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- JANUS 2004 -

Janus 2004



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Portugal, a Europa do Leste e a Federação Russa

Daniel Perdigão *

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A representação geográfica que historicamente se fez em Portugal dos contornos da Europa, para além do mundo germânico, esfumava-se em confusas conjecturas sobre eslavos e bizantinos, cristãos e maometanos. A célebre descrição da Europa que nos legou Camões no Canto III dos Lusíadas ilustra bem a mistura de mitologia, geografia antiga e desconexos eventos contemporâneos que compunham o olhar ocidental sobre o Leste do continente europeu. Encruzilhada de impérios que se digladiaram entre eslavos, germânicos, neo-gregos, novi-latinos, fino-ugricos, turcomanos, etc., a Europa de Leste foi também o lugar onde se entrecruzaram as três grandes famílias confessionais do cristianismo: igrejas ortodoxas, igreja católica apostólica romana e cultos protestantes, com o Islão otomano e persa.

Aberto às grandes rotas da expansão marítima ocidental, Portugal circunscreveu a sua consciência europeia às potências culturais que mais directamente o influenciaram — a França, a Inglaterra; ao mundo da sua identidade religiosa católica — a Espanha, a Itália; à fronteira germânica da Contra-Reforma. Por seu turno, para além da linha Oder-Neisse, a Europa dos Estados-Nação modernos só se constituiu após a Grande Guerra, à mesa dos Tratados de Versailles. Perdurava então a obsessão portuguesa pelo futuro do seu império colonial que, ao longo dos últimos dois séculos, até ao 25 de Abril de 1974, não parou de se agudizar. Esse ensimesmamento não foi de natureza a suprir os laços com essa outra Europa que apenas no último quartel de século se começa a insinuar na nossa consciência da identidade europeia. O «orgulhosamente sós» do Estado Novo terá sido, porventura, a última resistência da «insularidade» cultural portuguesa à ocupação do seu natural lugar semiperiférico no quadro europeu do século XX, cada vez mais dinâmico, intercultural, interactivo.

Não é contudo fácil superar em menos de um quarto de século um hiato histórico, por assim dizer, congénito. Se no plano da cultura entendida como tradução de livros, conhecimento de línguas, circulação de imagens e informação, turismo, etc., os fluxos da comunicação se intensificaram, envolvendo também as periferias da Europa, só mesmo no fim da Guerra Fria, com a queda do Muro de Berlim, se verificou o incremento do fluxo migratório transeuropeu, principalmente de emigrantes do Leste em direcção a países ocidentais, com consequências socio-culturais no Ocidente que se repercutiram, embora levemente, também em Portugal a partir da década de 90.

Como se depreende do quadro das comunidades estrangeiras oriundas de países da Europa de Leste, residentes em Portugal (tabela Comunidades Estrangeiras Oriundas dos Países de Leste e Federação Russa), e do número de requerentes de asilo e de regularizações extraordinárias de emigrantes (ver tabela Pedidos de Asilo em Portugal), só os romenos parecem esboçar um fluxo de natureza a criar em Portugal uma comunidade migrante, bastante instável aliás, comparável a comunidades do mesmo tipo oriundas de África. A razão da preferência dos romenos por Portugal, sem equivalente recíproco (ver tabela Portugueses Residentes em Países da Europa de Leste e Federação Russa), prende-se, por certo, com a identidade da origem latina do romeno e do português, que permite aos romenos, melhor do que a qualquer outra comunidade linguística leste-europeia, uma fácil integração social e adaptação em Portugal.

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No entanto, há que ter em conta que uma parte significativa dos clandestinos, requerentes de asilo ou refugiados vindos da Roménia, da Hungria ou dos territórios da antiga Jugoslávia são migrantes nómadas de etnia cigana, à procura de passaportes ocidentais que lhes facultem maior mobilidade nos seus trajectos migratórios, ou jovens, principalmente do sexo masculino, em demanda de uma oportunidade de embarque clandestino para o Canadá nos cais marítimos do Ocidente. Falta por completo um estudo das componentes, estratificação social, níveis socio-culturais e actividades profissionais, características dos pequenos grupos de emigrantes do Leste europeu fixados em Portugal. Tendo em consideração o bom nível de formação escolar e profissional das populações desses países e a extensão do fenómeno de pauperização das classes médias com o fim dos regimes comunistas, tudo leva a crer que os imigrantes do Leste se distribuem por todas as camadas sociais da população portuguesa, sem preponderância para nenhuma em particular e sem criar, por ora, devido ao seu número restrito, fenómenos de rejeição assinalável na sociedade de acolhimento.

Relativamente às relações culturais, partindo dos dados oficiais disponíveis, evidencia-se o estatuto da língua portuguesa como grande idioma de comunicação a nível mundial (ver tabela O Português Figura como Sexta Língua Mais Falada no Mundo à Frente do Russo) e os frutos de uma política de defesa e subvenção do ensino do português no mundo através do envio de leitores portugueses especializados, pelo Instituto Camões (ver tabela Lista dos Leitorados de Língua e Cultura Portuguesa em Estabelecimentos de Ensino Superior de Países da Europa de Leste), que, embora prioritariamente dirigida à África lusófona e aos países de maior implantação das comunidades portuguesas, encontra nos principais países da Europa do Leste uma assinalável aceitação, contribuindo, decerto — não há dados conclusivos acerca deste aspecto —, para uma maior difusão dos valores culturais portugueses e brasileiros nos países do Leste do que o inverso. É ainda de assinalar a quase inexistente tradução directa para o português das línguas leste-europeias e a escassa publicação, à excepção do russo, de livros provenientes dos países do Leste (ver tabela Títulos de Livros em Línguas de Origem Leste-Europeia Traduzidos e Publicados em Portugal).

Não sendo de excluir que, por via da tradução indirecta, o número de livros dessa proveniência publicados em Portugal nos últimos anos possa ser superior a zero. É aliás sintomático o facto de não existir nem nunca ter existido nas Universidades portuguesas um departamento de eslavística. A situação não tem obviamente equivalência no ensino do português nem na tradução e publicação de livros portugueses e brasileiros na Europa de Leste e na Federação Russa. Aliás a inexistência, neste último país, de um leitor de português subsidiado pelo Instituto Camões prende-se com o facto de o ensino do português na Rússia estar garantido por equipas de professores residentes ou locais, e pela falta de reciprocidade na colocação de leitores de russo em Portugal, prevista pelos acordos culturais mas sem possibilidades de colocação, devido à mencionada lacuna do nosso ensino universitário das línguas vivas.

 

Informação Complementar

As ligações da Igreja Ortodoxa

Uma das fracturas que o recente alargamento das estruturas da NATO e da UE a países do antigo Pacto de Varsóvia produziu na nova configuração geopolítica do velho continente isolou, a Leste, um conjunto de países que, entre outros aspectos, têm em comum a Igreja Ortodoxa como referência cultural dominante. Tanto na Federação Russa como na Ucrânia, na Bielo-Rússia, na Moldova, na Roménia, na Bulgária, na Macedónia, na Jugoslávia como na Geórgia e na Arménia a ortodoxia é dominante, ocupando quase o lugar de uma religião oficial do Estado. Em Portugal a Igreja Ortodoxa conta com quarenta paróquias e quinze mil fiéis e o metropolita português D. João I foi recentemente eleito por aclamação unânime do Concílio da Metrópole Ortodoxa de Portugal, Espanha e Brasil.

Implantada em Portugal em 1978 por D. Gabriel I, também português, a Metrópole de Portugal, Espanha e Brasil não teve a amplidão requerida para se tornar autocéfala. Nasceu, por isso, sob a jurisdição da Igreja Ortodoxa Grega. Porém, uma análise mais apurada da situação da ortodoxia ocidental em relação ao culto católico dominante levou a reorientação da dependência jurídica em relação à Grécia, onde a Igreja Ortodoxa é largamente dominante, e colocou a Metrópole de Portugal, Espanha e Brasil sob a jurisdição da Igreja Ortodoxa da Polónia, onde, tal como na Península Ibérica, a ortodoxia é minoritária perante uma Igreja Católica largamente maioritária e identificada com o devir histórico da nação. As declarações de apego ao diálogo ecuménico dos primazes polaco e português aquando da entronização deste último como metropolita constitui um dos raros fenómenos de convergência cultural entre Portugal e a Europa de Leste acontecido à margem dos acordos culturais e dos protocolos oficiais.


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* Daniel Perdigão

Licenciado em Filosofia pela Sorbonne, Paris I. Docente na UAL.

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Dados adicionais
Gráficos / Tabelas / Imagens / Infografia / Mapas
(clique nos links disponíveis)

Link em nova janela Títulos de livros em línguas de origem leste-europeia traduzidos e publicados em Portugal

Link em nova janela Comunidades estrangeiras oriundas dos países de leste e federação Russa

Link em nova janela Pedido de asilo em Portugal / Regularização extraordinária de imigrantes

Link em nova janela Portugueses residentes em países de Europa de leste e federação russa

Link em nova janela Lista dos eleitorados de língua e cultura Portuguesa em establecimentos de ensino superior de países da Europa de leste

Link em nova janela O português figura como sexta língua mais falada no mundo, à frente do Russo

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