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Portugueses nos EUA: orgulho e vergonha

Bárbara Reis*

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Durante mais de meio século, quem vivia nos Estados Unidos sabia que, em caso de doença ou desemprego, podia contar com o apoio do Governo, uma certeza tão grande como Hollywood continuar a fazer filmes. Geração após geração, a América foi assim. Até Setembro de 1996. Agora, e pela primeira vez desde o New Deal (a presidência de Franklin Roosevelt, a partir de 1933), os imigrantes legais que vivem, trabalham e pagam impostos nos EUA perderam o direito de receber qualquer tipo de subsídio do Estado.

As novas leis do welfare e da imigração, aprovadas pelo Congresso norte-americano, de maioria republicana, e a seguir pelo Presidente Bill Clinton, auto-proclamado "novo democrata", mudaram radicalmente a rede de apoio alternativo de milhões de pessoas. Nos EUA, há 10,3 milhões de imigrantes legais e em 1995 (os últimos dados oficiais disponíveis), havia 121 mil portugueses, do total de 1,6 milhões de pessoas que formam a comunidade luso-americana. Não são muitos, portanto. Além disso, segundo os líderes da comunidade portuguesa de Newark, a cidade de New Jersey onde vive a maior comunidade, e segundo a responsável pelos Assuntos Sociais da Embaixada de Portugal em Washington, Teresa Greenwald, há muito poucos portugueses que recebem benefícios sociais do Estado. "É uma questão de orgulho e vergonha", diz um jornalista do Luso-Americano, que emigrou para Newark há mais de 20 anos. "As pessoas dizem que 'parece mal', que vieram para os EUA para trabalhar."

Mas a reacção às leis não foi de indiferença, pelo contrário. Há um ano que não se fala de outra coisa. "Estas leis são uma tragédia para a comunidade portuguesa", diz Donald Gonçalves, economista e eleito em Novembro de 1996 free-holder do condado de Union, New Jersey (equivalente a deputado regional e que gere um orçamento anual de 400 milhões de dólares). "Os imigrantes ilegais estão assustados, mas é sobretudo injusto para os legais, que pagaram impostos toda a vida e agora nem o SSI podem receber". O SSI, Suplemental Service Income, é o subsídio que o Governo Federal de Washington atribui aos deficientes e aos idosos. O fim do SSI provocou uma polémica tão intensa que a sua entrada em vigor, prevista para Agosto de 1997, foi adiada. Entre os críticos mais proeminentes da extinção está o Presidente da Câmara de Nova Iorque, Rudolph Giuliani, que processou o Governo Federal alegando a inconstitucionalidade das leis. Mas o SSI é a excepção.

Já foram anulados o direito ao subsídio de desemprego, os descontos nos hospitais, consultas médicas e medicamentos, as senhas de alimentação, os subsídios para aquecimento das casas e dezenas de outros programas criados pelo Presidente Roosevelt nos anos 30 e reforçados por Lyndon Johnson nos anos 60. Bill Clinton teve sérias dificuldades em explicar porque é que, como democrata, não decidiu simplesmente vetar as duas leis, e muitos membros do partido tornaram pública a leitura política que fizeram da situação: as coisas teriam sido diferentes se 1996 não tivesse sido um ano de eleições. Mesmo assim, como previsto, foi o Partido Republicano o que recebeu mais críticas. Quando as leis foram aprovadas, houve manifestações de imigrantes por todo o país e os insultos foram sobretudo dirigidos ao partido e ao líder da Câmara dos Representantes, Newt Gingrich, cada vez menos olhado como o "pai da revolução americana" (a pergunta "Qual revolução?" tornou-se legítima dentro do próprio partido). Mas essa foi apenas a reacção mais visível. Ao mesmo tempo, e de uma forma discreta, milhares de imigrantes começaram o processo de legalização ou de naturalização, e o Serviço de Imigração e Naturalização (SIN) foi inundado de novos processos.

No ano fiscal de 1 de Outubro de 1996 a 31 de Maio de 1997, o SIN recebeu mais de um milhão de pedidos de naturalização, quase o dobro do ano fiscal anterior, antes de as duas leis terem sido aprovadas. Mas, porque as leis, além de cortarem subsídios sociais, também elevaram os critérios de avaliação e tornaram o escrutínio do FBI mais complexo e sofisticado, dos 1,2 milhões de candidatos deste ano fiscal, só 500 mil foram considerados "elegíveis" (e vão ser chamados a fazer o teste de inglês e de cidadania), ao contrário dos 665 mil do ano anterior, quase tantos como os que tinham feito o pedido.

Mas as duas novas leis poderão, apesar disso, acabar por resultar numa dolorosa ironia para o Partido Republicano. Se, historicamente, as comunidades imigrantes sempre votaram mais no Partido Democrata do que em qualquer outro (a portuguesa está mais dividida), estes novos imigrantes, que se tornaram cidadãos americanos (ou seja, com direito de voto) pela razão errada — o medo — não vão provavelmente dar o seu voto ao Partido Republicano. No total, em 1996, 1,5 milhões de estrangeiros naturalizaram-se americanos. Nem o SIN nem as organizações comunitárias sabem o número exacto de portugueses, mas a percepção geral é que houve um grande aumento e que, logo a seguir, muitos se registaram para votar. "Há um grande movimento na comunidade portuguesa", diz Manuel Grova, eleito em 1994 vereador de Elizabeth, um subúrbio de Newark de 110 mil pessoas, 15 por cento das quais luso-americanas.

Como muitas das figuras influentes da comunidade, Grova passou vários domingos numa organização de voluntários que ajuda os portugueses nestes processos legais. Chamam-lhes "campanhas de legalização", e tratam de tudo. Desde Junho de 1996, o grupo de Grova, o Portuguese-American Citizens Club of Elizabeth, um dos mais antigos, inscreveu mais de mil pessoas. "Só nos últimos cinco meses, o número de inscritos duplicou. E nós não conseguimos receber todos os que nos contactam. Se houvesse mais organizações, havia mais pessoas", diz Grova. Neste momento há seis, além de agências de viagens e vários advogados, e não chega para todos. "As pessoas assustaram-se muito e a resposta foi tentarem tornar-se americanas", diz Augusto Amador, vice-presidente da Câmara de Newark.

E por isso, se 1996 foi o ano do medo para os imigrantes, foi também — e como consequência — um ano de particular envolvimento político da comunidade portuguesa. Em New Jersey, por exemplo, nunca houve tantos portugueses a votar, nunca houve tantos portugueses eleitos para cargos políticos e nunca os eleitos ocuparam cargos tão importantes. Neste momento, além de Don Gonçalves, Augusto Amador e Manuel Grova, há Tony Monteiro, também vereador de Elizabeth, Tom Jardim, presidente da Câmara de Westfield, Maria Beirão e Tony Fonseca, vereadores de Hillside, Armando Fontoura, xerife do condado de Essex, e Alberto Coutinho, deputado estadual da Assembleia Geral de New Jersey (que não foi eleito, mas escolhido para substituir um deputado forçado a sair). "Todas as comunidades precisam de um período de 'aclimatação' à América e ao nosso sistema", diz Kenneth Gibson, presidente da Câmara de Newark entre 1970 e 1986. "A comunidade portuguesa mudou muito nos últimos dois ou três anos. Nos primeiros cinco anos em que fui mayor mal conseguia encontrar um português inscrito para votar. Quando saí já tinha nomeado portugueses para várias juntas, do planeamento, das eleições... Isto é um processo gradual."

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Fernando Linhares, advogado especializado em Direito Ecológico, é um dos melhores exemplos deste amadurecimento político. Nasceu no Hospital de Newark há 28 anos, filho de um casal de operários açorianos que emigraram para os EUA nos anos 60 e o pai, que morreu em 1995, nunca se chegou a legalizar. Mas em Junho de 1997, Linhares foi o primeiro luso-americano da história da imigração portuguesa a candidatar-se à Assembleia Geral de New Jersey. "Os portugueses têm um novo 'sonho americano'", diz. "Há cinco anos, o sonho era virem para os Estados Unidos, trabalharem muito, juntarem 100 mil dólares e regressarem a Portugal. Não participavam na sociedade americana, não votavam, não se envolviam. Agora, o novo 'sonho americano' é virem para Newark e juntarem dinheiro para se mudarem para uma casa em Warren ou Elizabeth [subúrbios com melhor qualidade de vida]. E eu vou para o Governo! Esse é o novo sonho americano da comunidade", disse no fim da sua campanha.

"Fred" Linhares não ganhou, mas teve 3400 votos (1400 dos 4000 portugueses que votam no seu distrito), e o facto de ter perdido, comenta Augusto Amador, "não significa falta de peso", mas sim que "ele ainda é novo e pouco conhecido". "O meu pai viveu aqui 40 anos e nunca aprendeu inglês. Não precisava. Hoje os portugueses têm mais ambição, estão a passar do trabalho manual na construção para trabalhos técnicos, são operários especializados de grandes empresas, têm posições de liderança e estão na política. As coisas estão a mudar." Hoje há 200 mil portugueses legais em New Jersey e só 12 mil têm poder de voto. Hoje, a Ferry Street, que a 10 de Junho se chama Avenida de Portugal, só tem portugueses. Mas os portugueses estão sem dúvida no fim de um ciclo de crescimento. E há quem garanta, como Linhares, que no ano 2000 já não haverá sequer portugueses em Newark.

 

Informação Complementar

Os números da imigração

Comunidade luso-americana

1.153.351 (censo de 1990)

Décadas de maior imigração portuguesa

1901-1910-69.100
1911-1920-90.000
1961-1970-78.000
1971-1980- 102.000

(nos anos 80 imigraram 40.500)

Número de portugueses que adquiriram o estatuto de Residente Permanente("cartão verde")

1993-2.081
1994-2.169
1995 - 2.615

(destes totais, cerca de metade são "recém-chegados"; sendo os outros imigrantes ilegais que regularizaram a sua situação)

Número de portugueses que entraram nos EUA com um visto de não-imigrante (turismo, estudante ou negócios)

1993-66.984
1994-65.118
1995-66.653

Portugueses naturalizados em:

1993-3978
1994 - 5997
1995-3901

Percentagem de naturalizações em 1995 de imigrantes que entraram no país depoisde 1970

Portugal – 35,8%
Grécia – 42,4%
Itália – 27,4%
Grã-Bretanha – 26,1%

Estimativa do número de imigrantes portugueses ilegais

27 mil
Fonte: Serviço de Imigração e Naturalização americano – Outubro de 1996

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* Jorge Moita

Ex-Conselheiro Interregional em Desenvolvimento Económico das Nações Unidas. Docente no ISEG.

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