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Onde estou: | Janus 1999-2000 > Índice de artigos > Um olhar para o passado > [O comércio externo português – das origens aos finais do século XIX] | |||
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A base rural da economia portuguesa, mais saliente no norte e centro do território, continuou no primeiro século e meio da sua História, que termina com a conquista do Algarve em 1249. Ao atingir-se o estuário do Tejo, em 1147, Portugal fica na posse de uma das regiões agrícolas mais férteis da península Ibérica, cuja exploração mereceu os cuidados do seu primeiro rei. Compreende-se deste modo que as trocas comerciais fossem mais escassas a norte do Tejo, enquanto no sul, onde a herança muçulmana era mais visível, as trocas comerciais eram mais frequentes. Nesta fase, o desenvolvimento mercantil caracteriza-se pelo desenvolvimento das trocas internas, no âmbito das feiras. No século XIII existiam já relações comerciais com a Galiza, Aragão, Leão e Castela e, de forma menos regular, com o sul ainda muçulmano. As trocas com o exterior padeciam dos condicionalismos decorrentes que final da Reconquista impunha. A progressão para Sul, depois da conquista de Lisboa em 1147, criou condições para que as trocas comerciais conhecessem um certo incentivo. Eram já importantes as trocas comerciais com os territórios cristãos vizinhos, Galiza, Leão, Castela e Aragão, e com os territórios islâmicos. O comércio marítimo ter-se-á iniciado numa fase anterior. Esse facto é comprovado pelos foros de Castelo Bom, redigidos entre 1188 e 1220, e que proibiam as exportações de mel, cera, manteiga, queijo, pão, armas e cavalos, entre outros produtos, os quais seriam comerciados com os muçulmanos. A existência desse comércio é ainda atestada pelas posturas de Coimbra de 1145, ao estabelecerem taxas para certos produtos, entre estes a pimenta. Os principais produtos destinados à exportação durante o século XII eram o mel, os vinhos, as peles, os couros e sal. A partir de meados do século XIII começam a surgir referências a mercadores estrangeiros sediados em Portugal, ao mesmo tempo que alguns mercadores portugueses se estabeleciam na França e em Sevilha. No século XIV, devido à peste negra e à crise de 1383-85, a economia portuguesa foi bastante afectada. Todavia, merecem destaque os esforços envidados por D. Fernando no sentido de tornar Lisboa num importante pólo comercial, concedendo privilégios aos mercadores estrangeiros que se quisessem aqui instalar e criando a Companhia das Naus, com duas bolsas de mercadores, em Lisboa e no Porto. Nos primeiros tempos do século XV retoma-se o ciclo de trocas com o exterior, exportando-se vinho, sal, mel, cera, peixe seco, cortiça, azeite, fruta, às vezes alguns cereais e reexportava-se pimenta, açafrão e possivelmente algum açúcar. As insuficiências do artesanato nacional obrigavam à importação de produtos industriais, destacando-se os tecidos, armas, adornos, artigos decorativos, madeiras do norte da Europa, especiarias e açúcar. A importação de cereais conhecia um crescimento contínuo.
O Império Português do Oriente Com a chegada de Vasco da Gama à Índia, em 1498, iniciou-se, no dizer de K. P. Panikkar, "a época de Vasco da Gama, 1498-1945" – a era gâmica, permitindo aos portugueses edificar o seu império ultramarino, tornando D. Manuel "Senhor da conquista, navegação e comércio da Etiópia, Índia, Arábia e Pérsia". Para um pequeno país como Portugal, com pouco mais de dois milhões de habitantes, a construção dum império ultramarino constituía tarefa árdua – Todavia, não era uma situação inédita: Génova e Veneza haviam construído impérios económicos a partir de áreas geográficas bastante menores. No século XVI seria a Holanda a fazer o mesmo. Só em meados do século XVI Portugal viria a edificar um verdadeiro império que exigia um grande número de homens armados e um poderio militar significativo. Do Brasil às Molucas, quarenta mil homens bastavam para manter o bloqueio económico em que assentava o comércio das especiarias. Se os impérios comerciais de Veneza, Génova e Holanda baseavam a sua força na existência duma burguesia forte e empreendedora, motivada pela obtenção de lucros que seriam reinvestidos de seguida, em Portugal não se verificava a existência dessa burguesia, pelo menos em quantidade e com capacidade para determinar os rumos da expansão: esta foi sempre uma empresa estatal. Portugal enveredou por uma política de transporte, em vez duma política marcadamente comercial, beneficiando daí as outras potências europeias mais do que Portugal.
O Brasil Em 1500, o Brasil não mereceu de imediato a devida atenção por parte da Coroa. Desde a sua descoberta e por um período que ronda os dois séculos, os portugueses preocuparam-se acima de tudo em encontrar ouro, como os espanhóis haviam encontrado no México e no Peru. As expedições organizadas para o interior, as bandeiras, viriam a estabelecer o território brasileiro. Partindo da costa, as bandeiras, no século XVII, foram atingindo áreas cada vez mais distantes. A primeira fase da colonização do Brasil fez-se sob a forma de capitanias, a partir de 1534. Esta solução decorreu do facto de se ter optado pela mesma via nas outras colónias portuguesas. O sistema revelou-se pouco satisfatório, vindo D. João III a optar pela nomeação dum governador-geral, Tomé de Sousa, em 1549. A cultura da cana-de-açúcar promoveu a colonização do solo brasileiro, atraindo colonos, desenvolvendo-se por todo o território brasileiro, com centros principais em Pernambuco, Baía e Rio de Janeiro. O primeiro engenho surgiu em 1533, existindo 60 em 1570,170 em 1612 e 346 em 1629 e mais de 400 no final do século. Apesar de o açúcar constituir a principal produção brasileira, o pau-brasil surge, a seguir aos escravos, como uma boa fonte de receita da Coroa. O algodão, cujo desenvolvimento se verificaria mais tarde, constituía um produto em franca expansão, bem como o tabaco, cujo desenvolvimento se manteria de forma continuada. A importância do Brasil no comércio externo português cresceu depois do desaparecimento do empório português do Oriente. Depois do século XVII a importância económica do Brasil assenta no açúcar, tabaco e algodão, madeiras para a construção naval, couros, peles e o cravo do Maranhão. O desenvolvimento da produção açucareira a cargo dos ingleses e holandeses a partir de São Domingos e depois das Antilhas levou a uma queda acentuada da produção de açúcar, verificando-se uma certa recuperação a partir de finais do século, a qual se manteve pelo século XVIII, apesar da descoberta do ouro e diamantes.
A vinicultura Dos produtos de produção nacional que o país tinha para vender, o vinho constituía a sua principal fonte de exportação. A Inglaterra, nosso principal cliente, recebia essencialmente o vinho produzido na região do Douro, conhecido por vinho do Porto, o grande produto do século XVIII. Se o vinho do Porto representava um papel de primordial importância na nossa balança de comércio, acabou por ligar Portugal à Inglaterra de uma forma irremediável e cujos custos viriam dificilmente a ser suportados no futuro, especialmente depois da assinatura do Tratado de Methuen. As exportações de vinhos para a Inglaterra conheceram um crescimento constante até aos começos do século XIX. De uma média de 632 pipas (1678-87) (a pipa contém 26 almudes), atingir-se-iam depois 7668 (1688-97), 9644 (1708-17), 17 692 (1718-27), 19 388 (1758-67), 40 055 (1788-97), e 44 487 (1798-1807). A partir de 1807 verifica-se uma baixa das exportações, atingindo-se as 26 591 pipas em 1808-17 e 24 985 em 1818-27 (1). Nesta fase assiste-se ao estabelecimento das grandes casas exportadoras britânicas, com alguns mercadores britânicos a dedicarem-se, à produção do vinho do Porto, originando verdadeiras dinastias de produtores que vieram até aos dias de hoje. Os vinhos constituíam o elemento mais importante das exportações portuguesas na entrada do século XVIII, fornecendo mais de metade do total das rendas obtidas com a venda de produtos portugueses ao estrangeiro. Só em 1693 entraram na Grã-Bretanha 17549 pipas de vinhos portugueses, sendo 13000 de vinho do Porto, aumentando para 14418 em 1710.
A pesca e a salicultura A actividade piscatória remonta a épocas muito recuadas. São conhecidas as actividades desenvolvidas no período romano e que foram seguramente continuadas nos períodos seguintes. No caso português, essa actividade remonta aos começos do século XII. Se a pesca fluvial mantinha as técnicas artesanais, a pesca marítima, beneficiando do alargamento da faixa costeira com a Reconquista, conheceu um desenvolvimento continuado. O sal era de grande importância, constituindo uma matéria-prima de rara importância tanto na alimentação como na indústria, na salga do peixe e nos curtumes. A produção de sal no território português era já pelo menos milenária. A longa extensão da costa facilitou o desenvolvimento desta indústria, condicionado naturalmente pelo lento prosseguimento da Reconquista. Alcácer do Sal só em 1217 ficou definitivamente incorporado no território português e Setúbal só atingiria a sua produção plena no século XIV. O sal produzido era essencialmente marinho, visto existirem poucas jazidas de sal-gema em Portugal, destacando-se neste caso a mina de Rio Maior. A produção de sal adquiriu uma importância crescente a partir do século XVII. Essa importância é atestada por uma lei de 15 de Fevereiro de 1695 que proibia os «oficiais das fábricas das marinhas» de se ausentarem para o estrangeiro, sob pena de morte. Pretendia-se assim evitar que se utilizassem lá fora as técnicas de extracção do sal desenvolvidas em Portugal. Assim, entre 1700 e 1788 produziram-se cerca de 5 640 000 moios, produção que rendeu ao país cerca de 6909 milhões de réis, tendo sido exportados 83% da produção total. O sal atinge assim a segunda posição no conjunto das exportações portuguesas a seguir aos vinhos.
Açúcar A cultura da cana-do-açúcar foi introduzida na Madeira pouco depois do início da colonização do arquipélago. A sua importância cresceu rapidamente, tornando-se na principal indústria da Madeira em meados do século XVI. Cerca de 1570 existiam na ilha uns quarenta engenhos nos quais se produziam umas 200 000 arrobas de açúcar. A colonização de São Tomé fez-se com o recurso à mão-de-obra escrava, utilizada na produção de açúcar, a principal actividade da ilha na segunda metade do século XVI. Cerca de 1570, a exportação de açúcar a partir de São Tomé ultrapassava as 20 000 arrobas. No Brasil, a cultura da cana-de-açúcar desenvolveu-se muito fortemente nos séculos XVII e XVIII, com destaque para Pernambuco, Baía e Rio de Janeiro. O primeiro engenho surgiu em 1533, existindo 60 em 1570,170 em 1612 e 346 em 1629 e mais de 400 no final do século. A produção passou das 180 000 arrobas em 1560-70 para 360 000 em 1580,720 000 em 1614, mais dum milhão de arrobas no começo da década de 1630 e dois milhões e meio em 1650-70.
A dependência da Inglaterra Em 1640 assiste-se ao fim do longo período de domínio espanhol sobre Portugal e o seu Império. A partir de 1620, ou mesmo antes, assiste-se à substituição do domínio português no Oriente por parte dos holandeses e ingleses. A Rota do Cabo, por onde passava a principal fonte de riquezas nacionais, viu serem reduzidas drasticamente as suas receitas. Produtos como o ouro africano, as especiarias e outros produtos orientais, chegavam agora à Europa em navios holandeses e ingleses. A perda do monopólio comercial com o Oriente por parte de Portugal representou uma perda de receitas por parte da Coroa, da nobreza, clero e burguesia. Quando em 1640 Portugal logrou libertar-se do jugo espanhol, o país atravessava uma grave crise económica e social, provocada pelo domínio castelhano e pelo aparecimento duma nova potência internacional, a Holanda, e pelo desenvolvimento doutra potência que nos finais do século XVII substituiria aquela, a Inglaterra. Verifica-se então um aumento da produção de açúcar e tabaco por parte dos franceses, contribuindo para agravar a já de si débil economia nacional, afectada pelo longo período de união com a Espanha. Ao mesmo tempo que os produtos portugueses deixam de circular nos mercados do Norte da Europa, verifica-se o impacte das ideias colbertistas tanto na Europa como em Portugal. Durante cerca de três décadas, procurou-se assegurar a independência política face à Espanha através da Guerra da Restauração. Verificavam-se então graves tensões internas, com a aristocracia a procurar retomar o controlo político e económico do país, em detrimento da burguesia fortemente apoiada pelas classes populares, culminando na deposição de D. Afonso VI e na subida ao trono de D. Pedro II. A Inglaterra, perante a situação em que o país se encontrava mergulhado, a troco de promessas políticas, foi obtendo privilégios económicos e comerciais que resultaram em tratados de comércio amplamente desfavoráveis para Portugal. Com o tratado de Methuen, a indústria portuguesa entrou em recessão. Verificou-se de imediato um aumento da entrada de tecidos ingleses, enquanto as exportações subiram numa proporção bastante inferior: de 1697-1700 para 1706-1710 as importações de produtos ingleses cresceram 120% e as exportações portuguesas somente 40%; o défice do comércio externo com a Inglaterra passou de 128 000 para 412 000 libras esterlinas; neste último período importaram-se em média 652 000 libras de produtos britânicos e o seu montante iria ainda crescer significativamente depois, chegando a exceder 1 milhão de libras; Portugal tornou-se o terceiro mercado externo da Grã-Bretanha. Ao entrarmos no século XIX, o saldo da balança comercial portuguesa com o estrangeiro, que fora já positivo em 1798, retomou essa posição entre 1801 e 1808. Depois, voltaram os défices, devido sobretudo às invasões francesas e, por via disso, ao retorno crónico à dependência da Inglaterra, com o tratado comercial anglo-português de Fevereiro de 1810. A revolução liberal de 1820, geradora de alguma instabilidade no plano político-social, contribuiu para as dificuldades que se sentiram até à Regeneração, nome dum movimento militar desencadeado pelo marechal Saldanha em 1851. A política de obras públicas, levada a cabo por Fontes Pereira de Melo, provocou um enorme crescimento da dívida externa, tornando-se gigantesco o montante dos juros pagos ao exterior. Por exemplo, cerca de 1885, o défice comercial total andava pelos 2,6 milhões de libras esterlinas, enquanto o montante dos juros pagos aos credores externos era muito superior, andando na casa dos 4,2 milhões de libras. Com o fim da era de Fontes Pereira de Melo, a monarquia assistiu à emergência do republicanismo, o qual se foi implantando graças às dificuldades económicas que o país atravessava. Os homens que implantaram a República, em 1910, não conseguiram inverter a situação. Portugal continuaria dependente do estrangeiro.
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