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No nosso país a imagem de Portugal permaneceu até hoje num estádio quase mitológico. Entre as poucas coisas que os romenos — mesmo os bem informados — sabem sobre o país mais ocidental da Europa avultam as informações de natureza cultural: é o sítio onde parou Ulisses, o sítio onde a terra acaba e o mar começa, o sítio de onde se partiu à descoberta de novos mundos, a terra onde nasceram Camões e Pessoa — praticamente os únicos nomes de referência. Mas, é sobretudo, a terra onde o clima ameno faz com que as laranjeiras estejam sempre em flor e onde a índole dos habitantes se deixa penetrar obrigatoriamente pela brandura da paisagem. Sobre este fundo comum, tão irreal quanto apaziguador, os poucos elementos concretos, de história recente, dificilmente fazem corpo comum com a imagem tradicional. Os romenos sabem que em Portugal aconteceu no ano de 1974 uma revolução anti-ditatorial e que o país passou depois por perturbações que os romenos compreenderam bem, que esteve a um passo de substituir a ditadura de direita pela ditadura da esquerda; mas que agora as coisas acalmaram, e que a Lusitânia penetrou num nevoeiro de prosperidade comum a toda a Europa Ocidental, do qual a Roménia se encontra momentaneamente excluída. Aliás, alguma literatura escrita por romenos, tendo Portugal como tema ou cenário, não contribuiu de modo nenhum para a diminuição do mito. Dois dos grandes escritores romenos deste século, que viveram algum tempo em Portugal como diplomatas, foram seduzidos principalmente pelo país imaginário, pela lenda portuguesa. Lucian Blaga, um dos grandes poetas romenos, viu a pátria de Camões sob a metáfora de La curtile dorului (Nas cortes da saudade), num volume de versos escritos em Lisboa em 1939; nas poesias deste ciclo, Portugal adquire valor eminentemente simbólico, como território da espera, última paragem do homem antes do mergulho no nada. Mircea Eliade, o conhecido historiador e filósofo das religiões, ao colocar um dos capítulos do seu romance mais representativo Noaptea de Sanziene (O Bosque Proibido), em Lisboa, viu a cidade concreta também com olhos entreabertos de quem procura uma lenda em vez de um país real. Para além destes conhecimentos intermediários, o que fica para os romenos como informação essencial sobre Portugal é o facto de — humanamente falando — o nosso povo se parecer com o português. Quando terá aparecido pela primeira vez esta ideia na mentalidade colectiva romena? É difícil dizer, mas ela insinuou-se lentamente, tornando-se um verdadeiro lugar comum que ninguém questiona. O que são os portugueses? Uma espécie de romenos da longínqua Ibéria. O que é Portugal? Uma espécie de Roménia vivida em condições históricas e geográficas mais favoráveis. Estas são informações básicas que modelam, para os romenos, o resto das informações recebidas — sejam elas reais ou meio imaginárias. E, no fundo, não será esta a verdade? Relativamente a Portugal os romenos só retiveram o essencial. Bucareste, 10 de Outubro de 1997.
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