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- JANUS 2004 -

Janus 2004



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Uma nova política do mar para Portugal no novo regime dos Oceanos

Mário Ruivo *

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A ratificação por Portugal, em Outubro de 1997, da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar (assinada em 1982 e em vigor desde 1994) veio pôr termo à ambígua situação que caracterizou, nos últimos anos, a posição portuguesa. Situação contraditória que tem oscilado, por um lado, entre os apelos ao "regresso de Portugal ao Mar" acompanhados por iniciativas que posicionaram o nosso país como protagonista activo na cooperação internacional relativa aos oceanos e, por outro lado, a reconhecida carência de uma política nacional do mar e de medidas concretas num sector que, embora prometedor, inclui indústrias em reconhecido estado de crise (construção naval, pescas, marinha mercante).

O novo regime dos oceanos abriu novas oportunidades para Portugal como país costeiro: a vasta zona económica exclusiva sob jurisdição nacional, para além dos recursos nela localizados, inclui, na Região Autónoma dos Açores, chaminés metalíferas hidrotermais em áreas profundas únicas à escala da União Europeia. Esta posição privilegiada no Atlântico favorece uma política de desenvolvimento dos oceanos menos tradicionalista, orientada para actividades produtivas com maior incorporação de conhecimentos científicos e de inovação tecnológica.

A recente avaliação das Unidades de Investigação universitárias e dos Laboratórios de Estado evidenciou em geral uma razoável ou mesmo boa capacidade científica e técnica, assim como potencialidades em domínios de ponta (robótica submarina, materiais compósitos, tratamento de dados e telecomunicações, informática), susceptíveis de serem utilizadas ao serviço da administração pública e do sector empresarial, desde que inseridas e apoiadas no âmbito de uma política marítima coerente e coordenada. Nesta fase terminal da revolução industrial, a humanidade está a entrar na era de exploração e ocupação tridimensional dos oceanos como espaço integrado e interactivo cujo sucesso depende, de forma decisiva, dos conhecimentos científicos e suas aplicações, assim como da utilização de novas tecnologias.

A Convenção assenta no princípio de que os problemas do espaço oceânico estão estreitamente interrelacionados e devem ser considerados como um todo. Este princípio deve ser hoje revisitado à luz dos resultados da Conferência das Nações Unidas sobre Ambiente e Desenvolvimento (Rio de Janeiro, 1992). Para além da alta prioridade atribuída à zona costeira e à gestão integrada dos mares e oceanos (Capítulo 17 da Agenda 21), a Declaração veio dar corpo ao conceito de desenvolvimento sustentável e introduzir o princípio inovador da precaução. Pretende-se, desta forma, responder à percepção pública de novos riscos ambientais e tecnológicos, assim como às incertezas da própria ciência. A Agenda 21 encoraja a incorporação das dimensões económica e social na gestão dos recursos e do meio marinho. Daí a necessidade de uma abordagem inter-sectorial e interdisciplinar mediante instituições dotadas de mandato alargado, em contraste com os objectivos limitados da maior parte das instituições vigentes, quer a nível nacional, quer internacional.

Impõe-se, por todas estas razões, uma reforma institucional visando ajustar aos novos requisitos os mandatos e funções dos mecanismos existentes, assim como facilitar o envolvimento no processo de consulta e decisão de entidades não governamentais (empresas, representantes dos outros interesses da sociedade civil), no quadro de um sistema de governação mais transparente e publicamente responsável. O "regresso de Portugal ao Mar" obriga a uma reorganização da componente oceânica da nossa política e, simultaneamente, à modernização das estruturas da administração à luz do novo regime dos oceanos.

A criação de Ministérios do Mar — um, num governo socialista, outro, num governo social-democrata — foi acolhida com grande expectativa por serem teoricamente susceptíveis de pôr em prática uma política mais eficaz. Em breve se constataria, porém, tratar-se mais de gestos político-mediáticos do que medidas de fundo. A frustração dos sectores marítimos e da opinião pública interessada ainda hoje se faz sentir. Não surpreende, assim, que se tenha optado recentemente por restabelecer uma administração para os oceanos de tipo tradicional baseada em ministérios de tutela específicos e que até agora não beneficiaram de uma política de enquadramento coordenada ao nível apropriado.

Apesar destes desfasamentos, Portugal tem conseguido promover, nos últimos anos, no plano externo, uma estratégia aparentemente coerente e continuada de reforço da cooperação internacional em assuntos marítimos de que são expressão: a 2ª Conferência Internacional de Oceanografia, organizada pela Comissão Oceanográfica Intergovernamental da Unesco, em Lisboa (1994); a realização da Expo98 dedicada ao tema "Os Oceanos: um Património para o Futuro"; e a designação pela Assembleia Geral das Nações Unidas de 1998 como Ano Internacional dos Oceanos. Subjacente a estas iniciativas está o propósito de ir ao encontro de reconhecidas necessidades da comunidade mundial, encorajando do mesmo passo a instalação em Portugal de instituições internacionais como o Secretariado da Comissão Oceanográfica Internacional da Unesco ou a projectada Agência Europeia dos Oceanos.

A intenção manifestada pelo ministro da Ciência e Tecnologia, na qualidade de presidente do Programa Eureka, de reactivar a componente oceânica deste, fomentando simultaneamente um diálogo mais estreito com o programa MAST (Marine Science and Technology) da União Europeia, bem como os projectos (EMaP - European Marine and Polar Science) da Fundação Europeia da Ciência, representa outro passo importante para uma acção europeia mais concertada no plano interno e mais competitiva no plano externo. Esta orientação vai também ao encontro da desejável articulação entre Unidades de Investigação nacionais e empresas ligadas ao mar em redes europeias e outros parceiros internacionais.

O estreitamento das relações com o Brasil tem, por seu lado, vindo a reforçar as perspectivas de cooperação bilateral, não só no plano económico, científico e tecnológico em geral, como em domínios directamente relacionados com o estudo e exploração dos oceanos (robots submarinos, uso de satélites e teledetecção). O recente acordo dos Ministros do Ambiente dos PALOP (Lisboa, 1997) incluiu, igualmente, uma componente de cooperação marítima no Atlântico Sul, área da maior importância do ponto de vista pesqueiro e da exploração petrolífera off-shore. Deve sublinhar-se ainda o peso que os países de língua portuguesa poderão vir a assumir no quadro de uma política concertada nas organizações internacionais e regionais respeitantes a assuntos oceânicos.

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Todos estes projectos passam, porém, pela formação de uma base social de apoio que só uma nova cultura do mar e a adesão informada dos cidadãos estão em condições de criar. A tendência que tem vindo a manifestar-se desde a Conferência do Rio para associar as populações e os cidadãos aos processos de decisão sobre assuntos ambientais, nomeadamente os oceanos e a zona costeira, implica um esforço acentuado no plano da educação e formação, assim como de esclarecimento e informação através dos meios de comunicação social. Tal processo de consciencialização é neste caso facilitado pela natureza especial dos recursos e do meio marinho como "bens comuns" que deverão ser geridos pela administração pública no interesse de todos.

A criação (1995) da Comissão Mundial Independente dos Oceanos, encorajada pelo secretário-geral das Nações Unidas e pelo Director-General da Unesco, presidida pelo Dr. Mário Soares, constitui um fórum de reflexão crítica sobre estas matérias, cujas recomendações poderão influenciar de modo significativo as futuras formas de governação dos espaços marítimos. Com a entrada em vigor da Convenção, os assuntos respeitantes aos oceanos parecem finalmente ter-se implantado na agenda internacional e dos Estados; o que, por outras palavras, significa que virão a marcar de forma crescente a definição das políticas nacionais e europeias. O recente parecer favorável da Comissão dos Assuntos Jurídicos do Parlamento Europeu à adesão da União Europeia à Convenção — de que foi relator Jean-Pierre Cot (PSE/F) e que teve o apoio, nomeadamente, da deputada Helena Vaz da Silva (PPE/P) — é um indicador significativo desta tendência. Em última análise, "o regresso de Portugal ao Mar" passa por dar ao Mar o lugar que lhe cabe numa política nacional virada para o futuro.

 

Informação Complementar

Extractos da mensagem enviada pelo Presidente da República, Dr. Mário Soares, à Assembleia da República

"Senhor Presidente da Assembleia da República Senhores Deputados,"

"Considero oportuno dirigir a esta Assembleia, antes do termo do meu segundo e último mandato, uma mensagem sobre os problemas dos Oceanos e o papel que penso caber a Portugal na promoção de uma maior e mais ampla consciência internacional do valor único dos Oceanos para a Humanidade. " (...)

"Desde longa data que, como sabem, considero um desígnio nacional, estratégico e prioritário, o regresso de Portugal ao Mar. Durante os meus dois mandatos foi minha preocupação constante exortar os Portugueses a tomarem consciência da importância do papel que os Oceanos representam para o nosso futuro, não em termos nostálgicos e passadistas mas sim, pelo contrário, com os olhos postos no futuro. Um futuro centrado na sustentabilidade dos Oceanos e num seu pleno e equitativo usufruto, em nome do bem-estar e da qualidade de vida dos cidadãos e, em simultâneo, assumindo-nos, face a esse futuro, como fiéis depositários de um património insubstituível que deveremos passar, se possível, enriquecido, às gerações vindouras."

"Tenho plena consciência de que o regresso de Portugal ao mar, como um verdadeiro projecto nacional, requer uma crescente sensibilização da opinião pública e dos responsáveis políticos. Criar uma base de apoio e participação democrática na concretização deste desígnio exige, obviamente, tempo e muita persistência." (...)

"Estou convencido de que os Oceanos serão uma componente fulcral no futuro da Humanidade, quer no plano do desenvolvimento socio-económico, quer como elemento determinante dos grandes equilíbrios ecológicos da Planeta." (...)

"Não desejo concluir esta mensagem sem chamar a atenção da digna Assembleia da República e de todos os Senhores Deputados para uma matéria que me preocupa particularmente — sobre a qual, aliás, nos últimos anos, e em várias ocasiões, manifestei publicamente a minha opinião — e relativamente à qual vos deixo um apelo final. Como é do conhecimento de todos os Senhores Deputados, a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar — texto fundamental do novo regime dos Oceanos — foi assinada, inclusive por Portugal, em 10 de Dezembro de 1982, tendo entrado em vigor a 16 de Novembro de 1994. Passados treze anos, por razões diversas, Portugal ainda não é parte desta Convenção, pela razão simples de não a ter ratificado. E urgente que o faça. Sei que a iniciativa pertencerá ao Governo. Mas, apesar disso, aqui vos deixo o apelo.

Alerto para o facto de não só a Convenção ter já sido ratificada pela Guiné-Bissau (25 de Agosto de 1986), por Cabo Verde (10 de Agosto de 1987), por São Tomé e Príncipe (3 de Novembro de 1987), pelo Brasil (22 de Dezembro de 1988) e por Angola (5 de Dezembro de 1990) — países com os quais mantemos laços privilegiados — como, inclusivamente, por vários dos nossos parceiros na União Europeia, que igualmente a ratificaram, como: a Alemanha (14 de Outubro de 1994), a Itália (13 de Janeiro de 1995), a Áustria (14 de Julho de 1995) ou a Grécia (21 de Julho de 1985), para além de oitenta e três Estados.

Trata-se de uma situação inexplicável ou mesmo paradoxal — em contraste com o papel activo que Portugal desempenhou na fase inicial da negociação da Convenção — e, no contexto actual, dado que Portugal tem vindo, progressivamente, a posicionar-se com certo protagonismo nas questões respeitantes aos assuntos oceânicos internacionais. É, pois, da maior utilidade que esse impulso não seja quebrado e antes se intensifique."

Mário Soares

Lisboa, 5 de Fevereiro de 1996


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* Mário Ruivo

Antigo Chefe da Delegação de Portugal à CNUDM (1974-1978). Coordenador da Comissão Mundial Independente dos Oceanos (CMIO).

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