizations. Disponível em http://www.unaoc.org

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Membros do Grupo de Alto N ível da Aliança de Civilizações

Co-Presidentes
Prof. Federico Mayor (Espanha)
Prof. Mehmet Aydin (Turquia)

Médio Oriente
Hojjatoleslam Seyyed Mohammad Khatami (Irão)
Sheikha Mozah Bint Nasser Al Missned (Qatar)

Norte de África
Dr. Mohamed Charfi (Tunísia)
Dr. Ismail Serageldin (Egipto)
Sr. André Azoulay (Marrocos)

África Ocidental
Sr. Moustapha Niasse (Senegal)

África do Sul
Arcebispo Desmond Tutu (África do Sul)

Europa Ocidental
Sr. Hubert Védrine (França)
Sr.ª Karen Armstrong (Reino Unido)

Europa de Leste
Prof. Vitaly Naumkin (Federação Russa)

América do Norte
Prof. John Esposito (Estados Unidos)
Rabino Arthur Schneier (Estados Unidos)

América Latina
Enrique Iglesias (Uruguai)
Prof. Cândido Mendes (Brasil)

Ásia do Sul
Dra. Nafis Sadik (Paquistão)
Sr.ª Shobana Bhartia (Índia)

Ásia do Sudeste
Sr. Ali Alatas (Indonésia)

Ásia de Leste
Prof. Pan Guang (China).

 

O Grupo de Alto Nível

O Grupo de Alto Nível foi nomeado pelo Secretário-Geral das Nações Unidas Kofi Annan na sequência de diligências com os países co-patrocinadores da iniciativa, Espanha e Turquia e os seus respectivos Primeiros-ministros. O Grupo de Alto Nível da AdC é composto por vinte líderes proeminentes nos campos da política, personalidades reconhecidas nos meios académicos, na sociedade civil, nas finanças internacionais, e nos meios de comunicação de todas as regiões do mundo.

Na origem, o Grupo de Alto Nível surgiu com a missão de orientar o trabalho da Aliança de Civilizações, analisando, avaliando e interpretando a natureza das forças que contribuem para o extremismo e radicalização nos vários pontos do globo e em particular nas regiões e países sujeitos a processos de confrontação militar e civil. Ao Grupo de Alto Nível cabe a tarefa de produzir e enunciar recomendações para uma acção colectiva de confinamento dos focos de conflito e redução do seu impacto e efeito de contágio a países e regiões limítrofes, definindo metodologias de acção e combate a essas forças.

Na sequência da sua criação o Grupo de Alto Nível reuniu cinco vezes entre Novembro de 2005 e Novembro de 2006 com vista a elaborar um relatório – o Relatório do Grupo de Alto Nível – o qual apresentada um conjunto de metodologias para uma abordagem multipolar das tensões nacionais e regionais objecto desta iniciativa (AdC), no qual se define como prioritárias as relações entre muçulmanos e sociedades ocidentais.

A primeira reunião teve lugar em Palma de Maiorca, Espanha, entre 26 e 29 de Novembro de 2005; a segunda, em Doha, no Qatar, entre 25 e 28 de Fevereiro de 2006. A terceira reunião deste grupo realizou-se em Dakar, no Senegal, entre 28 e 30 de Maio de 2006. O relatório produzido foi então apresentado numa reunião final, em Istambul, Turquia em 12 e 13 de Novembro de 2006. Pouco antes realizou-se ainda um encontro de trabalho em Nova Iorque entre 5 e 6 de Setembro de 2006 para ultimar os conteúdos do documento.

O relatório do Grupo de Alto Nível apresenta uma série de recomendações com vista a levar a bom termo a estratégia gizada pela iniciativa AdC de desenvolvimento de uma melhor cooperação e parceria entre todos os actores indispensáveis à concretização com êxito dos objectivos da Aliança. O Grupo de Alto Nível enuncia o modus faciendi , as medidas práticas para reforçar, de forma construtiva, o papel interventor de todos os apoiantes da iniciativa e sua publicitação entre os meios de comunicação social. No relatório o Grupo de Alto Nível propõe abordagens educativas e métodos de apoio à mobilização dos jovens, na promoção dos valores de moderação, de cooperação, bem como a valorização da diversidade. O plano proposto neste relatório tem como objectivo identificar os sistemas e estratégias de acção colectiva para produzir as condições em que a segurança, a estabilidade e o desenvolvimento possam prosperar.

Fonte: ALLIANCE of Civilizations. Disponível em http://www.unaoc.org

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* Fernando Amorim

Licenciado em História pela Universidade Autónoma de Lisboa – UAL. Mestre em História – História Moderna, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa (FL/UL). Professor da Universidade Autónoma. Investigador do Observatório de Relações Exteriores. Membro do Conselho Directivo do Observatório de Relações Exteriores. Editor do Janus: Anuário de Relações Exteriores.

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