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- JANUS 2009 -



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A Aliança de Civilizações: a sua criação

Patrícia Galvão Teles *

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A Aliança de Civilizações foi criada em Julho de 2005, após a iniciativa dos Governos de Espanha e da Turquia, sob os auspícios da Organização das Nações Unidas. A Aliança de Civilizações dispõe de um site na internet em www.unaoc.org.

A Aliança visa examinar o estado das relações entre as diversas sociedades contemporâneas, as suas visões globais e as percepções recíprocas que modelam essas relações, sobretudo incidindo nas sociedades ocidental e muçulmana.

Pretende ser uma aliança informal de carácter político e não religioso ou cultural, uma aliança global e a longo prazo, com medidas concretas e práticas e orientada para a acção.

O seu objectivo é o de promover uma acção colectiva nas diversas sociedades a fim de combater o extremismo, ultrapassar barreiras culturais e sociais entre o mundo ocidental e islâmico e reduzir as tensões e polarização entre sociedades com valores culturais e religiosos distintos. Tem uma componente de segurança importante, em virtude da ameaça de confronto entre o Ocidente e o Islão e o Médio Oriente.

 

Contexto e antecedentes da sua criação

Em reacção ao livro de Francis Fukuyama de 1992, «O Fim da História e o Último Homem», Samuel P. Huntington escreveu, em 1993, um artigo na revista Foreign Affairs intitulado «O Choque das Civilizações», seguido do livro em 1996 «O Choque das Civilizações e a Mudança na Ordem Mundial». Huntington defendia que as identidades culturais e religiosas seriam a fonte principal de conflito no mundo pós-Guerra Fria. De entre os vários potenciais choques de civilizações, Huntington destacava o choque entre a civilização islâmica e as não-islâmicas, sobretudo a ocidental.

Esta teoria foi objecto de uma enorme controvérsia e motivou várias respostas, entre elas iniciativas como o Diálogo das Civilizações. A ideia do Diálogo entre as Civilizações foi lançada pelo antigo presidente do Irão, Mohammad Khatami e constituiu a base para a Resolução da Assembleia-Geral das Nações Unidas de 1998, que designou 2001 como o Ano do Diálogo entre as Civilizações.

 

A ideia da Aliança de Civilizações e a proposta de Zapatero

Foi no seu primeiro discurso à Assembleia-Geral das Nações Unidas, em 21 de Setembro de 2004, que José Luis Rodriguez Zapatero, Presidente do Governo Espanhol desde Abril desse ano, formula a ideia de uma «Aliança de Civilizações». Este discurso está disponível em:
http://www.spainun.org/pages/viewfull.cfm?ElementID=2181 e dele citam-se os dois parágrafos fundamentais, com destaque para o segundo:

«La seguridad y la paz solo se extenderán con la fuerza de las Naciones Unidas, la fuerza de la legalidad internacional, la fuerza de los derechos humanos, la fuerza de la democracia, de los hombres sometidos a las leyes, de la igualdad, de la igualdad de las mujeres y los hombres, de la igualdad en las oportunidades se nazca donde se nazca. La fuerza frente a quienes manipulan o quieren imponer cualquier religión o creencia. La fuerza de la educación y la cultura. La cultura es siempre paz. Consigamos que la percepción del otro este teñida de respeto. La fuerza del diálogo entre los pueblos.

Por eso, como representante de un país creado y enriquecido por culturas diversas, quiero proponer ante esta asamblea una Alianza de Civilizaciones entre el mundo occidental y el mundo árabe y musulmán. Cayó un muro. Debemos evitar ahora que el odio y la incomprensión levanten otro. España somete al Secretario General, cuya labor al frente de la Organización apoya con firmeza, la posibilidad de constituir un Grupo de Alto Nivel para llevar a cabo esta iniciativa.»

É um discurso claramente marcado por eventos como o 11 de Setembro, a Guerra do Iraque e o atentado terrorista em Madrid em Março de 2004. O programa eleitoral do PSOE para as eleições de Março de 2007 continha já ideias importantes sobre o multilateralismo, a importância dos direitos humanos e do direito internacional, o carácter ilegal da guerra no Iraque e a necessidade da retirada das tropas espanholas, ideias estas também confirmadas no discurso de tomada de posse de Zapatero, em 17 de Abril de 2004.

Zapatero propôs, assim, uma Aliança de Civilizações entre o mundo ocidental e o mundo árabe e muçulmano para evitar que o ódio e a incompreensão levantem outro «muro». Uma iniciativa para despertar a consciência mundial sobre os riscos de que se construa um muro de incompreensão entre o Ocidente e o mundo árabe e islâmico e que o anunciado e temido «choque de civilizações» possa tornar-se realidade.

Pode perguntar-se até que ponto a ideia tinha sido bem maturada antes de ser proposta, se foi algo improvisado ou a tentativa de dar mais um passo no «diálogo das civilizações». Após este discurso, a ideia foi debatida entre Zapatero e Kofi Annan, então Secretário-Geral da ONU. Não era muito claro de quantas civilizações se tratava, quanto custaria esta iniciativa, como operacionalizá-la.

Ficou então assente que o Secretário-Geral constituiria um Grupo de Trabalho para reflectir sobre a ideia, tendo Kofi Annan destacado o seu Chefe de Gabinete, o paquistanês Iqbal Riza, para coordenar estes trabalhos.

Mais tarde, a Turquia tornou-se co-patrocinadora desta ideia nas Nações Unidas. Era importante diversificar o apoio e foi escolhido este país muçulmano moderado e apoiado por Espanha no seu desejo de entrada na União Europeia.

 

A formalização da criação da Aliança de Civilizações

O Secretário-Geral das Nações Unidas, Kofi Annan, lançou formalmente a iniciativa da Aliança de Civilizações em 14 de Julho de 2005. Nesta ocasião, referiu que a intenção da iniciativa era responder à necessidade de um esforço concertado da comunidade internacional – a nível institucional e da sociedade civil – para estabelecer pontes e ultrapassar preconceitos e evitar polarizações potencialmente ameaçadoras da paz mundial. O seu objectivo seria analisar as ameaças que emergem dessas percepções hostis que fomentam a violência e incrementar a cooperação necessária para eliminar tais divisões. Referindo-se a eventos recentes que aumentaram essa sensação de divisão e de falta de compreensão entre as sociedades islâmica e ocidental, exacerbada por extremismos em todo o mundo, o Secretário-Geral referiu que a Aliança devia ser uma coligação contra tais forças extremistas, um movimento para aumentar o respeito mútuo por tradições e crenças religiosas e para reafirmar a interdependência crescente para a humanidade em todas as áreas desde o ambiente, a saúde, o desenvolvimento económico e social e a paz e segurança.

A partir desta data, a Aliança de Civilizações tornou-se uma iniciativa do Secretário-Geral das Nações Unidas, tendo deixado de ser uma ideia meramente espanhola com o apoio da Turquia. Mas não se transformou formalmente numa instância da ONU, não sendo uma entidade formal, nem objecto de uma resolução própria da Assembleia Geral, embora seja objecto de referências pontuais em vários documentos da Organização.

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A criação de um Grupo de Alto Nível de Peritos e o seu relatório

Um Grupo de Alto Nível de Peritos foi então formado pelo Secretário-Geral das Nações Unidas para explorar as raízes da polarização entre as sociedades e culturas de hoje e para recomendar programas de acção pragmáticos para lidar com este assunto. O relatório do Grupo de Alto Nível analisou esta questão e fez recomendações que são a base do plano de implementação da Aliança de Civilizações.

Este Grupo de Alto Nível foi composto por vinte indivíduos proeminentes nas áreas da política, da vida académica, da sociedade civil, das finanças internacionais e dos media de todas as regiões do mundo e reuniu por cinco vezes, entre Novembro de 2005 e Novembro de 2006, tendo produzido um relatório final (disponível em www.unaoc.org/repository/HLG_Report.pdf), lançado publicamente a 13 de Novembro de 2006, onde apresenta uma série de recomendações sobre a Aliança de Civilizações, seus objectivos e actividades.

 

A nomeação de um Alto Representante

A 26 de Abril de 2007, o ex-Presidente da República de Portugal, Dr. Jorge Sampaio, foi nomeado pelo novo Secretário-Geral das Nações Unidas, Ban Ki-moon, Alto Representante para a Aliança de Civilizações, para liderar a fase de implementação da Aliança. A Aliança é apoiada por um pequeno secretariado,sediado em Nova Iorque.

O papel do Alto Representante é o de conduzir o trabalho da Aliança de Civilizações. O seu secretariado deve trabalhar em colaboração com os Estados, organizações internacionais e regionais, grupos da sociedade civil, fundações e sector privado, para mobilizar esforços concertados para promover as relações interculturais entre nações e comunidades diversas.

 

Aspectos de natureza institucional

O objectivo da Aliança é promover uma melhor compreensão e relações de cooperação entre nações e povos de todas as religiões e culturas e, nesse processo, ajudar a combater as forças que fomentam a polarização e o extremismo.

Embora a Aliança mantenha uma perspectiva universal no seu trabalho, a ênfase prioritária é colocada nas relações entre as sociedades muçulmanas e ocidentais, uma vez que a polarização intercultural e o medo mútuo são mais agudos entre estas comunidades e representam uma ameaça à segurança e estabilidade internacionais.

A Aliança promove e apoia diversos projectos e iniciativas que tenham por missão construir pontes entre uma diversidade de culturas e comunidades. Está a desenvolver uma Clearinghouse online de melhores práticas, materiais e recursos sobre diálogo intercultural e projectos de cooperação, bem como um Mecanismo de Resposta Rápida para os Media para construir uma plataforma de debate e opinião construtiva durante momentos de tensão a propósito de assuntos interculturais.

 

A sua estrutura e modo de funcionamento

A Aliança trabalha em conjunto com governos, organizações internacionais e regionais, grupos da sociedade civil, fundações e sector privado. Destacam-se os partenariados já firmados com as seguintes organizações ou organismos internacionais: Unesco, Conselho da Europa, Liga dos Estados Árabes, Organização Árabe para a Educação a Cultura e as Ciências, Organização Islâmica para a Educação, Ciências e Cultura e Cidades e Governos Locais Unidos.

Não é uma organização internacional, nem uma estrutura intergovernamental. É uma iniciativa informal no âmbito das Nações Unidas, sem qualquer estatuto jurídico internacional.

 

O Grupo de Amigos

A Aliança de Civilizações possui um Grupo de Amigos informal, formado por governos, agências das Nações Unidas e organizações e organismos multilaterais que apoiam os esforços da Aliança. Este Grupo de Amigos reúne habitualmente em Nova Iorque, no âmbito das Nações Unidas.

Os países do Grupo de Amigos comprometem-se também a desenvolver as suas estratégias nacionais. Em Portugal, foi já nomeado o Professor Pedro Bacelar de Vasconcelos para coordenar a estratégia nacional portuguesa.

A Aliança de Civilizações dispõe também de uma lista de Embaixadores da Aliança, um grupo de personalidades para promover e dar visibilidade a esta iniciativa.

 

O financiamento da Aliança de Civilizações

O trabalho da Aliança e as suas actividades são financiadas por um fundo fiduciário voluntário, criado pelo Secretário-Geral das Nações Unidas, para o qual podem contribuir Estados, organizações internacionais, sector privado, fundações, etc.

 

O Plano de Implementação da Aliança de Civilizações (2007-2009)

Em Maio de 2007, foi apresentado o primeiro plano de implementação da Aliança de Civilizações. Este plano é para um período de dois anos e será apresentado um novo plano em 2009. O Plano encontra-se disponível em www.unaoc.org/repository/implementation_plan.pdf e está dividido em duas partes: I) Quadro Estratégico e Estrutural; II) Programa de Acção para 2007 a 2009.

Do Programa de Acção destacam-se os seguintes projectos da Aliança: a) Clearing House (recursos on-line sobre diálogo e cooperação intercultural nas quatro áreas temáticas centrais da Aliança: Juventude, Educação, Media e Migração); b) Rapid Response Media Mechanism to Address Cross-Cultural Tensions (mecanismo de resposta rápida baseado nos media para ser mobilizado em caso de tensões globais sobre temas interculturais).

Em colaboração com outras entidades, a Aliança está também empenhada em desenvolver as suas actividades em áreas como o impacto do estereótipo negativo de minorias nos media, promoção do emprego de jovens no Médio Oriente, compreensão entre as diversas fés religiosas, desenvolvimento de programas de intercâmbio estudantil e desenvolvimento de uma história da humanidade.

 

Os Fóruns da Aliança

Realizou-se em Madrid, entre 15 e 16 Janeiro de 2008, o primeiro Fórum da Aliança de Civilizações (www.madridaocforum.org), reunindo representantes de governos, líderes religiosos, representantes da juventude, fundações, think tanks , opinion makers , representantes do sector empresarial, entre outros. Foi adoptada uma «Carta de Madrid», documento sem valor jurídico vinculativo, para assinalar os resultados deste fórum.

O Fórum, que serve também para aumentar o perfil desta iniciativa, é um local de encontro para um diálogo entre actores políticos e sociais, incluindo líderes políticos, religiosos, presidentes de organismos internacionais e multilaterais e representantes do sector empresarial, media, juventude e da sociedade civil. O fórum pretende tornar-se numa plataforma internacional para lançar projectos inovadores e novos partenariados, bem como para acompanhar as principais iniciativas da Aliança de Civilizações.

No Fórum de Madrid foram apresentadas estratégias nacionais e regionais por governos e organizações internacionais; foram estabelecidos acordos de parcerias com várias agências e organizações multilaterais: Unesco, Liga dos Estados Árabes e Conselho da Europa; e foi anunciada a criação de vários fundos para iniciativas ligadas à juventude, comunicação social, etc.

O próximo Fórum será em 2009, em Istambul, na Turquia. Países como o Brasil, o Qatar, Marrocos e Portugal ofereceram-se já para organizar fóruns em anos subsequentes.

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Informação Complementar

Declarações universais nspiradoras para a iniciativa da Aliança de Civilizações

Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948) – ONU
Declaração de Montreal sobre Educação, Democracia e Direitos Humanos (1993) – Sociedade Civil
Declaração sobre o papel da Religião na Promoção da Cultura da Paz (1994) – UNESCO
Declaração sobre Tolerância (1995) – UNESCO
Declaração e Plano de Acção sobre a Cultura da Paz (1999) – ONU
Declaração do Milénio (2000) – ONU
Objectivos de Desenvolvimento do Milénio (2000 e 2005) – ONU
Carta da Terra (2000) – Sociedade Civil
Agenda Global para o Diálogo das Civilizações (2001) – ONU

Fonte: http://www.madridaocforum.org

 

Referência à Aliança de Cicilizações no documento final da Cimeira da ONU de 2005 (parágrafo 144)

Reiteramos a Declaração e o Programa de Acção sobre uma Cultura de Paz, bem como o Programa Mundial para o Diálogo entre Civilizações e o seu Programa de Acção, adoptados pela Assembleia-Geral, bem como o valor de várias iniciativas relacionadas com o diálogo entre culturas e civilizações, incluindo o diálogo sobre a cooperação ecuménica. Comprometemo-nos a empreender acções com vista a promover uma cultura de paz e o diálogo aos níveis local, nacional, regional e internacional, e solicitamos ao Secretário-Geral que explore a possibilidade de reforçar os mecanismos de aplicação e de dar seguimento às iniciativas referidas. Neste contexto, saudamos também a iniciativa «Aliança de Civilizações» anunciada pelo Secretário-Geral, em 14 de Julho de 2005.

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* Patrícia Galvão Teles

Licenciada em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Doutora em Direito Internacional Público pelo Institut Universitaire des Hautes Études Internationales da Universidade de Genebra (Suíça). Docente na Universidade Autónoma de Lisboa. Membro do Conselho Directivo do Observatório das Relações Exteriores da UAL. Conselheira Jurídica da Representação Permanente de Portugal junto da União Europeia.

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