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ESTE ARTIGO CONTÉM DADOS ADICIONAIS CLIQUE AQUI! Filipe II procedeu com senso. Transigiu muito no desenho da integração do reino, adoptando um figurino constitucional que tinha sido pensado, um século antes, para a então projectada reunião dos dois reinos sob um ceptro português. Nas cortes de Tomar, jurou as cláusulas de união dos dois reinos, concedendo a Portugal privilégios que o garantiam contra a pura e simples integração – manutenção do seu direito, reconhecimento dos privilégios particulares, garantia do uso do português como língua oficial, reserva dos cargos, ofícios e benefícios eclesiásticos do reino para portugueses. A própria titulação dos reis era diferente. Em suma, dois reinos independentes, sob um mesmo corpo físico do rei. Esta estrutura de união sem integração tinha, porém, os seus inconvenientes políticos. Nomeadamente, como os reinos permaneciam separados e independentes, embora sob um mesmo rei, permanecia a incomunicabilidade entre os dois respectivos impérios, bem como não se comunicavam os estatutos das respectivas nobreza ou igreja. Em contrapartida, a separação dos reinos não convencia suficientemente os inimigos de Espanha (nomeadamente, ingleses e holandeses) de que a coroa de Portugal e o seu domínio ultramarino deviam ficar fora da guerra com a Espanha, já que esta, para Portugal, era uma guerra "do rei e não do reino". Mas os apetites ingleses, holandeses e franceses sobre os domínios coloniais portugueses também se teriam manifestado noutro contexto. Seja como for. Do ponto de vista constitucional, Portugal gozava de um estatuto de reino autónomo, garantido por um juramento régio perante as Cortes, o que a doutrina da época considerava equivalente aos estatutos pactados e inderrogáveis de outros reinos da Monarquia, como Aragão ou o Principado da Catalunha Hespanha, 1996; Schaub, 1996). A situação da Monarquia Dual começa a alterar-se com o advento ao poder (1621) do Conde Duque de Olivares, valido de Filipe IV de Espanha. O Conde Duque de Olivares tinha uma ideia completamente diferente do que fosse governar e, concretamente, governar a Monarquia Católica (Hespanha, 1989). Orientava-se por princípios políticos que iriam caracterizar o governo das grandes monarquias europeias a partir dos meados do séc. XVII: nomeadamente, centralização e homogeneização políticas e constituição de exércitos profissionais e permanentes. Perante as premências da guerra com que a monarquia se defrontava, Olivares propunha uma "união de armas", que levaria a uma mais estreita "união dos reinos". Este esforço de guerra (e de reputação) da Monarquia devia ser suportado por todos os reinos e por todos os grupos sociais, sem que se reconhecessem privilégios particulares. Esta homogeneização convidava a outras, como a circulação dos funcionários por toda a monarquia, ultrapassando os privilégios de indigenato, o uso de uma só língua e, antes de tudo, a atenuação das liberdades dos reinos. Por outro lado, Olivares aponta para um aparelho político-administrativo centralizado, assente sobre ofícios absolutamente dependentes da graça régia ("comissários"), à semelhança do modelo dos "intendentes" franceses. Tal foi o modelo que Olivares tentou aplicar a Portugal, um dos reinos que, na Monarquia, gozava de privilégios mais extensos e garantidos. As primeiras escaramuças constitucionais surgem nos meados da década de '20 quando, para socorrer praças portuguesas no Ultramar (Baía, 1624; Ormuz, 1628), atacadas por ingleses e holandeses, o rei tenta criar novos impostos, nomeadamente, o estanco sobre o sal (1631), um imposto sobre os proventos dos funcionários ("meias anatas", 1631), novos impostos sobre o consumo (reais da água, 1635) e, finalmente, uma "renda fixa" de 500 000 cruzados (negociada a partir de 1632), para financiar a constituição de uma armada permanente de defesa do reino. Estribados nos privilégios do reino, os concelhos – ou melhor, a Câmara de Lisboa, como cabeça do reino – e alguns tribunais e oficiais do reino desenvolvem uma sequência de protestos, quase todos encaminhados pela via jurídico-administrativa, contra a violação dos foros do reino, já que os tributos tinham que ter o consentimento das Cortes. Ou seja, o problema fiscal desembocava no problema constitucional. Para o obviar, Olivares tenta, na sequência de um modelo que já vinha de antes e que será seguido depois da Restauração, substituir a audição do reino pela audição das cidades mais importantes, nomeadamente Lisboa, como cabeça do reino (Hespanha, 1996). Mas não eram apenas os problemas fiscais que apontavam para uma revisão do estatuto do reino. Também no domínio político-administrativo, Olivares procura implantar um sistema mais centralizado, baseado num corpo de agentes "políticos", antecipando o que virão a ser, no futuro, o ministério e a pirâmide administrativa e ultrapassando, assim, o "governo por conselhos" ou a "descerebração político-administrativa" típica das monarquias tradicionais. Para isto, Olivares multiplicava "juntas" que duplicavam as atribuições dos grandes Conselhos do reino, ou entregava a comissários ad hoc, nomeados de entre as suas "criaturas", para supervisar de perto certos assuntos. A administração de linha, baseada no direito do reino e habitada sobretudo por juristas, era substituída por administração informal, apenas regida por normas de oportunidade ou por instruções pessoalíssimas do Valido. Isto criou resistências, surdas mas muito eficientes, no seio do oficialato da Coroa (Hespanha, 1996). Se a isto somarmos o descontentamento da Igreja – ameaçada de medidas desamortizadoras e sujeita a contínuos pedidos de dinheiro –, da nobreza – pouco interessada numa "união de armas" que a faria combater nos palcos de guerra de toda a Europa, nomeadamente na Catalunha – e dos diversos tipos de contribuintes (Oliveira, 1981) – que assistiam a um relativo agravamento da carga fiscal desde a década de '20 –, bem se entenderá o estado de espírito que explica, não tanto o momentâneo sucesso de 1640, mas a pertinácia no esforço de guerra, durante 28 anos (1640-1668).
Informação Complementar A Fiscalidade no período Filipino Um tópico muito discutido, então e hoje, é o dos abusos fiscais dos Áustrias como reis de Portugal. O poder real português de Seiscentos herdou o sistema financeiro do período anterior. A cobertura das despesas ordinárias (salários, tenças e juros) era assegurada, fundamentalmente com o produto das receitas ordinárias (impostos e rendas patrimoniais). A cobertura das despesas extraordinárias (despesas “de Estado”) era feita com os sobejos das despesas ordinárias, com as rendas ultramarinas e, eventualmente, com recurso a pedidos extraordinários ou ao crédito. O quadro seguinte resume a situação das receitas da coroa, em Portugal e em Castela, durante o período que nos ocupa. Nos dois casos, carga per capita espantosamente igual! Sobre esta punção fiscal “ordinária”, enxertou-se, sobretudo a partir dos anos ’20, uma punção extraordinária. De 1601 a 1610, esta totaliza 170 contos. De 1621 a 1630 atinge os 2290 contos, tendo baixado um pouco na década seguinte, com o aumento da resistência do reino. Refazendo o quadro anterior, a evolução da punção fiscal extraordinária já surge muito agravada, embora cada português siga contribuindo muito menos do que, para a mesma época, cada castelhano. Se a capacidade tributária do reino esteva ou não esgotada - como refere a generalidade das fontes portuguesas da época - é questão que não pode ser resolvida. Porém, habituados a um orçamento estabilizado, com tributos fixados tradicionalmente e cuja carga era sucessivamente atenuada pelo desvalorização da moeda, os contribuintes portugueses são postos perante a multiplicação, depois de 1821, de formas “selvagens” de arrecadar dinheiro. No entanto, esta onda de tributação extraordinária representa afinal, a única forma de actualizar as rendas da coroa, recuperando da desvalorização da moeda dos finais do séc. XVI, da quebra das receitas da Índia. E respondendo ao pronunciado aumento das despesas da coroa, provocadas pela guerra, uma guerra cara, já que exigia o armamento de frotas e, para ser eficaz, o recurso a tropas profissionais pagas. Cunha, Mafalda Soares da, "A questão jurídica na crise dinástica", em História de Portugal, dir. José Mattoso, vol. III, 1993, pp.552-559. Elliott, John (org.), La Espana del Conde Duque de Olivares, Valladolid, Univ. de Valladolid, 1987. Elliott, John, The CountDute of Olivares. The stateskman in an age of decline, London, Vale Univ. Press, 1986 (há trad. castelhana). Hespanha, António Manuel, "A fazenda", em História de Portugal, dir. José Mattoso, vol. IV, 1993, pp. 203-235. Hespanha, António Manuel, "O governo dos Áustria e a "modernização" da constituição política portuguesa", Penélope, 2 (1996), 50-73. Oliveira, António de, Poder e oposição em Portugal no período filipino (1580-1640), Lisboa, Difel, 1991. Velázques, retrato equestre do conde duque de Olivares
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