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Portugal e a Europa do Sul no tempo da Contra-Reforma

Pedro Cardim *

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Entre 1500 e 1700 assistiu-se a uma clara aproximação entre Portugal e o mundo da Europa do Sul. Tanto ao nível político como económico, religioso ou cultural, os portugueses estreitaram a sua ligação com Espanha e Itália, e não obstante a sua alegada "vocação atlântica", a verdade é que, ao longo deste período, as relações que estabeleceram com a Europa mediterrânica foram muito mais marcantes do que os contactos com o Norte.

As afinidades com o espaço mediterrânico eram, antes de mais nada, de ordem natural. Para além da proximidade geográfica e das facilidades de comunicação, o contacto entre os povos meridionais desde sempre beneficiou do facto de a língua, a cultura e os costumes serem semelhantes. Tal proximidade não tardou a assumir contornos políticos: desde o século XV que a Casa Real portuguesa vinha estabelecendo relações matrimoniais com as famílias reais de Castela e de Aragão e com a melhor nobreza italiana. Essas alianças político-matrimoniais assentavam em interesses comuns: antes de mais, o desenvolvimento de relações comerciais; depois, a rivalidade política com França; por fim, a secular luta contra os muçulmanos. Tais laços facilitaram a colaboração em outras áreas: muitas das expedições realizadas pelos portugueses beneficiaram do apoio financeiro, mas também do saber náutico e cosmográfico de venezianos, de genoveses, de maiorquinos e de catalães, e esses povos tomaram parte no comércio desenvolvido nas regiões africanas recém-descobertas.

No decurso do século XVI esta sintonia entre Portugal e a Europa meridional foi aprofundada, e ao nível da política externa assistiu-se a uma efectiva colaboração, sobretudo militar: portugueses e espanhóis — acompanhados por italianos e por soldados oriundos dos territórios germânicos dos Habsburgo – lutaram lado a lado contra os turcos, contra os muçulmanos do Norte de África e contra os corsários ingleses, franceses e neerlandeses.

Podemos então dizer que a coroação de Filipe II de Espanha como D. Filipe I de Portugal, em 1581, veio confirmar uma tendência de aproximação que já se vinha observando desde há várias décadas. Ainda que tivesse havido alguma oposição à agregação de Portugal à monarquia hispânica, o certo é que uma parte significativa do grupo dirigente lusitano encarou esse acontecimento como uma solução de continuidade, porque garantia a manutenção e até o aprofundamento dos laços políticos, económicos e culturais que vinham sendo tecidos desde, pelo menos, os primeiros anos do século XVI. Os portugueses ficavam assim sob a alçada daquele que era, à data, o monarca mais poderoso do mundo, um rei que se auto-intitulava "Católico" e que se apresentava como o defensor da Igreja de Roma contra a ameaça protestante.

 

A divisão religiosa da Europa

O elemento religioso contribuiu para que a Europa do Sul reforçasse os seus laços internos e se fechasse às influências vindas das regiões setentrionais. A partir de 1550 acentuou-se o divórcio entre um Norte protestante e uma Europa do Sul católica, e a intransigência tanto de Carlos V como do seu filho, Filipe II, apenas confirmaram aquilo que já se vinha observando em outras áreas: o mundo meridional europeu fechou-se sobre si mesmo, tanto ao nível religioso como no que respeita à política, ao comércio, à vida intelectual e cultural. Desencorajando e proibindo, até, os contactos com o Norte, o rei D. Filipe empenhou-se em aplicar as decisões do Concílio de Trento (1545-1563), promovendo um programa de reafirmação dos valores católicos que se estendia a todos os sectores da vida social.

A Europa do Sul converteu-se num vasto território entrincheirado em nome da fé católica. Em termos políticos, as concepções de governo foram fortemente impregnadas por preocupações religiosas, e a prática governativa ficou intimamente ligada à promoção do catolicismo. Para além disso, foi relançado o papel da Santa Sé enquanto árbitro das relações entre as Casas Reais meridionais, e no domínio da teoria política privilegiou-se uma visão integralmente católica da sociedade e do seu governo, onde os objectivos da "política profana" se confundiam com as razões da "política celeste". Por fim, portugueses, espanhóis e italianos combateram juntos nas diversas partes do globo, conjugando esforços na luta contra os protestantes e em defesa dos seus interesses ultramarinos. No que toca à economia, foram aprofundadas as relações comerciais entre Lisboa e as principais praças mediterrânicas, com destaque para os portos do Levante espanhol, para Génova, Veneza, Liorne, Nápoles e Sicília. Além disso, a Monarquia Hispânica contou com o apoio financeiro de banqueiros genoveses, venezianos e lisboetas, acentuando-se a complementaridade económica entre os diversos territórios do sul.

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Os portugueses faziam assim parte desta comunidade político-religiosa a que se dava o nome de Monarquia Hispânica, participando nos seus circuitos religiosos, políticos e económicos, e desempenhando um papel muito activo na vida intelectual e cultural que então se desenvolveu. O mundo meridional assentava numa matriz cultural comum, o que facilitou a aproximação intelectual, cultural e artística. Paralelamente, a Igreja submeteu os meios de ensino e de produção literária e artística a directrizes cada vez mais precisas, restringindo os contactos com as regiões protestantes e encorajando as relações entre os diversos territórios que integravam a Monarquia. Numerosos portugueses estudaram teologia, direito canónico ou direito civil em universidades castelhanas, aragonesas, catalãs e italianas, e muitos homens de letras e diversos músicos, pintores, escultores e arquitectos lusitanos procuraram inspiração em meios culturalmente mais ricos, como era o caso de Salamanca, de Valhadolide, de Madrid, de Sevilha, de Barcelona ou das cosmopolitas cidades italianas.

Portugal, em contrapartida, também influenciou a cena intelectual, cultural e artística dessas regiões. E apesar das restrições clericais à actividade criativa, a Europa do Sul revelou-se capaz de gerar um riquíssimo e multifacetado património intelectual, literário e artístico. No entanto, a partir de 1640 Portugal começou a romper com este sistema de relações: a dinastia de Bragança promoveu o distanciamento – político, económico, cultural e artístico – em relação a Espanha e à generalidade da Europa do Sul, estreitando os laços com o Norte, sobretudo com Londres e com Paris. Tal opção ditou um gradual afastamento entre os portugueses e os povos meridionais.

 

Informação Complementar

Portugueses ao serviço da Monarquia Hispânica

Uma vez integrados nessa vasta estrutura política e religiosa que era a Monarquia Hispânica, os portugueses desfrutaram de oportunidades de carreira em toda a Europa do Sul, servindo como conselheiros, embaixadores ou governadores, e muitos foram os que contactaram com o cosmopolitismo das regiões meridionais. D. Félix Machado da Silva, 1° marquês de Monte-belo, foi um deles. Oriundo de uma família da nobreza minhota, este erudito aristocrata foi político e diplomata, interessando-se também pela genealogia, pela literatura – escreveu várias obras, todas elas em castelhano – e pela pintura. Depois de desempenhar cargos de governo em Madrid, D. Félix foi nomeado embaixador em Roma. Entusiasmado com a riqueza do mundo artístico e literário italiano, decidiu estabelecer-se nessa região durante alguns anos, acabando por casar em Milão.

O percurso de D. Manuel de Moura Corte-Real, marquês de Castelo Rodrigo, é ainda mais impressionante. Entre os importantes cargos que desempenhou ao serviço da Monarquia destacam-se o de embaixador em Roma e o de governador da Flandres, tendo sido também plenipotenciário no Congresso de Münster. O rei recompensou-o pelos serviços prestados, concedendo-lhe vastos domínios em Portugal, comendas das ordens de Alcântara e de Cristo, o ofício de gentil-homem da Casa Real e o título de "Grande de Espanha". Foi um dos mais destacados mecenas de Madrid, e protegeu vários homens de letras e pintores portugueses. Aquando da revolta de 1640 optou por manter a fidelidade a D. Filipe e à Monarquia Hispânica, estrutura política onde havia feito toda a sua carreira.

 

Uma comunidade político-religiosa

Para além dos laços políticos, as várias regiões da Europa meridional partilhavam uma mesma fé: o território da Monarquia Hispânica coincidia com a zona de implantação da Igreja Católica, e essas duas instituições acabaram por trabalhar em estreita colaboração, da qual resultou um mais forte enquadramento político-religioso das populações. A Igreja desenvolveu um apertado controlo da vida social, e o principal momento dessa postura de intransigência católica foi, sem dúvida, o Concílio de Trento. Desse concílio sairiam as directrizes que iriam pautar, durante quase dois séculos, a vida política, intelectual e artística das populações meridionais católicas. Nele tomaram parte bastantes portugueses, desatacando-se o dominicano Bartolomeu dos Mártires, um dos principais símbolos da Contra-Reforma em Portugal. Entre os defensores das decisões de Trento merece referência o jesuíta Francisco Suarez, professor na Universidade de Coimbra, e seguramente, um dos mais brilhantes intelectuais da Europa ao seu tempo, autor de uma vasta obra dedicada a teologia, à metafísica, à lógica e ao direito.

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* Pedro Cardim

Docente na FCSH da Universidade Nova de Lisboa.

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