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Janus 2004



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O ambiente económico mundial após a OMC

Helena Patacão *

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Continua válido o "princípio das vantagens comparadas" enunciado por David Ricardo em 1870, segundo o qual os países teriam vantagem em especializar-se nos bens em que são relativamente mais eficientes e entrar, então, em comércio internacional, se bem que hoje baseado noutros factores que não só o da produtividade relativa da mão-de-obra. Tenha-se contudo em atenção que, teoricamente, os ganhos de comércio pressupõem, entre outros, a verificação da "lei do preço único", a flexibilidade dos mercados de trabalho e a ausência de investimento estrangeiro e de movimentos de capitais.

Na actualidade, estes factores não podem, em bom rigor, ser descurados pois são, frequentemente, decisivos quanto às vantagens ou não no comércio. A questão que se coloca é, pois, a de saber até que ponto a dissociação entre a teoria e a realidade anula (ou não) as vantagens da adesão dos países ao comércio internacional. Estudos empíricos provam os binómios crescimento económico/comércio internacional e peso das exportações no PIB/ produtividade, pelo que resta saber se é possível estabelecer um comércio livre e simultaneamente justo, no qual os agentes respeitem as regras por eles mesmo estabelecidas. Deste facto decorre ser fundamental a participação activa do maior número possível de países no debate das questões ligadas ao comércio internacional, realizado em sede própria, nomeadamente na Organização Mundial de Comércio (OMC).

A conclusão das negociações do oitavo e último ciclo de liberalização internacional de comércio, conduzidas sob a égide do GATT, teve lugar em Genebra, em Dezembro de 1993. A assinatura da Acta final das conclusões do Uruguay Round e a criação da Organização Mundial de Comércio realizou-se em Abril de 1994, em Marraquexe. Porque é que este ciclo de negociações representa um dos marcos mais importantes da história da liberalização do comércio, isto é, o que é que se altera de jure com as conclusões do Uruguay Round?

Por um lado, cria-se uma verdadeira organização internacional para as questões do comércio — a OMC — o que traduz, simultaneamente, um compromisso político de liberalização e a vontade de garantir e reforçar a credibilidade da OMC com a adopção de intrumentos que zelem pelo cumprimento das regras. Porque se a liberalização e o crescimento do comércio mundial se constituem cada vez mais como condição sine qua non de crescimento económico, entendeu-se esta liberalização como uma abertura das economias ao comércio mundial, com regras de jogo compreendidas e aceites por todos, sob pena dos benefícios desta opção virem a ser, a longo prazo, benefícios apenas de alguns, obtidos à custa de todos; por outro lado, foram obtidas reduções pautais superiores aos objectivos inicialmente propostos e alargou-se o âmbito de influência da OMC a sectores considerados fundamentais para o comércio internacional e até então fora da esfera do GATT (veja-se a agricultura, os têxteis e os serviços).

Contudo, a OMC não deixou de herdar as insuficiências do seu antecessor, sendo como foi incumbida de negociar os 27 dossiers que ficaram em aberto, entre a sua entrada em vigor a 1 de Janeiro de 1995 e o ano 2000.

O que é que se altera, de facto, com as conclusões obtidas no ciclo do Uruguai? Não sendo possível fazer uma análise exaustiva de todos os resultados, refira-se, em primeiro lugar, que a credibilidade desta instituição aumentou significativamente, facto patente quer no número de países que a ela já aderiram (128) quer no número de pedidos de adesão que se encontram em processo de análise (28) e de entre os quais se incluem, por exemplo, a China e a Rússia. Obtida a consolidação dos direitos, a segurança no acesso ao mercado aumentou consideravelmente. Esta consolidação — pela primeira vez na história, maior para os produtos agrícolas do que para os produtos industriais — ao garantir a segurança no acesso aos mercados constitui-se como factor decisivo para a definição de estratégias de crescimento e de projectos de investimento.

No sector agrícola, obteve-se uma diminuição de 36% dos subsídios à exportação (facto que reduz a instabilidade dos mercados internacionais) e de 18% no apoio nacional aos agricultores. Paralelamente, as reduções dos direitos aduaneiros sobre os produtos industriais ultrapassaram os objectivos inicialmente traçados. As restrições quantitativas sobre estes produtos serão todas eliminadas. Destas, as mais importantes são as que afectam, formalmente desde 1974, o sector do têxtil e vestuário, considerado um sector sensível para os países desenvolvidos (de industrialização mais antiga) e um sector fundamental para o crescimento dos países em desenvolvimento. O Acordo prevê a eliminação progressiva, em quatro etapas, das restrições aplicadas ao comércio no âmbito do acordo multifibras, acordo que será dissolvido a 1 de Janeiro de 2005, o mais tardar. Os países em desenvolvimento comprometeram-se, em contrapartida, a abrir os seus mercados às exportações deste sector feitas pelos países desenvolvidos.

Até este momento, as partes envolvidas julgam ainda pouco positivos os resultados práticos obtidos, sendo de esperar que só se verifiquem alterações de vulto próximo da data limite, mercê da utilização das cláusulas de salvaguarda previstas. O Acordo obtido para o sector dos serviços está contido no GATS (General Agreement of Trade of Services) que se rege pelos mesmos princípios gerais do GATT. Os resultados atingidos foram mais escassos, mercê da complexidade dos temas envolvidos e dos interesses claramente divergentes dos países, traduzidos em listas de oferta de liberalização com a possibilidade de não cumprimento da Cláusula da Nação Mais Favorecida. As negociações foram reabertas em Abril de 1997, devendo estar concluídas em Dezembro deste mesmo ano.

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A 13 de Dezembro de 1996, 28 países que representam mais de 80% do comércio mundial das tecnologias de informação acordaram, em Singapura, na redução dos direitos aduaneiros e outras taxas e imposições sobre o comércio destes produtos, através de reduções anuais de direitos a efectuar a partir de 1 de Julho de 1997 e até Janeiro do ano 2000. Contudo, este Acordo só entrará de facto em vigor se outros participantes o assinarem, de forma a que no seu conjunto o acordo abranja 90% do comércio mundial dos produtos de tecnologias da informação. As negociações sobre as telecomunicações de base, sector também fundamental para o desenvolvimento económico, ficaram concluídas com êxito em 15 de Fevereiro de 1997, devendo o Acordo entrar em vigor a 1 de Janeiro de 1998. Assinado por 69 governos que representam mais de 90% das receitas mundiais obtidas neste sector, esta liberalização pode representar um ganho do rendimento total de cerca de 1000 biliões de dólares, o que equivale a aproximadamente 4% do PIB mundial. Os compromissos de liberalização estão inscritos em 55 listas e dizem respeito não apenas ao fornecimento transfronteiriço de serviços de telecomunicações, mas também aos serviços fornecidos através do estabelecimento de empresas estrangeiras ou de uma presença comercial, assim como à faculdade de possuir e explorar uma infraestrutura de redes de telecomunicações independentes.

O Acordo obtido para a Propriedade Intelectual visa garantir que as normas adequadas de protecção são aplicadas por todos os países membros e tem como ponto de partida as obrigações das principais convenções existentes. Inclui ainda, na sua Parte III, os meios necessários para induzir os países a respeitar o Acordo. Entrou em vigor para os países desenvolvidos em 1 de Janeiro de 1996, estando previstas derrogações de 5 e 11 anos para os países em desenvolvimento e para os países menos avançados, respectivamente. Todos os membros devem, a partir de 1 Janeiro de 1996, cumprir as obrigações de Tratamento Nacional e da Cláusula da Nação Mais Favorecida, enunciados no Acordo.

No dia em que vigorarem todos os Acordos do Uruguay Round e pós Uruguay Round quanto valerá este esforço? Segundo as previsões da OMC, o rendimento mundial aumentará 500 biliões de dólares até ao ano 2005 (ano em que se prevê estarem concluídos todos os resultados do Uruguay Round), graças à abertura dos mercados resultantes destas negociações. Esta estimativa, apesar de incluir os efeitos decorrentes da exploração de economias de escala e da melhoria das condições de concorrência, ainda está longe dos valores reais uma vez que não considera os efeitos positivos do aumento do investimento tornado possível por regras mais estáveis e credíveis, a aceleração do crescimento económico e a criação de um ambiente mais propício à actividade de investigação e desenvolvimento.

As estimativas de crescimento das trocas são igualmente impressionantes: estas negociações permitirão um acréscimo de 8% sobre a taxa de crescimento prevista sem estas negociações para o volume de comércio de mercadorias nos países industrializados. Os países em desenvolvimento devem conseguir uma expansão das trocas ainda mais significativa, dado que mesmo as estimativas mais prudentes apontam para valores na ordem dos 14%. Admite-se que a incidência dos outros resultados — nomeadamente os acordos sobre os serviços e sobre a propriedade intelectual, o reforço das regras e procedimentos que regem o comércio multilateral — produza, embora não possa ser quantificada, benefícios superiores aos obtidos com a liberalização do comércio de mercadorias.

Resta a dúvida retórica do valor deste esforço para os "países menos avançados": apesar do esforço na ajuda ao desenvolvimento destes países, não permanecerão eles de igual modo tão ou mais distantes de todos os outros?

Existem, todavia, pelo menos três áreas que, embora não sejam referentes a trocas internacionais, afectam de forma decisiva o comércio mundial e não estão incluídas no quadro da Organização Mundial de Comércio. Em primeiro lugar, as medidas de política económica nacional: na verdade, a globalização e o crescimento do comércio mundial, a partir da década de 80, traduziram-se na interdependência económica crescente de todos os países, decorrendo deste facto a necessidade das negociações sobre a liberalização do comércio ultrapassarem as medidas que afectam o comércio nas fronteiras, estendendo-se, em última análise, à coordenação das políticas económicas. É, contudo, ainda prematuro pretender alcançar este objectivo que tem a clara objecção dos países mais desenvolvidos. O compromisso obtido prevê apenas a presença da OMC nas conferências do G8. Em segundo lugar, põe-se a questão do "Dumping social". Esta área ficou, por razões óbvias, claramente excluída das negociações, tendo os países reafirmado a competência da Organização Internacional do Trabalho para resolver os diferendos.

Em último lugar, seria fundamental resolver as questões ligadas à manipulação das taxas de câmbio, nomeadamente a manutenção continuada de moedas subavaliadas e as desvalorizações competitivas. Neste campo, da competência do Fundo Monetário Internacional, ficou acordada a participação de representantes da OMC em determinadas reuniões daquela organização internacional, com o estatuto de observadores.

Então, se pudemos dizer que continua hoje válido o "principio das vantagens comparadas" de David Ricardo, devemos admitir também, com Maurice Aliais, a herança dos efeitos perversos que o livre câmbio, aplicado sem restrições, nos pode legar: especializações económicas indesejáveis, geradoras de desequilíbrios profundos e de uma crise de emprego cada vez mais agravada, são hipóteses prováveis no ambiente económico mundial futuro.

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* Helena Patacão

Licenciada em Economia pela Universidade Católica de Lisboa. Doutoranda em Economia Internacional na Universidade Lancaster (Inglaterra). Docente na UAL.

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