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Onde estou: | Janus 2009> Índice de artigos > Aliança de Civilizações: um caminho possível? > O diálogo inter-religioso > [ A aliança de islamistas-seculares e o mundo árabe ] | |||
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Como chegaram até aqui os antigos heróis nacionalistas e/ou socialistas que mobilizavam as massas, dos camponeses aos intelectuais? Marina Ottaway, directora do programa de Médio Oriente do Carnegie Endowment for International Peace, aponta três principais causas, num ensaio que publicou em colaboração com o cientista político egípcio Amr Hamzawy. Primeiro, «os partidos seculares encontram-se perdidos no meio de uma luta pelo poder entre governos e grupos islamistas populares». Segundo, os partidos seculares «não estão em sintonia com as populações e os islamistas apoderaram-se da agenda da justiça social que antes pertencia aos laicos». Terceiro, os partidos seculares «têm uma liderança velha e estagnada». O que é grave, salientam Ottaway e Hamzawy, é que estes factores «não só enfraqueceram os partidos seculares como privaram o mundo árabe de um muito necessário contrapeso moderado a uma eventual confrontação entre regimes e islamistas.» Além disso, acrescentam, «actores externos ficaram sem aliados naturais, dificultando a cooperação regional e a promoção de reformas.» A palavra «secular» ganhou uma conotação pejorativa e a religião tornou-se numa força dominante. Embora nem os regimes autoritários nem os islamistas consigam mobilizar vastos eleitorados – a afluência às urnas nas últimas legislativas no Egipto foi de 25% –, os partidos seculares têm sido incapazes de se reinventarem para marcar a diferença e atrair novas circunscrições, como os jovens e as mulheres, mais sensíveis a temas como liberdade, democracia e direitos humanos. Ottaway e Hamzawy reconhecem que na maioria dos países árabes é muito difícil a qualquer organização política tentar acções independentes dos governos e muito menos desafiar estes. No entanto, frisam que a crise dos partidos seculares é também responsabilidade deles, porque não têm investido na dinamização das suas próprias estruturas. Também sujeitos à repressão por parte das autoridades, e talvez até em maior grau dos que os partidos seculares, os grupos islamistas desenvolveram máquinas políticas e redes sociais que lhes permitem alargar as suas bases. «É sintomático dos problemas que os partidos seculares enfrentam que muitos deles não consigam definir claramente a sua identidade», notaram Ottaway e Hamzawy. «O termo “secular” é rejeitado por alguns por sugerir uma rejeição da cultura e dos valores islâmicos, que eles aceitam. É verdade que não são seculares militantes do tipo Mustapha Kamal Ataturk [na Turquia] ou ideologicamente comprometidos com uma “laicité” de estilo francês. Simplesmente não abraçam o programa político inspirado pelos ideais religiosos. […] Os partidos seculares são rápidos a definir o que não são – não são anti-islâmicos, não rejeitam a cultura autêntica dos seus países – mas têm dificuldade em clarificar o que são.»
Democratas ou liberais Muitos preferem ser classificados como «democratas», mas isso, ressalvam Ottaway e Hamzawy, «é enganador, porque a maioria dos grupos políticos na região, dos movimentos islamistas mainstream ao establishment governamental, defendem ostensivamente a democracia». Outros preferem o termo «liberais«, mas isso «também confunde: será liberal no sentido europeu ou no sentido americano? Ou significa o revivalismo da tradição liberal da política árabe que floresceu no Egipto e no Levante, dos anos 1920 até aos anos 1940? E como é que isso se aplica a partidos que ainda hoje têm a palavra “socialista” no nome ou que ainda há pouco tempo defendiam o nacionalismo?» A dura realidade é que o mundo árabe não parece receptivo a apoiar os partidos seculares porque não os vê como significativamente diferentes dos regimes vigentes. Veja-se o caso do Istiqal (Independência) e da União Socialista das Forças Populares (USFP), em Marrocos. Depois de vários anos de contestação às políticas da monarquia, quando o defunto rei Hassan II os deixou concorrer a eleições, em 1997, tornaram-se permanentemente «partidos do governo», deixando a oposição para os islamistas do Partido da Justiça e Desenvolvimento (PJD). Outro caso em que os seculares abandonaram a arena política ao primeiro embate aconteceu no Egipto. Criado em 2004, o movimento Kifaya (Basta) usou as ruas para tentar impedir a reeleição do Presidente, Hosni Mubarak, e dos alegados planos para fazer do seu filho Gamal herdeiro de uma dinastia republicana, à semelhança dos Assad, na Síria. No final de 2005, quando Mubarak reconquistou a chefia do Estado, o Kifaya perdeu ímpeto – muitos dos indivíduos e grupos que o compunham estavam mais interessados em chegar ao poder, nas legislativas, do que em combater o regime. Em 2006, o programa pró-democracia do movimento foi abandonado, vítima de conflitos entre facções divergentes. Do Levante ao Golfo No Líbano, onde existem actualmente mais de 30 partidos, a maioria é apenas um conjunto de grupos «reunidos à volta de uma pessoa ambiciosa tentando fazer carreira política», observou Nizar Abdel-Kader, antigo Chefe de Estado-Maior do Exército libanês e investigador político, num artigo publicado pelo site israelo-árabe bitterlemons-international.org. «As mais significativas organizações ou têm carácter feudal ou religioso. Neste cenário, os partidos seculares não agem como forças políticas que podem trazer a democracia.» Na antiga «Suíça do Médio Oriente» só houve uma tentativa de criar um partido secular. Tratou-se do Partido Nacionalista Socialista Sírio, criado por Antoun Saadeh. Tinha como objectivo incorporar o Líbano numa Grande Síria – um sonho cada vez mais impossível de realizar. Assim, em vez de confiarem nos partidos seculares, uma maioria de árabes, traumatizados por quatro derrotas em guerras com Israel, enfrentando os constrangimentos económicos da globalização e sem melhores horizontes à vista, parecem optar pela protecção que os governos ainda oferecem (subsídios e/ou subornos) ou por tirar proveito da vasta rede social (escolas, clínicas, mesquitas) dos islamistas. Um dos raros sinais de vitalidade dos partidos seculares vem do Kuwait, onde a família real al-Sabbah dissolveu várias vezes o parlamento eleito desde a independência, em 1963, até ser forçada a mantê-lo aberto quando os EUA expulsaram as tropas invasoras iraquianas do emirado, após a guerra do Golfo de 1991. Na nova assembleia, os islamistas ganharam protagonismo, mas como estão divididos – sunitas, xiitas, salafistas –, os seculares (que concorrem individualmente porque os partidos estão proibidos) têm tido mais oportunidades de afirmação. O seu handicap face aos religiosos é uma mais fraca capacidade organizativa, ainda que muitos deles, oriundos de tribos beduínas que beneficiaram com a urbanização da sociedade, tenham (mas não usem) meios financeiros para montar máquinas políticas. A preferência dos seculares vai agora para a intervenção directa da sociedade civil. Em 2006, quando deputados reformistas travavam um braço-de-ferro com o governo para aprovar uma nova lei eleitoral (que reduzia as circunscrições de 25 para 5), jovens estudantes foram uma peça vital em manifestações de rua a favor da reforma. O emir dissolveu o parlamento e marcou eleições, mas não conseguiu impedir a aprovação do pacote legislativo. Alguns analistas vêm esta acção directa apenas como um paliativo que não salvará os seculares se estes não ganharem confiança em si próprios e oferecerem uma visão mais clara do futuro.
O exemplo do Iémen Provavelmente, uma via para evitar a extinção dos partidos seculares será a de uma aliança com os islamistas moderados, como já acontece no Iémen. O Partido Socialista Iemenita (PSI), fundado em 1978 segundo o modelo marxista-leninista do bloco soviético, corria sérios riscos de desaparecer depois de ter sido dominante no Sul, antes da unificação com o Norte, em 1990. Ignorando as novas preocupações da sociedade, obcecado apenas com as velhas reivindicações de redistribuição de riqueza, o PSI teve de encontrar uma nova mensagem para as legistativas de Abril de 2003. Estabeleceu como prioridade a aplicação gradual de reformas, incluindo a luta contra a corrupção e a transparência governativa, e acabou por atrair um eleitorado que não se sentia representado, incluindo as mulheres. Só conseguiu oito lugares no Parlamento, mas assegurou a sua sobrevivência, em parte graças a uma coligação com os islamistas do partido Islah. Com uma sólida base entre as tribos e sectores conservadores, o Islah obteve maior representação – 46 lugares ou 15% dos votos, mas o importante é que a oposição unida, islamista e secular, ganhou uma nova dinâmica. Nas presidenciais de 2006, apresentou até um candidato comum, Faisal ibn Shamlan. Foi derrotado pelo Chefe de Estado, Ali Abdulah Saleh, mas os 20% de votos que conquistou marcaram a diferença num mundo árabe habituado a que os seus presidentes não tenham rival. O exemplo do PSI é raro, já que a maioria dos partidos seculares prefere aproximar-se dos previsíveis regimes opressivos, cujos métodos conhecem, do que aliar-se aos imprevisíveis islamistas, temendo ficar sujeitos a novas restrições que não saberiam contornar. Uma parceria entre islamistas moderados e seculares, até porque ambos são agora mais receptivos às noções de «democracia» e «liberalismo económico», reforça a oposição e abre mais perspectivas de alternância política. No entanto, os seculares ainda têm um longo caminho a percorrer para ficarem em pé de igualdade com os islamistas. O Ocidente, que também olha para os islamistas com pavor, deveria igualmente entender que a democracia não chegará ao mundo árabe sem a participação de movimentos com fortes raízes no tecido social e cultural. A solução é marginalizar os radicais sem hostilizar os moderados. Não se podem confundir grupos que usam a violência para criar Estados teocráticos com outros que renegam a jihad (Guerra Santa) e são adeptos de sistemas políticos plurais. Enquanto os partidos seculares não se reinventarem, será com os islamistas pragmáticos – e eles existem em Marrocos, no Egipto, na Jordânia ou no Kuwait –, bem organizados, mais activos e criativos, que a democratização terá de ser promovida. É preferível que os partidos religiosos sejam confrontados com os desafios das sociedades contemporâneas do que serem excluídos e reprimidos, salientam vários analistas regionais. Os regimes autoritários invocam frequentemente a «ameaça dos fanáticos» para não serem pressionados a reformar-se. Europa e Estados Unidos não deveriam ceder, promovendo maior cooperação com os islamistas moderados sem abandonar os seculares. A Turquia, um país militantemente secular e herdeiro do Império Otomano a que pertenceram muitos dos actuais Estados árabes, é o exemplo de como Islão e democracia são compatíveis.Informação Complementar O Baas é um partido laico? Fundado na Síria, nos anos 1940, por um cristão ortodoxo, Michel Aflaq, e um muçulmano alauita, Zaki al-Arsuzi, o Partido Baas Árabe Socialista sempre foi caracterizado como «secular». Foi dominante no Iraque, onde nasceu em 1956 e se impôs num golpe de Estado em 1963, até à queda de Saddam Hussein, em 2003. Ainda detém o monopólio do poder em Damasco. Mas será que o Baas – «Renascimento» em árabe – é mesmo um partido laico? A discussão foi lançada por Joshua Landis, historiador norte-americano, professor na Universidade de Oklahoma e considerado um dos maiores especialistas em Síria. «Toda a noção de um Baas “secular” deve ser corrigida», escreveu Landis, em SyriaComment.com, o seu blogue, que se tornou um dos mais lidos no Médio Oriente. «O baasimo é frequentemente referido como um movimento secular e não como uma versão não-religiosa do nacionalismo árabe, mas isso não é verdade». É certo, reconhece Landis, que a Síria «é mais secular do que outros Estados da região». No entanto, «é enganador» defini-la como secular «porque os valores do Baas são absolutistas e apoiados por uma verdade revelada, mesmo que não seja a verdade revelada pelo Corão». Aflaq e Arsuzi, os teóricos do Baas, «muito cedo concluíram que o seu partido nunca atrairia as massas sunitas se não deixasse claro que o baasismo não era secular nem se baseava em verdades terrenas». Ambos insistiram em que a sua ideologia fazia parte de uma visão global islâmica partilhada pela maioria dos sírios. O cristão Aflaq «estava tão determinado em aplacar as sensibilidades religiosas e muçulmanas que se tornou conhecido entre os seus amigos como Mohammad Aflaq – aliás, converteu-se mesmo ao Islão antes da sua morte», relembrou Landis, acrescentando que «a sua genialidade consistiu em conciliar o baasismo com o Islão». Foi o próprio Aflaq quem sentenciou: «Não há o receio de o nacionalismo colidir com a religião, porque, tal como a religião, provém do coração e da vontade de Deus». O profeta Maomé, acrescentou, deveria ser a fonte de inspiração de todos os árabes, porque foi «o maior nacionalista árabe». Landis salienta que Aflaq «não quis expurgar o Islão do arabismo – antes procurou fazer do arabismo um pilar central do Islão». E conclui: «Talvez a melhor maneira de descrever a apropriação baasista síria da religião seja [o termo] “ta'ayyush”, que significa viver e deixar viver.»* Margarida Santos Lopes Licenciada em Jornalismo pela Escola Superior de Meios de Comunicação Social. Redactora principal do PÚBLICO, onde trabalha desde 1989, tendo sido editora da secção Internacional durante 9 anos. Em 1993, venceu o Prémio Norberto Lopes de Jornalismo. É autora de “Dicionário do Islão – Palavras, Figuras e Histórias” (Ed. Notícias) e da biografia “Arafat, a Pedra que os Palestinianos Lançaram ao Mundo” (Ed. PÚBLICO).
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