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Portugal, Austrália, Indonésia e o Mar de Timor Na origem dos entendimentos e desentendimentos diplomáticos provocados pela tentativa de delimitação das fronteiras do leito do mar de Timor, os quais, desde inícios dos anos 70, têm sido protagonizados pela Austrália, Indonésia e Portugal, está uma realidade geográfica, passível de ser decomposta em dois aspectos: 1. O mar de Timor, isto é, a faixa de mar que separa a costa da ilha de Timor do litoral do Continente australiano, possui uma largura que ronda, na zona mais estreita, as 250 milhas e, na sua banda mais larga, as 290 milhas marítimas; 2. A plataforma continental do mar de Timor apresenta uma descontinuidade, uma depressão profunda, situada a uma distância que varia entre as 40 e as 70 milhas marítimas ao longo da costa da ilha de Timor, cuja existência dá origem a dois bordos exteriores da margem continental, um timorense e outro australiano. Estas condições geográficas tornar-se-iam, pela primeira vez, politicamente relevantes quando, em finais dos anos 60, por iniciativa australiana, foi efectuada a primeira tentativa de delimitação de fronteiras no leito do mar de Timor. A perspectiva australiana diferia, no entanto, do ponto de vista português e indonésio. Enquanto que a Austrália pretendia que o reconhecimento da sua jurisdição sobre o leito e o subsolo do mar de Timor se estendesse até ao bordo exterior da sua margem continental, o qual dista mais de 200 milhas marítimas das linhas de base australianas que servem para calcular o mar territorial, tanto Portugal como a Indonésia apenas estavam na disposição de aceitar a linha mediana como critério de delimitação. As negociações entre a Austrália e a Indonésia iriam, no entanto, progredir. Tendo ambos os Estados abdicado dos seus critérios iniciais de delimitação, tornar-se-ia possível concluir dois tratados, respectivamente, em Maio de 1971 e Outubro de 1972, que, ao fixarem definitivamente as fronteiras marítimas entre os dois países numa zona intermédia entre o bordo exterior da margem continental australiana e a linha mediana, constituíam uma clara vitória diplomática da Austrália. No que concerne as negociações entre Portugal e a Austrália, que tinham como objectivo determinar a fronteira da plataforma continental relativa ao, então, Timor português, a parte portuguesa nunca prescindiu do critério da linha mediana, tornando-se impossível a conclusão de qualquer acordo de delimitação de fronteiras no leito de mar de Timor entre Portugal e a Austrália. Novos desenvolvimentos, nesta matéria, só iriam ocorrer na sequência da invasão e posterior anexação ilegal de Timor Leste pela República Indonésia. Com efeito, após conversações exploratórias realizadas em Camberra, em Dezembro de 1978, entre os ministros dos Negócios Estrangeiros da Austrália e da Indonésia, o responsável pela diplomacia australiana anunciou que negociações formais entre a Austrália e a Indonésia sobre a delimitação da fronteira marítima, relativa ao segmento da plataforma continental de Timor Leste, iriam ter lugar no início do ano seguinte e que a sua realização significaria o reconhecimento australiano, de iure, da anexação indonésia de Timor Leste. Tal como tinha sido anunciado, as negociações entre a Austrália e a Indonésia foram iniciadas em Março de 1979. Na qualidade de potência administrante de Timor Leste, Portugal não poderia ficar indiferente a esta evolução. Assim, a primeira de uma longa série de notas oficiais de protesto pelo facto de a Austrália estar a negociar com a Indonésia delimitações fronteiriças na plataforma continental de Timor Leste seria remetida pela Embaixada de Portugal em Camberra ao Departamento dos Negócios Estrangeiros australiano, em Setembro de 1985. No entanto, na ausência de qualquer resposta satisfatória do governo australiano, perante a assinatura, em Dezembro de 1989, do tratado que institui uma zona de cooperação entre a Austrália e a Indonésia na plataforma continental de Timor Leste e, por fim, face à publicação, em Junho de 1990, da legislação australiana de execução do referido tratado, Portugal viu-se obrigado a recorrer a um último recurso susceptível de repor a legalidade em todo o processo — o Tribunal Internacional de Justiça. Assim, o diferendo entre Portugal e a Austrália relativo ao processo de delimitação da plataforma continental de Timor Leste seria submetido ao Tribunal Internacional de Justiça, em 22 de Fevereiro de 1991. Invocando a qualidade, internacionalmente reconhecida, de potência administrante do território não autónomo de Timor Leste, Portugal solicitava que o Tribunal declarasse: a) o direito do povo de Timor Leste à autodeterminação, à integridade territorial e à soberania permanente sobre os seus recursos naturais; b) a oponibilidade, em relação à Austrália, das obrigações, poderes e direitos de Portugal, enquanto potência administrante de Timor Leste; c) o incumprimento australiano da obrigação de negociar com Portugal em todas as matérias relativas à plataforma continental de Timor Leste; d) o desrespeito australiano pelas resoluções do Conselho de Segurança relativas a Timor Leste; e) como ilícito o comportamento da Austrália e, por fim, f) que, até ao momento em que o povo timorense pudesse exercer o seu direito à autodeterminação, a Austrália fosse aconselhada a renunciar a qualquer negociação, assinatura, ratificação ou execução de acordos com países terceiros, relativos à delimitação ou exploração da plataforma continental de Timor Leste. Na sua decisão de 30 de Junho de 1995, o Tribunal Internacional de Justiça, embora reconhecesse expressamente que Timor Leste é um território não autónomo e que o seu povo tem o direito à autodeterminação, decidiria, por 14 votos contra 2, não poder exercer a sua jurisdição. Segundo a argumentação então utilizada, o Tribunal estimava não estar em condições de apreciar as alegações apresentadas por Portugal, uma vez que essa apreciação dependeria da resposta que o Tribunal desse a uma outra questão que, embora não tivesse sido suscitada, se encontrava subjacente a todo o processo e que se poderia formular do seguinte modo: Pertence a Portugal ou à Indonésia o direito de concluir tratados relativos à plataforma continental de Timor Leste? Ora, dado que responder a esta questão implicaria necessariamente decidir sobre a legalidade da entrada e da presença continuada da Indonésia no território de Timor Leste e que uma decisão desta natureza só seria juridicamente concebível no quadro de um novo processo em que tanto Portugal como a Indonésia fossem parte, o Tribunal decidiu não estarem reunidas as condições que lhe permitissem, no caso sub judice, exercer a sua jurisdição. Conservadora, esta decisão, que frustra as expectativas da potência administrante e de Timor Leste, não pode sequer ser considerada como uma sugestão para que Portugal submeta o diferendo que o opõe à Indonésia ao Tribunal Internacional de Justiça. Com efeito, segundo os estatutos do Tribunal, este só é competente para apreciar diferendos, desde que ambas as partes aceitem, previamente e de modo expresso, a jurisdição do Tribunal. Ora, no que concerne Timor Leste, a Indonésia, ao nunca se ter manifestado disposta a submeter a disputa ao Tribunal Internacional de Justiça, tem impossibilitado qualquer solução judicial do conflito. Embora a linha de raciocínio adoptada pelo Tribunal no caso "Portugal versus Austrália" e em tantos outros, do ponto de vista jurídico, possa ser defensável (note-se que o efeito útil deste tipo de jurisprudência é prevenir que os acórdãos do Tribunal produzam efeitos relativamente a Estados terceiros que não são parte no processo sub judice), no caso específico de Timor Leste, tal jurisprudência tem efeitos perversos de consequências desastrosas. Com efeito, ao não poder apreciar o comportamento indonésio, pois a Indonésia não se submete à sua jurisdição, e ao declarar-se sem condições para apreciar alegações apresentadas contra Estados que, com o consentimento da Indonésia, desenvolvam actividades em Timor Leste, o Tribunal Internacional de Justiça está objectivamente a proteger o comportamento, porventura ilegal, desses Estados e da Potência ocupante, em prejuízo dos legítimos e inalienáveis direitos do Povo de Timor Leste à autodeterminação, à integridade territorial e à soberania permanente sobre os seus recursos naturais, cuja salvaguarda, em nome da justiça, deveria ser a sua prioritária preocupação.
Macau e Hong Kong – o regresso dos "tratados desiguais"? Macau e Hong Kong foram símbolos da influência europeia junto do Império do Meio, posicionando-se como pontes entre o Ocidente e o Oriente. Contudo, no final deste século ambos os territórios terão regressado à "mãe-pátria", cada um deles com o estatuto de "região administrativa especial" e um período de transição de 50 anos após a transferência de soberania. Ainda assim, a sua evolução histórica foi bem distinta. Macau foi a primeira feitoria europeia no Império do Meio, posicionando-se ao longo da História entre Portugal e a China. Os primeiros navios portugueses terão chegado à China em 1513 (carta de Jorge de Albuquerque enviada a D. Manuel I dando nota de que Jorge Álvares chegara à China), mas só em 1557 é que o território ingressou definitivamente, de jure, no domínio da coroa portuguesa, em resultado ou como prémio dos serviços prestados pelos portugueses nas sucessivas lutas navais contra as forças piratas que desestabilizavam a zona de Cantão. De realçar, todavia, que só em 1887 é que Portugal conseguiu que a China assinasse um Tratado de Amizade e Comércio. Tratado desigual, dizem os chineses, porque a concessão a Portugal da ocupação perpétua do território e do Governo de Macau ocorre num contexto de enorme fragilidade chinesa, com sucessivas concessões aos ocidentais. Actualmente, os historiadores chineses procuram fazer vingar a tese de que os portugueses ocuparam o território pela força, embora, na lógica dos historiadores portugueses, a permanência de Portugal naquele território sempre tenha sido considerada como resultante de uma autorização do governo local chinês para que aí nos estabelecêssemos. O desenvolvimento de Macau deve-se essencialmente à sua importância como centro distribuidor do comércio no Oriente, em particular no contexto da rota do Japão e no âmbito do comércio externo da China. Com a abertura do porto de Cantão uma vez por ano aos estrangeiros, em 1685, Macau tornou-se num entreposto para as companhias europeias e americanas. Mas com a abertura regular dos portos da China e da fundação de Hong Kong, Macau perdia as suas funções de ponte nas trocas comerciais entre o Ocidente e a China, mantendo a sua importância nos planos cultural e diplomático (o primeiro tratado oficial entre os EUA e a China foi assinado em Macau). Este século, contudo, assistiria ao progressivo declínio deste território até quase aos dias de hoje, ao ponto de ser por muitos considerado uma espécie de "quarto dos fundos" de Hong Kong, reservado para o jogo e actividades pouco lícitas. Ao contrário de Macau, a China foi despojada de Hong Kong em 1842, depois da vitória da Grã-Bretanha na Guerra do Ópio. Dezoito anos depois, os ingleses voltariam a usar a força para incorporar a área costeira de Kowlun no arquipélago. Mais tarde, em 1898, pela 2ª Convenção de Pequim, a enfraquecida dinastia chinesa cedia aos ingleses, por 99 anos, mais uma parte do continente, conhecida por "Novos Territórios", que formam cerca de 90% da área actual de Hong Kong. Mais uma vez, os chineses consideram estar perante mais "tratados desiguais". A verdade é que no ano em que terminava esse "leasing" — 1997 — os ingleses aceitaram devolver não só os tais "Novos Territórios" como todo o conjunto do território de Hong Kong. A importância de Hong Kong é muito mais recente, já que só nas últimas décadas é que os enormes investimentos estrangeiros e a baratíssima mão-de-obra, associados à especulação económica, transformariam o território num poderoso centro financeiro e bancário e num entreposto comercial de grandes proporções. As transições de soberania em favor da China (a de Hong Kong ocorreu a 1 de Julho de 1997, a de Macau ocorrerá a 20 de Dezembro de 1999) são consideradas por uns como uma tragédia semelhante às concessões feitas pelos europeus a Hitler nos anos 30, enquanto outros encaram o facto como uma realidade incontornável da História. Os primeiros não aceitam a entrega daqueles territórios, nomeadamente de uma praça económico-financeira com a importância de Hong Kong, a um regime que dá frequentemente provas de não respeitar os valores democráticos e humanos; os segundos consideram não haver alternativa a esta "submissão" — muitos acrescentam, com optimismo, que nem um regime como o de Beijing está disposto a destruir a "galinha dos ovos de ouro". A fórmula "um país, dois sistemas" de Deng Xiaoping excluiu uma anexação pura e simples dos territórios, mas as soluções encontradas nas negociações favorecem claramente um dos lados — o chinês. Estranha ironia! Os chineses nunca reconheceram aquilo que designaram por "tratados desiguais" porque as concessões aos europeus ocorreram de forma forçada e num contexto de debilidade do governo chinês. Sem pôr em causa a legitimidade da China em recuperar a soberania sobre aqueles territórios, não podemos deixar de reconhecer a enorme desigualdade negocial que na actualidade a favorece... estaremos perante novos "tratados desiguais", desta vez em sentido inverso?
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