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Onde estou: | Janus 1998 > Índice de artigos > Olhares sobre Portugal > [Portugal visto de Madrid: Ainda um grande desconhecido] | |||
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Neste sentido, poder-se-á dizer que a nova multilateralidade europeia favoreceu a nossa bilateralidade. Ainda assim, continuamos a desconhecer-nos demais: não sei, repito, até que ponto a situação é similar em Portugal, mas ainda hoje, em Espanha, embora haja um autor divulgado e apreciado como Saramago, neste momento porventura mais espanhol que português, e Fernando Pessoa seja finalmente conhecido, eles são excepção. A partir daí entramos no terreno onde o conhecimento de massas é perfeitamente aleatório. Do novo envolvimento suscitado pela aproximação europeia resultaram situações curiosas: no processo de convergência para a moeda única, Portugal surpreendeu-nos nalguns aspectos, porque subitamente surgiu em melhor situação que a Espanha em matéria de satisfação dos critérios de convergência. Portugal é um país com uma importante capacidade de desenvolvimento, com uma população pequena, o que determina que este desenvolvimento seja notado mais directamente pelos cidadãos e, à excepção de algumas iniciativas pouco afortunadas, as empresas espanholas também o estão a descobrir, a encontrar no território vizinho hipóteses de negócio. Por outro lado, a Exposição Universal de Lisboa, a Expo 98, será uma excelente oportunidade para aumentar o conhecimento mútuo, pois sei que, por razões puramente geográficas, se espera que venha de Espanha o maior número de visitantes. Reconheço que a implantação de empresas de capital estrangeiro é, por vezes, mal interpretada: também em Espanha houve um certo nacionalismo económico, herança de um passado em que não me reconheço por ter sido sempre crítico em relação à autarcia económica franquista. Mas hoje vivemos num Mundo em mutação constante, no qual as correntes de globalização, ao mesmo tempo que contribuem para o desenvolvimento, criam climas de incerteza e colocam problemas: quando há uma empresa estrangeira que fecha em Espanha e muda a sua produção para um país com mão-de-obra mais barata e com custos mais favoráveis, então percebemos claramente alguns efeitos negativos locais e pontuais que a globalização acarreta. Contudo, ao mesmo tempo, ficamos conscientes de que as novas correntes comerciais contribuem, cada vez mais decisivamente, para o crescimento e para o desenvolvimento. Apesar destas virtudes, admito que haja uma reacção algo nostálgica, uma saudade de um tempo histórico considerado como mais simples e fácil, no qual, no entanto, Portugal e Espanha eram países mais pobres. Nesse tempo, a diferença entre Portugal e Espanha face aos países mais desenvolvidos da Europa era muito maior que aquela que ainda hoje subsiste. Por tudo isto, creio que a presença e actividade de empresas de outra origem nacional não deve assustar ninguém. Em Espanha isso também ocorre: recentemente surgiram informações de que todo o sistema alimentar espanhol está nas mãos de multinacionais americanas, mas ao mesmo tempo também existem empresas espanholas presentes em Portugal ou na América Latina, ou com projectos de expansão em outros países europeus, o que até agora não acontecia. Este fenómeno da internacionalização interessa às empresas dotadas de capacidade e criatividade, as empresas mais dinâmicas. Não é um fenómeno que me preocupe, pois considero inevitável que haja capital e investimentos nacionais em diferentes países. À margem destes acontecimentos, existe um projecto europeu no qual há países com mais semelhanças que outros: efectivamente, entre Portugal, Espanha, Itália e uma parte importante da França, há decerto mais coincidências e aspectos comuns que com a Áustria, a Alemanha e em geral com a Europa do Norte. Os primeiros países — os do Sul, embora a França não goste de ser identificada com eles, e, de facto, só parte dela o seja — têm economias mais similares, há interesses comuns no sector agrícola, como ocorre com o azeite, o tipo de agricultura não é muito diferente, e há uma marca própria na forma como vêem o Mundo. Aliás, não nos podemos esquecer que Portugal e Espanha são a fronteira sul-sudoeste da Europa, sofrendo o impacte de emigrações que vão ser um dos grandes problemas das próximas décadas, e, que os dois países, apesar das suas diferenças, têm ainda um comparável grau de desenvolvimento e rendimento "per capita", ainda bem longe da média europeia, e que ambos beneficiam dos fundos de coesão — que interessa defender para além da entrada no euro. Ou seja, há muitas similitudes e interesses coincidentes. O que não significa que tenhamos de formar um bloco homogéneo e permanente: haverá questões em que os interesses das duas capitais, Madrid e Lisboa, irão por caminhos diferentes, mas uma boa cooperação interessa a ambas. Não se trata de que um país imponha ao outro a defesa dos seus objectivos, mas sim de identificar, cultivar e defender os que são comuns. Convém também não esquecer que Portugal e Espanha são os dois únicos países europeus com ligação ao mundo ibero-americano, e a história sempre deixa marcas. Entre os nossos dois países houve confrontos no passado, como entre muitos outros vizinhos. Ao longo da história, as guerras ocorreram sempre com quem está mais próximo, e não com quem está nos antípodas: a proximidade favorece talvez a conflitualidade, mas também vínculos especiais: o homem pode mudar quase tudo mas, até agora, foi-lhe impossível mudar a geografia, e a proximidade geográfica é uma condição inevitável, que deveria obrigar os dois países a uma relação mais intensa. Para nós, no El País, a maior incongruência consistiu, durante anos, em mantermos uma situação atípica em Lisboa, única capital dos países que nos interessam onde não tínhamos um correspondente permanente pertencente ao staff do jornal. Era uma situação anómala e que fala por si. O trabalho desse correspondente permite-nos agora manter regularmente a informação sobre um país normal, em que acontecem coisas na vida política, na economia, no mundo da cultura, no desporto. Portugal passou a ser, para nós, e finalmente, um país cuja presença no jornal é assumida por todas as secções: não se trata apenas de fazer análises políticas ou sobre as patologias políticas. Pode parecer um facto de importância menor, mas creio que é, pelo contrário, um sintoma relevante da mudança operada. Provavelmente, esta actividade contribui mais para o conhecimento, pelos nossos leitores, do que acontece em Portugal. E, até hoje, não se descobriu melhor forma de interessar as pessoas por um país do que através da informação. (Depoimento recolhido por Nuno Ribeiro)
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