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Onde estou: | Janus 1999-2000 > Índice de artigos > Um olhar para o passado > [Destinos do império: da construção ao apogeu e à decadência] | |||
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ESTE ARTIGO CONTÉM DADOS ADICIONAIS CLIQUE AQUI! Em termos de predominância e domínio estratégico, as áreas de influência iam dos mercados da Flandres aos do Mediterrâneo e, sobretudo, a um domínio total sobre todos os espaços atlânticos e africanos a sul do paralelo das Canárias e a oriente da Linha de Tordesilhas que incluía, já em 1494, espaços bem consideráveis de um Novo Continente. Em África – uma extensíssima rede de pontos costeiros que desde 1487-88 tocava já territórios e da costa oriental do Índico que sobe até à entrada do canal de Moçambique. A Viagem de Vasco da Gama em 1497-99, (muito embora realizada já com D. Manuel) remataria toda esta construção e toda esta estratégia Imperial de D. João II. O segundo momento – o da materialização mais grandiosa desse Império – pertencerá ao século XVI. Atingirá o seu apogeu com D. Manuel e a sua máxima dimensão com D. João III e D. Sebastião. Estes espaços têm, pela primeira vez, uma expressão geográfica universal. Passam pela "domínio e controlo", dos lugares-chave do comércio praticamente em todos os continentes e em todos os mares: do atlântico, ao Índico e às enormes extensões do Pacífico onde se inclui a Oceania. Blasonou – e com razão – Filipe II que jamais o Sol se punha sobre os seus Estados. Só o pôde dizer, porém, após a Anexação de Portugal. Essa enorme realidade física é-lhe, efectivamente, anterior. É uma construção portuguesa semeada por toda a redondeza da terra depois de, pelos portugueses, ter sido mostrada a e patenteada a "Esfera Unida" – "na expressão de Camões. "Não há mares que não naveguem", diziam boquiabertos e espantados os correspondentes da Grande República de Veneza logo nos inícios do século XVI! O Império define-se, então, como realidade e construção plena do ponto de vista físico, como ideológico-político e finalmente cultural. Grandiosa construção informada pela supremacia ideológico-religiosa (traduzida no Padroado e na concepção do Quinto Império de António Vieira) e rematado pela supremacia cultural traduzida e expressa no predomínio e dimensão universal da língua portuguesa – acolhedora e "aceitante" de todos os linguajares universais. (Concepção expressa, quer em o "Dialogo emlouvor da nossa Linguagem de João de Barros, quer na Gramática da LínguaPortuguesa de Fernão de Oliveira. "Pela língua se demonstra (e constrói) o Império" diz este último. Tudo porque, na verdade, "a língua é companheira (indispensável) do império" - como afirmava o humanista Lourenço Valia. Com o apogeu, atingido a meados deste século, se começam as desenhar nele os sinais e sintomas da decadência e da contracção física visíveis particularmente no Oriente com os últimos tempos de D. João III e com D. Sebastião. Todavia, as perdas seriam compensadas com o alargamento na outra margem do Atlântico, em particular, com as Terras do continente brasileiro mas onde deve incluir-se, também, a consolidação sobre áreas de controlo marítimo em torno dos mares da Terra Nova. É corrente a afirmação de que a união com Castela (1580-1640) representa o desfazer do Império português. Não é correcto. Na verdade, tal não representou a anulação dessa realidade. Pelo contrário pôde manter a diferenciação e, até, alargar a sua expressão física. Na América, a linha de fronteira de Tordesilhas seria empurrada e alargada, sucessivamente, muito para Ocidente, além da demarcação. Se a União Dinástica consagra o apogeu do Império Universal – agora protagonizado pela Coroa dual de Filipe II – inaugura também uma decadência em grande parte conjunta. O século XVII assistirá à emergência de outros impérios europeus. As nações europeias envolveram-se em lutas contra o "Império Hispânico", retalhando nele e criando os seus próprios espaços coloniais. Daí surgirá o Império da Holanda ou, melhor, das Províncias Unidas, logo seguido do da Inglaterra como, com mais dificuldade, o da França. Começam a partir daí a construir-se, assim, mais três círculos coloniais bem diferenciados. A Restauração da Independência em 1640, com a necessidade vital de apoios internacionais, introduziria uma fase dramática na manutenção e conservação do Império. A ajuda foi obtida com aparatosas concessões à França, à Holanda, à Inglaterra. As mais decisivas, as que obrigaram à abertura dos mercados nacionais. Peças fundamentais desse percurso são os sucessivos tratados, os mais importantes dos quais, os de 1641 celebrados com a França e, sobretudo, nesse mesmo ano, com a Holanda e o de 1642 com a Inglaterra. Ao abrigo das cláusulas mercantis "concedidas" por Portugal, todas elas se apossaram do maior quinhão no trato não só dentro da expressão colonial das Américas, da África e do Oriente como da própria Metrópole. O século XVII (segunda metade) é, assim, para a "sorte" do Império o período mais decisivo. Ficará traçado o seu destino a curto, médio e longo prazos. A partir daí será modelado já não em supremacias mas em dependências. Não obstante os esforços momentâneos e não continuados de Pombal, a expressão colonial portuguesa passaria a viver (ou sobreviver) durante o século XIX debaixo dos interesses do imperialismo britânico. A perda do último Império sobrevivente português ficaria por isso, indelevelmente ligado à hegemonia imperial britânica. Modelaríamos a evolução do Império, a partir de então, reportando-o a três ou quatro datas verdadeiramente decisivas. O referido Tratado de 1642, em que a ajuda inglesa à causa de D. João IV significou a abertura dos portos nacionais e do Império português ao comércio inglês e o Tratado de 1654. Este, na verdade, antes um Ultimato imposto pelos navios ingleses que então bloqueavam o porto de Lisboa. Por ele se escancarou, por completo, a Metrópole e o Ultramar ao domínio inglês. (Face a este "Tratado de 1654" o celebrado Tratado de Methween de 1703 não passa de um mero e circunscrito episódio). Finalmente o Tratado de 1810 (na sequência do de 1808, que abria os portos do Brasil ao comércio internacional). As consequências do Tratado de 1810 viriam a dar directo contributo para a Independência do Brasil em 1822. O Império sofreria, pois, a sua segunda grande amputação nestes inícios do século XIX com a perda do continente brasileiro. A todos estas peças fundamentais no processo de evolução do império colonial português virá juntar-se, no último quarto deste século XIX, outra peça decisiva. Em resposta à perda das extensões americanas seguir-se-ia o retorno à África. Mas os tempos iriam ser também difíceis nestes espaços. Muito em breve a cobiça de outras potências europeias iria fazer da presença portuguesa em África um percurso conturbado e bem difícil. Umas, acicatadas com as perdas das colónias americanas outras, desejosas de, finalmente, construírem também os seus círculos coloniais – como é o caso específico da Alemanha. A recente "descoberta" da África pode ter data precisa: os anos de 1814/1815 quando os ingleses se instalam no Cabo, (1814) logo seguidos pelos holandeses e franceses nos territórios adjacentes e quando a França, logo após a "capitulação" do Tratado de Viena assinado em 1815, se lança, preferentemente, sobre as áreas e os territórios que lhe ficavam mais próximos: os da África mediterrânica e norte africana. Desde a instalação no sul do continente, (ou no norte) que os novos pretendentes não se confinariam aí. Logo de seguida iniciaram a sua expansão para norte pondo rapidamente em perigo as possessões portuguesas em toda a zona interior entre Angola e Moçambique, tal como a França descendo para as áreas Subsarianas, a partir da Guiné. Uma subsequente etapa de um redobrado interesse das potências europeias pela África viria a coincidir, sobretudo, com as décadas de 1850 e 1860. É a altura do primeiro ciclo das grandes explorações pelo interior do continente. A primeira grande exploração dos portugueses, realizada por Silva Porto em 1852 (a que se seguiram as de 1853 e 1854). Todas as Nações europeias utilizariam como justificação das suas ambições coloniais o princípio de ocupação efectiva do território, indiferentes aos direitos históricos que Portugal se esforçava por fazer valer. Iria desencadear-se a segunda grande e mais decisiva fase, que levaria à "construção" dos impérios europeus em África, apoiados nas ideologias colonialistas (1874-76), acabando na corrida à partilha geral e indiscriminada nos anos que se seguiram. Esse conjunto de princípios, ambições e actuações viriam a culminar, como facto consumado, na Conferência de Berlim em 1884-85, convocada por Bismarck para que, a Alemanha pudesse ir buscar a sua talhada na partilha colonial do continente. Com o início desta decisiva etapa coincidiriam (porque também faziam parte dessa mesma estratégia) as viagens de exploração dos grandes sertanejos europeus, sobretudo ingleses, a generalidade coincidentes com a "engenharia" em curso à volta da Mesa de Berlim. As mais nomeadas as de Livingstone (1852-73) e Stanley (1874-87). Não menos notáveis, as de portugueses como Serpa Pinto, Brito Capelo e Roberto Ivens -1877/79 -1880, culminando e com a de Augusto Cardoso (1884-85). Foram estas explorações portuguesas que vieram a permitir a "construção" territorial que se consagrou no chamado Mapa Cor-de-rosa (1886), que dava a Portugal a posse de uma vastíssima área entre Angola e Moçambique, unindo as margens do Atlântico com as do Índico. Era uma grandiosa construção materializando e concretizando, aliás, um sonho de séculos. Tinha, porém, uma fragilidade estratégica que só uma grande potência poderia superar: além de demarcar ricos territórios do interior do continente, cortavam todas as veleidades de expansão dos ingleses que, do sul imediatamente começaram a expansão para norte com o objectivo de, unindo o Cabo ao Cairo, construir um grande império em África. Para abrir caminho e passar com a jogada do grande e desinibido instrumento que era Cecil Rhodes – a quem Londres daria carta branca total – a Inglaterra afrontaria e humilharia Portugal com o cartão vermelho do Ultimatum em 1890 – último argumento que nem os mais reservados adeptos da "Velha Aliança" julgariam alguma vez possível. Com ele pôs a Inglaterra fim às pretensões portuguesas em África, anulando e desfazendo o que se consagrava no Mapa Cor-de-rosa. No trajecto do último grande império que, apesar de tudo, Portugal ainda mantinha em África, a Conferência de Berlim de 1885 e o Ultimatum de 1890 são duas peças inseparáveis do mesmo processo, unidas pela mesma lógica da partilha indiscriminada da África, feita a partir da Europa e para os europeus indiferentes às "prioridades" e aos próprios interesses e realidades históricas e culturais das populações do vasto Continente.* Aurélio de Oliveira Doutorado em História Moderna e Contemporânea. Professor Catedrático da Faculdade de Letras do Porto onde é titular da Cadeira de História dos Descobrimentos e da Expansão Portuguesa. Dados adicionais Gráficos / Tabelas / Imagens / Infografia / Mapas (clique nos links disponíveis)
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