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Onde estou: | Janus 1999-2000 > Índice de artigos > Um olhar para o passado > [Influências estrangeiras na literatura: da geração de 70 à modernidade] | |||
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ESTE ARTIGO CONTÉM DADOS ADICIONAIS CLIQUE AQUI! Antero de Quental (1842-1891), que desde então se torna o mestre da sua geração, será influenciado inicialmente sobretudo por Lamartine, Michelet e Hugo. Na fase das Conferências do Casino, ao conceito de decadência de Portugal, proposto por Antero, à maneira de Michelet, na sua conferência de 27 de Maio de 1871, é contraposta uma ideia de messianismo revolucionário proveniente da França da insurreição da Comuna de Paris. Michelet foi para Antero uma espécie de deus. Quando, em 1866, parte para Paris, Antero visita Michelet e, já depois das Conferências do Casino, em Agosto de 1877, num período de plena maturidade criadora, Antero, de novo em Paris, escreve um breve ensaio em que confessa ser "um dos seus discípulos portugueses". Paralelamente, uma outra imagem da França se forma na obra de Antero, da mesma maneira que na de Eça: a da mitológica cidade de Paris da segunda metade do século XIX de que fala Walter Benjamim, a Paris de Baudelaire. Um outro imaginário romântico, recriado no interior do próprio "realismo", através da personagem Carlos Fradique Mendes, inventado por Antero, Eça e Jaime Batalha Reis (1847-1935) em 1869, no folhetim de A Revolução de Setembro. Eça de Queirós (1845-1900) é o exemplo supremo dessa espécie de "fatalismo" da influência francesa no século XIX português. Ironizando sobre ele, através de todas as marcas deixadas na sua obra, de Hugo e Baudelaire a Flaubert, Eça, no já citado texto famoso, "O francesismo", publicado postumamente e escrito provavelmente um ou dois anos antes da sua morte, resume a atitude contraditória de toda a sua geração, tornada a dos "Vencidos da Vida" no Portugal finissecular. Mas não poderemos deixar de referir ainda outros escritores desta geração profundamente influenciados pelos românticos franceses ou pela própria mitologia da França: Ramalho Ortigão (1836-1915), pitorescamente, com Em Paris (1868); Guerra Junqueira 1850-1923), transpondo a grandiloquência cósmica de Hugo para o seu limitado anti-clericalismo republicanista; Teófilo Braga (1843-1924), que, apesar de também ter sido muito influenciado pela cultura germânica, foi tradutor de Chateaubriand, imitando Hugo em Visão dos Tempos e Tempestades sonoras (1864); Gomes Leal (1848-1921) entre Hugo e Baudelaire, este sobretudo em Claridades do Sul (1875), prenunciando Cesário Verde (1855-1886), o grande mestre da modernidade em poesia com O Livro de Cesário Verde (1873-1876), com edição inicial em 1887 e várias reedições posteriormente, refundidas e aumentadas. Refira-se ainda, como historiador e também crítico literário, Oliveira Martins (1845-1894), influenciado sobretudo por Michelet, Renan, Edgar Quinet e Proudhon, exaltando uma síntese ideal para o final do nosso século XIX: a do pensamento francês com o pensamento alemão, o primeiro servindo de intermediário ao segundo, sobretudo em Portugal contemporâneo (1881). Fialho de Almeida (1857-1911), num período finissecular de transição, foi muito influenciado pelo naturalismo-realismo e também pelo decadentismo franceses, sobretudo em Contos (1881), criando uma linguagem expressionista, precursora da ficção portuguesa moderna.
De Fernando Pessoa a Raul Brandão Naquilo que, muito genericamente, poderemos chamar de fase moderna e contemporânea da literatura portuguesa, Fernando Pessoa (1888-1935) é o caso mais complexo de recepção de culturas e modelos literários estrangeiros, com relevo evidente para a Inglaterra, pela sua própria educação britânica na África do Sul. Pessoa situa-se, de facto, numa encruzilhada de tendências estéticas, entre o neo-romantismo e o decadentismo finissecular de António Nobre (1867-1900) com Só (1892), o simbolismo do Eugénio de Castro (1869-1917) de Oaristos (1890) ou de Camilo Pessanha (1867-1926), sem dúvida mais original, em Clépsidra (1922), ou ainda o saudosismo de Teixeira de Pascoaes (1877-1914) e de António Patrício (1878-1930). A criação portentosa dos heterónimos (sendo o do poeta vanguardista Álvaro de Campos muito influenciado pelo poeta americano Walt Whitman), projecta a sua obra no futuro, revelando quer influências estrangeiras múltiplas, quer as férteis contradições da própria vanguarda futurista do início do século, predominantemente italiana. Desta vanguarda são também representantes: um outro poeta da geração da revista Orpheu (1915), escritor e pintor, Almada Negreiros (1893-1970), autor do programático Manifesto anti-Dantas (1915) e originalíssimo novelista (A engomadeira, 1917 e Nome de guerra, 1938); e um companheiro de Pessoa que se suicidou em Paris, Mário de Sá-Carneiro (1890-1915), deixando uma extraordinária obra polimorfa, entre o decadentismo-simbolismo de origem francesa e o futurismo italiano, quer como novelista (Princípio, 1912, A confissão de Lúcio, 1914, Céu emfogo, 1915) quer como poeta. Mas Fernando Pessoa foi também um teórico e um crítico literário, frequentemente bastante polémico e nitidamente anglicista, além de um ficcionista-memorialista fragmentário, influenciado pelo suíço Amiel, em Livro do Desassossego, obra inacabada, atribuída ao semi-heterónimo Bernardo Soares e só publicada, numa primeira versão, em 1982. Passando para a ficção do início do nosso século, há um genial inovador, quase contemporâneo de Pessoa: Raul Brandão (1867-1930).; A sua obra-prima, o romance Húmus (1917), influenciado sobretudo pela literatura russa, em particular pelo modelo de Dostoievski (lido através de traduções francesas), criou uma estrutura narrativa fragmentária de um lirismo expressionista e visionário de extrema originalidade, de que fora precursor Fialho de Almeida.
A revista "Presença" Ambos, Fernando Pessoa e Raul Brandão, foram autores decisivos para o chamado Segundo Modernismo da revista Presença (1927-1940), cujos principais representantes, José Régio (1901-1969), ensaísta, poeta, romancista (destaque-se sobretudo Jogo da cabra-cega, 1934) e João Gaspar Simões (1903-1987), crítico e autor dum romance introspectivo renovador (Elói ou Romance numa cabeça, 1932), foram nitidamente influenciados por grandes escritores franceses, em particular Proust e André Gide. Mas também ligados à geração de Presença e à influência predominantemente francesa estiveram três outros grandes escritores: Vitorino Nemésio (1901-1978), investigador erudito, originalíssimo romancista (Mau tempono canal, 1945) e poeta; Miguel Torga (1907-1995), criador duma mitologia bíblica e agrária pessoalíssima de origem transmontana, mas também marcado pela cultura ibérica, em livros de poesia (O outro livro de Job, 1936, Orfeu rebelde, 1958, etc.), contos (Bichos, 1940, Contos da montanha, 1941, Novos contos da montanha, 1944) e memorialismo compósito (Diário, 16 vols., alguns refundidos, 1941-1993); e Jorge de Sena (1919-1978), poeta, romancista e novelista, teórico e crítico cuja relação com as culturas brasileira e anglo-saxónica diversificou as perspectivas de criação literária. Paralelamente à geração de Presença, desenvolveu-se na literatura portuguesa contemporânea uma tendência neo-realista, de influências predominantemente brasileira (Jorge Amado, entre outros) e italiana, de que o precursor na ficção foi Ferreira de Castro (1898-1974), com romances como Emigrantes (1928) e A selva (1930), e de que os mais significativos representantes foram Alves Redol (1911-1969), desde Gaibéus (1939) e Fernando Namora (1919-1989) desde As setepartidas do mundo (1938). Voltando à predominância da influência francesa, refira-se antes de mais Vergílio Ferreira (1916-1996), que começou por estar ligado ao neo-realismo dos anos 40, mas dele se separa com os romances Mudança (1949) e Aparição (1959), abrindo as portas à influência do existencialismo francês de Malraux, Sartre e Camus e atingindo a plenitude dum romance de múltiplas experiências da escrita (incluindo a do chamado nouveau roman) em Alegriabreve (1965), Nítidonulo (1971), Rápidaa sombra (1974), Parasempre (1983), Emnomedaterra (1990), Natuaface (1993). Nos anos 50 revelou-se uma genial romancista, Agustina Bessa-Luís (1922) que, partindo da análise sociopsicológica de antigas famílias da aristocracia rural de Entre-Douro-e-Minho, concilia regionalismo, metafísica e uma invenção de linguagem neo-barroca e neo-romântica, com influência, sobretudo, de Proust, pela estrutura espaciotemporal da narrativa e a importância dada à fragmentação mitificante da memória em obras-primas universais como: A Sibila (1954), Temosguerreiros (1960), Omanto (1961), CrónicadoCruzadoOsb. (1976), OMosteiro (1980), Osmeninosdeouro (1983), ValeAbraão (1991) e Umcãoquesonha (1997). Da mesma geração dos anos 50 e na ficção, destaca-se ainda, pela predominante influência da literatura francesa, Urbano Tavares Rodrigues (1923), desde A portados limites (1952). José Cardoso Pires (1925-1998), desde Caminheiros e outroscontos (1949), mas sobretudo com O anjo ancorado (1958) e O delfim (1968), procura novos modelos, particularmente os das literaturas norte-americana e latino-americana. Nos anos 60, com rastos do romantismo alemão e marcas do recente nouveauroman francês, a mais importante revelação foi Almeida Faria (1943) com Rumorbranco (1962), atingindo a plenitude lírica e metafórica dum certo tipo de "romance de educação", derivado quer de Rousseau quer de Goethe, em A paixão (1965).
Nos nossos dias Os anos 70-80 viram surgir sobretudo a revelação de José Saramago (1922), que se impôs com Memorial do convento (1982), atingindo a consagração universal com o primeiro Prémio Nobel da literatura portuguesa (1998) e cultivando uma escrita predominantemente neo-barroca, por influência sobretudo da literatura latino-americana. A poesia portuguesa contemporânea, revelando uma extrema variedade de tendências e um excepcional poder criador, denota influências múltiplas, com predominância da francesa e também do modelo de Rilke, em, por exemplo, Sophia de Mello Breyner Andersen (1919) desde Poesia (1944); Eugénio de Andrade (1923) desde As mãos e os frutos (1948); os surrealistas Mário Cesariny de Vasconcelos (1923) desde Corpo visível (1950) e Alexandre O’Neill (1924-1986) desde Tempo defantasmas (1951); António Ramos Rosa (1924) desde O grito claro (1958); David Mourão-Ferreira (1927-1996) desde A secreta viagem (1950); Fernando Guimarães (1928), desde A face junto ao vento (1956); e Herberto Helder (1930) desde O amorem visita (1958). Mais recentemente, nos anos 80-90, diversificaram-se as influências, podendo falar-se duma mudança no interior dum imaginário que, sem deixar de ser extremamente original, se abre sobretudo aos modelos anglo-saxónicos.* Álvaro Manuel Machado Professor Catedrático da Universidade Nova de Lisboa. Bibliografia Lopes, Óscar, Entre Fialho e Nemésio. Lisboa. Imprensa Nacional/Casa da Moeda. 1987, 2 vols. Lourenço, Eduardo, O Canto do Signo. Existência e Literatura, (1957-1993) Lisboa, Ed. Presença, 1994. Machado, Álvaro Manuel, A novelística portuguesa contemporânea, 2ª ed., Lisboa. ICAI.P ("Biblioteca Breve"), 1984; Do Romantismo aos romantismos em Portugal. Lisboa Ed. Presença, 1996; A Geração de 70. Uma revolução cultural e literária. 4ª ed., rev. e aumentada. Lisboa, Ed. Presença, 1998. Martinho. J. B., Pessoa e a moderna poesia portuguesa - do "Orpheu" a 1960, Lisboa. ICALP, ("Biblioteca Breve"), 1983.
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