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Janus 2004



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Controlo internacional do respeito pelos direitos humanos em Portugal

Catarina Albuquerque e Patrícia Galvão Teles *

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De acordo com o artigo 1°, parágrafo 3 da Carta das Nações Unidas, uma das tarefas principais desta Organização consiste na promoção e estímulo do respeito pelos direitos humanos e pelas liberdades fundamentais sem qualquer discriminação baseada na raça, sexo, língua ou religião. Desde a sua criação que a Organização das Nações Unidas (ONU) iniciou o seu trabalho de catalogação e, posteriormente, de codificação das normas de direitos humanos existentes, com vista a criar um corpo de normas vinculativas para os Estados.

A primeira etapa deste processo consistiu na adopção pela Assembleia Geral das Nações Unidas, no dia 10 de Dezembro de 1948, da Declaração Universal dos Direitos do Homem (DUDH). Por ter sido aprovado por uma resolução da Assembleia Geral, este instrumento não consiste num tratado e não é consequentemente dotado de força jurídica obrigatória. Acontece, porém, que dada a importância fundamental que tem vindo a adquirir, poucos juristas negarão hoje em dia que a DUDH cria actualmente, por intermédio do Direito consuetudinário, obrigações jurídicas para os Estados membros das Nações Unidas.

Posteriormente, em 1966, a Assembleia Geral adoptou o Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos (PIDCP) e o Pacto Internacional sobre os Direitos Económicos, Sociais e Culturais (PIDESC). Estes dois instrumentos traduzem os princípios enunciados na Declaração Universal em direitos específicos, indicando ainda quais as medidas a serem tomadas pelos Estados por forma a dar pleno efeito a esses direitos. Com efeito, os Estados que ratificaram estes dois instrumentos têm a obrigação de apresentar periodicamente relatórios indicando o modo como os respectivos direitos estão a ser aplicados e implementados no respectivo país. Concomitantemente à adopção dos Pactos, foram aprovados outros instrumentos internacionais na área dos direitos humanos no âmbito das Nações Unidas que prevêem este mesmo sistema de apresentação regular de relatórios nacionais de aplicação do tratado em causa.

Estes outros tratados, que consagraram direitos e situações específicas de grupos particularmente vulneráveis, são os seguintes: Convenção para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial, CERD (adoptada em 1965), Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra as Mulheres, CEDAW (1979), Convenção Contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanas ou Degradantes, CAT (1984) e Convenção sobre os Direitos da Criança, CRC (1989). Mais recentemente (em 1990) foi aprovada a Convenção Internacional sobre a Protecção dos Direitos dos Trabalhadores Migrantes e Membros das suas Famílias, que todavia ainda não entrou em vigor.

Cada Estado tem, neste âmbito, o dever de apresentar (normalmente de cinco em cinco anos) a cada um dos Comités estabelecidos no contexto de cada uma destas Convenções, um relatório relativo à aplicação no respectivo país das normas constantes no instrumento de direitos humanos em causa. Estes comités de controlo da aplicação dos direitos do respectivo tratado (em inglês, treaty monitoring bodies) são compostos por peritos internacionais, independentes, de reconhecida competência na área dos direitos humanos e eleitos pelos Estados partes. Depois de ter sido enviado o relatório ao Comité e de este o ter examinado (e ter eventualmente colocado questões suplementares ao Estado em causa), é fixada uma data em que terá lugar a fase da discussão oral do mesmo. Estas sessões públicas ocorrem na presença da delegação do Estado sob exame e dos membros do Comité.

Após esta discussão oral, o Comité elabora as chamadas "Observações Finais", nas quais são referidos, na opinião do Comité, os aspectos positivos e negativos, tanto do relatório como da discussão. Na parte final destas observações são igualmente feitas recomendações ao Estado com vista a um melhor cumprimento e uma mais eficaz aplicação das disposições do tratado no futuro. As "Observações Finais" de cada Comité fazem parte do respectivo relatório anual de actividades enviado à Assembleia Geral das Nações Unidas. No quadro destes mecanismos de implementação e controlo da aplicação de instrumentos na área dos direitos humanos no âmbito das Nações Unidas, vamos agora fazer referência ao sistema das queixas individuais — um sinal de progresso na protecção universal dos direitos humanos.

Este mecanismo consiste no facto de os particulares, reclamando ter sido vítimas da violação de direitos e liberdades — consagrados num instrumento internacional de direitos humanos prevendo este procedimento — poderem fazer com que o Estado alegadamente responsável responda pelas suas acções. O sistema das Nações Unidas conhece, no âmbito dos instrumentos de direitos humanos analisados, três Comités dotados de competência para apreciar queixas de particulares, a saber, o Comité dos Direitos do Homem, CDH (criado pelo Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos e dotado de competência para apreciar queixas de particulares em virtude do Primeiro Protocolo Facultativo ao referido Pacto), o Comité Contra a Tortura, CAT (estabelecido pela Convenção Internacional Contra a Tortura e Todos os Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanas e Degradantes, estando o procedimento de queixas individuais previsto no seu artigo 22°) e o Comité para a Eliminação da Discriminação Racial, CERD (criado pela Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial, encontrando-se o mecanismo de queixas individuais consagrado no respectivo artigo 14°).

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São requisitos gerais de admissibilidade de uma queixa individual o facto de ela não ser anónima, de terem sido esgotadas as vias de recurso internas e de o assunto em causa não estar a ser examinado por outra instância internacional nesse momento. A queixa pode ser apresentada por qualquer indivíduo alegando ser vítima da violação da convenção em causa por um Estado parte que tenha aceite a competência do comité para apreciar queixas de particulares.

 

Informação Complementar

Siglas Designação

CAT – Convenção contra a Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanas ou Degradantes
CDH – Comité dos Direitos do Homem
CE – Conselho da Europa
CEDAW – Convenção para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres
CEDH – Convenção Europeia dos Direitos do Homem
CERD – Convenção para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação
Racial CPLP – Comunidade dos Países de Língua Portuguesa
CRC – Convenção sobre os Direitos da Criança
DUDH – Declaração Universal dos Direitos do Homem
ONU – Organização das Nações Unidas
PFPIDCP – Protocolo Facultativo ao Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos
PIDESC – Pacto Internacional sobre os Direitos Económicos, Sociais e Culturais
PIDCP – Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos

 

Convenções no âmbito da ONU e na área dos Direitos Humanos prevêem mecanismos de controlo da sua aplicação ratificadas por Portugal

Pacto Internacional sobre os Direitos Económicos, Sociais e Culturais (PIDESC): 31 de Julho de 1978
Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos (PIDCP): 15 de Junho de 1978
Convenção para a Eliminação da Discriminação contra as Mulheres (CEDAW): 30 de Junho de 1980
Convenção para a Eliminação da Discriminação Racial (CERD): 28 de Agosto de 1982
Protocolo Facultativo ao Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos (PFPIDCP): 3 de Maio de 1983
Convenção contra a Tortura e outras Penas ou Tratamentos Cruéis, Desumanos ou Degradantes (CAT): 2 de Fevereiro de 1989
Convenção sobre os Direitos da Criança (CRC): 21 de Setembro de 1990

 

Queixas individuais

Como decorre da análise dos Gráficos intitulados “Comparação Do Número de Queixas Na ONU E No Conselho Da Europa” e “Queixas Individuais No Âmbito Dos Três Comités Das Nações Unidas” das centenas de queixas até hoje apreciadas no seio destes três Comités, nenhuma entre elas foi apresentada contra o Estado Português. É de assinalar o facto de já ter sido apresentada uma queixa contra Angola no âmbito do PIDCP — único Estado membro da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) contra o qual foi apresentada uma queixa individual. Este facto parece não espelhar uma situação de respeito integral dos direitos consagrados nestes instrumentos internacionais por Portugal, mas ser antes o reflexo da falta de divulgação da existência destes mecanismos e da forma da sua utilização, que conduzem a uma indiferença generalizada relativamente a esta forma de assegurar que o nosso Estado responda pela eventual violação dos direitos fundamentais dos particulares. Prova desta nossa afirmação parece ser o facto de Portugal já ter sido alvo de inúmeras queixas individuais, por exemplo no contexto da Convenção Europeia dos Direitos do Homem (CEDH) do Conselho da Europa (CE), cujo leque de direitos consagrados é em parte semelhante ao do PIDCP.

A importância dos efeitos das decisões dos Comités não são, porém, de negligenciar, visto serem inúmeros os casos de países que alteraram a respectiva legislação nacional, de prisioneiros que foram libertados e de indemnizações que foram pagas a vítimas de violações de direitos humanos, em virtude das decisões destes órgãos.

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* Catarina Albuquerque

Licenciada em Direito pela Universidade de Lisboa. Mestre em Relações Internacionais/Direito pelo Institut Universitaire de Hautes Études Internationales, Genéve. Técnica do Gabinete de Documentação e Direito Comparado. Docente na UAL.

* Patrícia Galvão Teles

Licenciada em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Mestre e Doutoranda em Relações Internacionais/Direito pelo Institut Universitaire de Hautes Études Internationales, Genéve.

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Dados adicionais
Gráficos / Tabelas / Imagens / Infografia / Mapas
(clique nos links disponíveis)

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Link em nova janela Comparação do numero de queixas na ONU e no conselho da Europa

Link em nova janela Queixas individuais no âmbito dos três comités das Nações Unidas

Link em nova janela Atrasos na apresentação de relatórios sobre direitos humanos

Link em nova janela Estados partes em convenções de direitos humanos da ONU

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