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Portugal e as repúblicas mercantis do Renascimento

Fernando Amorim *

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Longe do anacrónico militantismo ideológico que situava o Renascimento – vasto fenómeno histórico, cultural e político quê tem a sua génese no período que se prolonga aproximadamente de meados do século XV até finais do século XVI – como época intermédia obrigatória entre o pluralismo ou a poliarquia medievais e o monismo absolutista, é hoje adquirido entre a historiografia actual que a medievalidade europeia caracterizou-se não apenas por um pluralismo feudal, mas também, por um pluralismo já pós-feudal, constituindo o Renascimento, pouco a pouco lançado e preparado pela Idade Média, a primeira infância da Modernidade.

Neste plano, não de ruptura mas de continuidade, se situa o florescimento das comunidades mercantis da Europa setentrional e meridional bem como o alargamento das suas esferas de influência. O fenómeno remonta à Europa do século XI, em pleno esforço de superação da crise subsequente ao desmantelamento do Império Carolíngio, dando lugar a uma nova organização espacial distinta da que o mundo europeu até então conhecera.

Desenvolvendo-se em torno de um Mediterrâneo cada vez mais dominado pela frota muçulmana, e fechada, no tempo dos monarcas carolíngios, na sua interioridade continental, a Europa, sobretudo a partir de finais do século XIII, com a abertura do estreito de Gibraltar ao domínio e à navegação cristã, foi progressivamente descobrindo o Atlântico, como espaço de ligação mais rápida e mais barata entre regiões díspares e não integradas economicamente.

Tal permitiu o desenvolvimento de rotas marítimas de comunicação directa entre as repúblicas italianas e a Flandres, Inglaterra, bacia do Reno e mar Báltico que, suplantando as comunicações terrestres através dos Alpes, Ródano, Sena e Reno, transformaram o primeiroAtlântico meridiano dos séculos XII e XIII, em um espaço atlântico alargado ligando o Báltico e o mar do Norte, pelo Cantábrico, ocidente peninsular e Gibraltar, ao oeste e interior mediterrâneo.

Neste contexto, a franja ocidental peninsular perdeu o carácter de finisterra que possuíra até finais do século XIII, passando Portugal, de uma situação de exterioridade periférica, à situação privilegiada de entreposto e placa giratória de ligação directa entre os dois principais pólos de desenvolvimento económico da época, o complexo Mancha-mar do Norte e, do outro lado, o Mediterrâneo ocidental e repúblicas italianas. Esta transformação explica, num Portugal em definição de Fronteiras (1096-1325), as políticas de Afonso III e D. Dinis de fomento da agricultura e comércio interno – pelo desenvolvimento das Sesmarias e das Feirasfrancas – e de reorganização da marinha e incremento ao comércio externo – com o Contrato de Manuel Pessanha (1-II-1317), a protecção às exportações para a Flandres, Inglaterra e França, a Bolsa dos mercadores, e o tratado de comércio com a Inglaterra (1308). Na alvorada do século XIV, este comércio desenvolve-se ainda mais, explicando a assinatura, em 20 de Outubro de 1353, de novo tratado comercial, válido por 50 anos, entre Eduardo III de Inglaterra e Afonso IV de Portugal, bem como a progressiva fixação de mercadores estrangeiros em Portugal (Lisboa), individualmente ou organizados em casas comerciais – florentinos (1338), genoveses (1357), milaneses (1357), prazentins [Placência], corsins [Càhors] – cuja intensa actividade mercante no reinado de D. Fernando é, também, testemunhada por Fernão Lopes.No entanto a inserção e o crescimento do comércio internacional português no espaço do Atlântico alargado – i. é, os centros mercantis da Europa setentrional (Inglaterra, Flandres [Bruges e posteriormente, Antuérpia] e cidades da Liga Hanseática) e meridional (o "quadrilátero urbano" [Braudel] das repúblicas de Génova, Florença, Veneza e ducado de Milão, que, no século XV, continua a exprimir a força económica do Mediterrâneo central e ocidental) - não se deveu ao crescimento qualitativo da nossa exportação, antes, ao aumento da capacidade de transporte marítimo disponibilizada e potenciada pela situação geográfica de Portugal, de que virá a depender o fluxo das importações que alimentarão não apenas o mercado interno, mas também, logo a partir do séc. XV, o mercado ultramarino dos Descobrimentos.

Em Portugal, o Renascimento, traduzido no despertar do interesse pelos estudos clássicos, coincidente com a descoberta dos caracteres móveis de impressão, inicia-se sob o signo de um Humanismo caracterizado por uma atitude de curiosidade em relação ao próprio homem e ao mundo que o rodeia; novas terras, novos espaços e novos horizontes. Esta curiosidade em trazer novos mundos ao mundo, já o esboço de uma mentalidade renascentista, é glosada por Gomes Eanes de Zurara, nas cinco razões que levaram o Infante D. Henrique a buscar as terras de Guiné- i. é, a iniciar os Descobrimentos, assim identificados com o Renascimento - a que o autor acrescenta uma sexta razão - o saber a "raiz donde todalas outras procedem: e istoé, inclinação das rodas celestiaes" — traduzindo-se, desde meados do século XV, e em pouco mais de meio século, na adopção da navegação astronómica, no conhecimento concreto da observação dos astros, das correntes marítimas e do regime dos ventos; todo um acumular de conhecimentos empíricos e científicos que permitiram a inauguração da era gâmica das navegações oceânicas que ligaram o Atlântico Sul ao Índico.

Na vanguarda da cultura da época, a Itália do Renascimento viria a sofrer o embate do deslocamento do eixo mercantil do Mediterrâneo para o Atlântico propiciado pelos Descobrimentos portugueses, agravado pela expansão dos Turcos no Mediterrâneo Oriental, com a conquista de Constantinopla em 1453 e de Atenas em 1458. Tal explica a renovação, em 18-4-1454, do tratado de paz entre a república de Veneza e o sultão de Constantinopla, Mohamed II, logo seguido da trégua da segunda potência marítima italiana, a república de Génova, com o vencedor turco, bem como, a indisponibilidade das "Signorias" de Veneza (4-2-1456), Génova (3-9-1456) e Florença (12-9-1456), face ao pedido de apoio logístico de Afonso V à armada que pretendia enviar em cruzada pela reconquista de Constantinopla.

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As alianças políticas italianas passaram a depender da simultânea necessidade de contacto com o Atlântico, e do auxílio contra o Turco, conduzindo, a breve trecho, a uma progressiva intervenção em Itália das potências continentais europeias, particularmente da França e da Casa de Áustria "através" de Aragão – as Guerras de Itália (1494-1559). No meio destas convulsões as repúblicas mercantis e as casas comerciais italianas mantiveram o seu protagonismo económico, adaptando-se e integrando-se nas rotas e nos sistemas de tráfico ultramarino português de Marrocos, Arguim, Mina e no novo comércio oceânico do Estado Português da Índia, concorrendo com alemães e burgaleses em torno do "contrato da especiaria" de Lisboa e financiando, também, as armadas da índia, pela aquisição de Padrões de Juros Reais, bem como penetrando o Eixo Lisboa-Antuérpia (1501-1549) e as rotas dos mercadores flamengos e alemães. Com efeito, desde a transferência da Feitoria portuguesa na Flandres – Natie van Portugal- de Bruges para Antuérpia, em 1499, esta praça do Grande Ducado do Ocidente (Borgonha), já integrada nos domínios da Casa de Áustria, sob a égide dos Habsburgos (pelo casamento de Maria, filha de Carlos o Temerário [1433-1477] com Maximiliano I [1493-1519]), consolidara a sua posição como centro difusor das especiarias portuguesas para os mercados do interior fluíra pelas estradas do Brabante, da Champanha, da Alemanha (através da Hansa), da Europa Central, da França em direcção aos mercados de Leão, de Nuremberga e mesmo da Itália do Norte, negociadas por mercadores italianos e alemães.

Este florescente comércio gerador de lucros fabulosos conduziu à introdução de novos instrumentos económicos como os livros de aritmética, os livros de cuentas, os tratados de câmbios, a letra de câmbio, as regras de baratar, e a regra de contada Flandres, para determinação dos valores e até das formas particulares de negociar com Antuérpia. Outra das consequências da criação de um verdadeiro mercado mundial com os descobrimentos portugueses foi a constituição das primeiras grandes massas de aforro monetário, que as repúblicas marítimas italianas captaram, criando para o efeito novas formas de riqueza, entre as quais se destacam os produtos exóticos e de luxo com alto índice manufacturado (como os tecidos finos de Veneza e Génova, cuja produção quadruplicou entre 1538 e 1580).

Nesta altura, já a crise financeira do Estado português conduzira ao encerramento da Feitoria de Antuérpia (1549) e ao abandono das praças do Norte de África. Sem embargo, o comércio português da especiaria com as cidades europeias anteriormente servidas pela feitoria de Antuérpia continuou activo, mesmo após o seu encerramento. Apesar da eclosão da revolta autonomista dos Países Baixos contra os Espanhóis, com a União católica de Arras (6-1-1579) e o Acto de União protestante de Utrecht (23-1-1579) constitutivo das Províncias Unidas do Norte, os portugueses permaneceram em Antuérpia sob domínio dos revoltosos que a tinham conquistado nesse ano, só a abandonando quando os Espanhóis a reconquistaram, em 1585, transferindo-se para Amesterdão, Midelburgo e Roterdão.

No entanto, esse era já um outro tempo bem diferente, em que a união dinástica de Portugal e Espanha e uma nova doutrina imperial – o Mare Liberum – assente num poderoso domínio naval se encarregaram de legitimar as arremetidas desta república mercantil do Norte europeu ao Império Marítimo Português, apenas sustido, já longos anos haviam passado sobre o início das Guerras da Restauração (1640-1668).

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* Fernando Amorim

Mestre em História/História Moderna pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Docente na UAL.

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Bibliografia

Albuquerque, Martim de, O Poder Política no Renascimento Português, Lisboa, 1967, p. 380.

Fonseca, Luís Adão da, O Tratada de Windsor, col. essencial. Lisboa. INCM. 1986. p.5.

Lopes, Fernão, Crónica do Senhor Rei Dom Fernando Nono Rei Destes Regnos, Porto, Livraria Civilização Editora, 1986. pp. 5-6.

Marques, A. H. de Oliveira, Hansa e Portugal na Idade Média. Lisboa. 1959.

Simões, Alberto da Veiga, La Flandre, Le Portugal et les débuts du capitalisme moderne, Bruxelles, Ed. Govern., Imp. du Rói, 1933.

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