Pesquisar

  Janus OnLine - Página inicial
  Pesquisa Avançada | Regras de Pesquisa 
 
 
Onde estou: Janus 1999-2000 > Índice de artigos > Um olhar para o passado > [Influências estrangeiras na literatura: o romantismo]  
- JANUS 1999-2000 -

Janus 2001



Descarregar textoDescarregar (download) texto Imprimir versão amigável Imprimir versão amigável

ESTE ARTIGO CONTÉM DADOS ADICIONAIS seta CLIQUE AQUI! seta

Influências estrangeiras na literatura: o romantismo

Álvaro Manuel Machado *

separador

As influências, no sentido mais lato e positivo do termo (isto é, a nível geral da história das ideias) agem frequentemente como catalisadores: provocam ou aceleram uma reacção sem, todavia, entrarem directamente no resultado dessa reacção. Daí que se possa (e deva) estabelecer uma relação decisiva, conceptual e ao mesmo tempo imaginária, entre influência e confluência, num complexo processo de analogia.

No que diz respeito ao fenómeno cultural, genericamente falando, e em especial ao fenómeno da produção literária dos séculos XIX e XX em Portugal, pode afirmar-se que, de todas as influências estrangeiras, a predominante, pelo menos até aos anos 70 do nosso século, foi a francesa. Numa obra de minuciosa pesquisa, estudo monográfico que podemos considerar de extraordinária actualidade científica e mesmo de surpreendente precisão estatística, Manuel Bernardes Branco (1832-1900) estabeleceu, na sua obra monumental em cinco volumes, Portugal e osestrangeiros (Lisboa, Livraria de A. M. Pereira-Editor, 1879-1895), o que foi a influência estrangeira em Portugal no século XIX. E por aí vemos facilmente que a imagem da França, na sua complexa ambiguidade, ultrapassa de longe todas as imagens de todos os outros países estrangeiros. Imagem, obviamente, no sentido primordial de imaginário, mas também no sentido concreto de relação cultural.

Paralelamente à obra de Manuel Bernardes Branco, deveremos citar também uma outra obra monumental de síntese no mesmo sentido, a de José Silvestre Ribeiro (1807-1891), História dos estabelecimentos scientificos, luteranos e artísticos dePortugal nos sucessivos reinados da monarchia (Lisboa, Tip. da Real Academia das Ciências, 1871-1893,18 vols.), que chama a atenção para a prevalência da língua e da literatura francesas na formação dos estabelecimentos culturais em Portugal. Note-se como José Silvestre Ribeiro sublinha então, desde o prefácio, datado de 31 de Julho de 1871, a importância da estatística: tomando sobretudo como exemplos a França e a Inglaterra, refere que, contrariamente a Portugal, aí "toma-se nota de tudo quanto merece a atenção do homem, de tudo quanto lhe interessa examinar e saber: a estatística, nos seus variados aspectos e domínios, é uma realidade [...]." ("Prólogo", p. V). Assim, pode dizer-se que a imagem da França, com tudo o que ela implicou de influências a vários níveis de modelos literários e de contactos culturais, atravessa todo o nosso século XIX, criando, até pelo menos ao início do século XX, uma complexa e paradoxal mitologia romântica francesa a que Eça chamou de "francesismo" (Eça de Queirós, "O francesismo", in Últimas páginas, Porto, Livraria Chardron, 1912).

Os "estrangeirados"

Todavia, antes de mais, devemos, numa visão de conjunto, atentar no facto de a influência decisiva do romantismo francês no nosso século XIX se radicar numa tradição de "francesismo" que vem já do século XVIII. De facto, a exaltação dos ideais de progresso do Iluminismo francês pelos chamados "estrangeirados" portugueses do século XVIII, em oposição à arcaica imagem ibérica e em atitude de libertação da influência espanhola, marca o início do chamado "pré-romantismo" em Portugal. Luís António Verney ou Vernei (1713-1792), descendente de pais franceses radicados em Lisboa e encarregado por D. João V de "iluminar a Nação portuguesa", foi disso exemplo paradigmático, não obstante a sua rígida formação neoclássica e a sua limitada visão estética numa fase de transição para o romantismo. De entre os poetas árcades pré-românticos que contribuíram decisivamente para a formação desse "francesismo" do nosso século XIX, citem-se sobretudo: Filinto Elísio, pseudónimo de Francisco Manuel do Nascimento (1734-1819), a Marquesa de Alorna (1750-1839) e Bocage (1765-1805).

Em Paris, para onde, em 1778, devido a perseguições da Inquisição, se exila, Filinto Elísio, que aí morre, traduz, entre outros, Chateaubriand (Les Martyrs, 1816) e Lamartine, que conheceu pessoalmente e que a ele se refere no poema "La Gloire (à un poète exilé) ", incluído nas Premières Méditations Poétiques (Paris, 1817). A França tornou-se para ele a própria imagem da civilização e foi, sem dúvida, através do contacto com os primeiros românticos franceses que Filinto Elísio, para lá da sua formação neoclássica e horaciana, chegou por vezes a exprimir-se numa linguagem de livre confessionalismo pré-romântico.

A Marquesa de Alorna, aberta a influências de diversos pré-românticos e românticos europeus, sobretudo alemães e ingleses, procura sobretudo seguir um modelo literário do início do romantismo francês, Madame de Staël (Herculano disse mesmo que ela foi a" Madame de Staël portuguesa"), embora essa influência seja mais teórica do que ao nível da escrita e das ideias. Em todo o caso, a Marquesa de Alorna frequentou, em Paris, o salão de Madame Necker e conheceu Madame de Staël, com quem depois, no seu exílio londrino, em 1814, se relacionou mais intimamente.

Quanto a Bocage, descendente de franceses por parte da mãe, começa por imitar os neoclássicos e nunca chega a libertar-se desse neoclassicismo, apesar do seu "francesismo" revolucionário e ideologicamente romântico. Seja como for, na lenta e hesitante formação do romantismo português, dois factores foram determinantes: por um lado, a difusão dos grandes modelos românticos franceses ou, sendo de outras nacionalidades, conhecidos quase sempre através de traduções francesas; por outro lado, um imaginário romântico que tem a ver predominantemente com uma ideia de história e uma ideologia política nacionalista influenciadas, de uma maneira ou de outra, paradoxalmente, pelo universalismo da Revolução Francesa. Poderá, assim, traçar-se um paralelo entre romantismo literário e romantismo histórico-político de carácter nacionalista em Portugal, desde inícios do século XIX, a partir sobretudo da imagem tutelar de uma França romântica produto da Revolução de 1789, imagem que se mantém, a vários níveis, desde Garrett e Herculano à Geração de 70, veiculando modelos literários que vão de Lamartine ou Lamennais a Victor Hugo.

Quanto, especificamente, à primeira geração do romantismo em Portugal, um outro elemento é decisivo para a expansão da influência francesa: o exílio. De facto, as obras que assinalam o início programático do nosso romantismo, os poemas Camões (1825) e D. Branca (1826) de Almeida Garrett (1799-1854), foram compostas e publicadas em Paris, onde o escritor permaneceu exilado entre 1824 e 1826. Desde o Canto Primeiro de Camões que esse exílio em França é evocado por Garrett, fazendo-o a partir de uma definição desse sentimento-ideia que o poeta evoca como sendo essencialmente português: a saudade, esse "gosto amargo de infelizes", essa "dor que tem prazeres". Contrastando as imagens dos rios Tejo e Sena, Garrett evoca essa "volúvel, leviana gente" que, após a queda de Napoleão e o restabelecimento do poder dos Bourbons, esquece os ideais da Revolução Francesa. Por outro lado, devemos notar a leitura que, desde muito novo, Garrett faz dos românticos franceses. Na "Prefação" ao drama incompleto em verso intitulado Átala, datada do Porto, 16 de Outubro de 1820, Garrett evoca assim a leitura de Chateaubriand: "Eu tinha dezassete anos quando pela primeira vez li a Átala de Mr. de Chateaubriand. [...] Enterneceu-me, comoveu-me fortemente e (não me envergonho de o confessar) excitou-me algumas lágrimas."

Todavia, nove anos depois, exaltando um romantismo "do Sul", herdeiro dos grandes modelos greco-latinos, contra um romantismo "do Norte", dominado pela cultura germânica, Garrett recusa o próprio Chateaubriand no prefácio ao livro de poemas intitulado Lírica deJoão Mínimo:"E a isto chamam romântico; e diz- se que é importação de Madame de Staël e do ascético Chateaubriand, que nos estragaram a nossa poesia do Sul com estas sensaborias do Norte."

Topo Seta de topo

No entanto, apesar de outras influências estrangeiras marcantes, sobretudo de leituras inglesas (Byron, por exemplo, além de que, em Viagens na Minha Terra, a leitura do Xavier de Maistre de Voyage autour de machambre, citado desde a epígrafe inicial, cruza-se com a leitura do Sterne de Sentimental Journey, talvez mais decisiva), Garrett conserva até ao final da sua obra a marca profunda do romantismo francês. Para referir apenas duas influências evidentes e mesmo confessadas pelo autor: a do Victor Hugo de Notre Dame deParis no romance O Arco de Sant'Ana e a de Lamartine na derradeira colectânea de poesia, Folhas caídas, em que, por exemplo, o poema "Voz e aroma" é caracterizado pelo próprio autor como sendo "reminiscência de Lamartine".

Alexandre Herculano (1810-1877) seguiu um percurso de exilado semelhante ao de Garrett, tendo passado pela França, ou melhor, pelas bibliotecas de Granville e de Rennes, antes de chegar a Inglaterra, em 1831. Mas, contrariamente a Garrett, as suas leituras são muito mais, digamos, "eruditas", dada a sua formação de historiador. Daí a influência decisiva, desde o início, de dois historiadores franceses: Guizot (1787-1874) e Thierry (1795-1856). Quanto às influências literárias, elas são extremamente heterogéneas, entre as alemãs (Schiller, Klopstock), as francesas (Lamennais, Chateaubriand e, mais vagamente, Lamartine e Vigny) e as inglesas (sobretudo a de Walter Scott, fundamental para a criação do seu romance histórico). Lamennais (1782-1854) foi, sem dúvida, e também desde o início, o modelo literário do romantismo francês com que Herculano mais se identificou. Prova-o a publicação, em 1836/1837 (duas séries), de A Voz do Profeta, poesia em tudo, ou quase tudo, semelhante à do Lamennais de Paroles d'un croyant (1834). De facto, ambos utilizam a mesma grandiloquência apocalíptica, tentando conciliar os princípios morais cristãos, (e, no caso de Lamennais, a própria função de sacerdote católico) com a formação iluminista, que os leva a exaltar os ideais herdados da Revolução Francesa. Note-se ainda a importante divulgação, frequentemente com comentários dele próprio, que Herculano faz dos grandes românticos franceses na revista Panorama.

Os "segundo romantismo"

Numa fase que tem sido considerada a do "segundo romantismo", entre Castilho e Camilo, Soares de Passos (1826-1860) ou Luís Augusto Palmeirim (1825-1893), esse "Béranger português", como lhe chamou Camilo, que popularizou a mitologia romântica da Revolução Francesa, a influência da França, em geral, foi menos significativa ao nível da história das ideias, cultivando-se um "francesismo" mais propriamente de moda, ou seja, de sensibilidade e de costumes sociais. Assim, António Feliciano de Castilho (1800-1875), que dirige a Revista UniversalLisbonense desde 1841, aí difunde, sobretudo a partir dos modelos de Lamartine e Lamennais, uma moda de degenerescência romântica, retoricamente sentimentalista, que Teófilo Braga classificará, mais tarde, de "ultra-romantismo".

Esta moda de degenerescência romântica "francesista" na poesia, que em Castilho era temperada pela tendência classicizante e mais propriamente horaciana, atinge o seu ponto culminante com a obra de Soares de Passos, tardio imitador de Lamartine, fazendo ressurgir por vezes o mito da Revolução Francesa, confundido com o mito de Prometeu, em poemas como, por exemplo, "O Canto do Livre", incluído em Poesias (1856).

Quanto à influência da novelística romântica francesa na novelística portuguesa deste "segundo romantismo", ela foi, talvez, menos decisiva do que a da poesia ou, pelo menos, reflectiu-se de maneira mais contraditória. É o caso, paradigmático entre todos, de Camilo Castelo Branco (1825-1890). De facto, à moda literária "afrancesada", Camilo opõe sempre un inconsútil casticismo português, um sentido rígido do vernacular. Todavia, paradoxalmente, Camilo foi dos maiores, senão o maior, divulgador em Portugal do chamado "romance-folhetim" de origem francesa. Os seus Mistérios de Lisboa, que começam a ser publicados em forma de folhetim no jornal do Porto O Nacional, a 2 de Março de 1854, e que saem em três volumes no mesmo ano, com grande sucesso popular, são nitidamente uma imitação dos Mystères de Paris que Eugène Sue (1804-1857) começa a publicar, em Paris, em 1842, no Journal des Débats, onde, no princípio do século, através do Abade Geoffroy (1772-1844), surge pela primeira vez a designação "feuilleton", género híbrido amplamente cultivado por Camilo. Mas, por outro lado, como dissemos, Camilo critica constantemente o estilo "afrancesado" da sua época. Exemplo disso, entre muitos, é a sua crítica ao mestre do folhetim, romancista, dramaturgo e memorialista, aliás seu amigo, Júlio César Machado (1835-1890), influenciado sobretudo por Jules Janin e Paul de Kock, este último divulgado em Portugal desde 1830 e tornando-se extremamente popular nos anos 50. Diz Camilo, numa das suas diatribes, a propósito de Vida em Lisboa (1858):

"O dizer pecava ainda por muito afrancesado." E sobre Recordações de Paris em Londres (1863):"Este livro [...] assim como é espirituoso, se fosse por igual louvável pela pureza da linguagem, seria um milagre." (Esboços de apreciações literárias, 1865). Mas se foi na escola francesa do folhetim que, apesar da sua galofobia, Camilo aprendeu a arte de novelar, não podemos deixar de referir também Balzac como modelo fundamental da novelística romântica portuguesa, inclusive a de Camilo, que nele admirava sobretudo a arte de criar grandes frescos sociais, as "cenas contemporâneas". Relativamente pouco lido em Portugal antes de 1850, Balzac serve primeiro de modelo a António Pedro Lopes de Mendonça (1826-1865) para as suas Cenas da vida contemporânea (1843) e também para Memórias de umdoido – Romance contemporâneo (1849, com nova versão em 1859), reflectindo-se esta influência sobretudo no Camilo de Cenas contemporâneas (1855-56), Cenas daFoz (1857) e Cenas inocentes da comédia humana (1863).

separador

* Álvaro Manuel Machado

Professor Catedrático da Universidade Nova de Lisboa.

separador

Bibliografia

França, José-Augusto, O Romantismo em Portugal, 2a ed., Lisboa, Livros Horizonte, 1993.

Machado, Álvaro Manuel, O "Francesismo" na literatura portuguesa, Lisboa, ICALP, "Biblioteca Breve ", 1984;

Les romantismes au Portugal. Modèles étrangers et orientations nationales. Paris, Fund. C. Gulbenkían,

1986; Do Romantismo aos romantismos em Portugal, Lisboa, Editorial Presença, 1996.

separador

Dados adicionais
Gráficos / Tabelas / Imagens / Infografia / Mapas
(clique nos links disponíveis)

Link em nova janela Cronologia

Topo Seta de topo

 

- Arquivo -
Clique na edição que quer consultar
(anos 1997 a 2003)
_____________

2003

2002

2001

1999-2000

1998

1998 Supl. Forças Armadas

1997
 
  Programa Operacional Sociedade de Informação Público Universidade Autónoma de Lisboa União Europeia/FEDER Portugal Digital Patrocionadores