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Português e Galego, línguas novilatinas

Justino Mendes de Almeida *

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Novilatinas, ou formas novas resultantes da evolução multissecular do latim falado ao longo de sete séculos, Português e Galego são as mais ocidentais modalidades linguísticas representativas do idioma romano imperial. Não como derivados do latim literário, que se lê em Cícero ou Virgílio, mas da língua vulgar ou coloquial de uso quotidiano, que se regista, por exemplo, no Satíricon de Petrónio, o primeiro romance das literaturas ocidentais, na epigrafia, em tratados técnicos e em textos religiosos cristãos.

Do conjunto das línguas novilatinas ou românicas, das ocidentais à mais oriental, o Romeno, Português e Galego indiciam desde logo uma vitalidade autonómica e uma clara diferenciação em relação à unidade linguística da península ibérica, só quebrada, em relação ao Galego, pela força linguística de Castela e pela grande energia político-militar desta região. Nas margens do rio Minho, a oeste e a noroeste da península, a partir do substrato linguístico autóctone, de índole céltica (o nome da província romana do Noroeste, criação do imperador Diocleciano, é um testemunho de celticidade: GALL-AECIA é inseparável de GALLIA, país celta por excelência. O etnónimo correspondente GALLAECVS é formado por um sufixo autóctone, final de muitas palavras galego-portuguesas e espanholas em - ego/ -iego, deduções a que chegou o Prof. Joseph M. Piei, autoridade incontestada).

Dominada pelo superstrato do Romano invasor e vencedor, constitui-se uma língua substancialmente uniforme, comunidade étnica e idiomática, ainda que por certo com particularidades dialectais de um e de outro lado. Até que ponto Galego e Português divergiam já neste primeiro período? Em que consistiria uma relativa unidade linguística por certo existente? Respondem Pilar Vásquez Cuesta e Maria A. Mendes da Luz: faltam estudos sobre documentos das duas zonas que nos assegurem uma visão da realidade idiomática mais autêntica do que aquela que os Cancioneiros deixam transparecer. Posição confirmada, mais tarde, por Ramón Lorenzo.

Um trabalho recente, 1997, de Clarinda de Azevedo Maia – História do Galego-Português – decisivo para o estudo histórico-linguístico do Português e do Galego, enriquecido por excelente documentação não literária, na maioria inédita, e ilustração, veio derramar muita luz sobre um período ainda obscuro da linguística portuguesa, não obstante os esforços já despendidos para o seu melhor conhecimento – e, do lado português, ressaltará sempre o nome de Luís Lindley Cintra. Porque, se não é muito difícil acompanhar a evolução das duas línguas a partir de meados do séc. XIV, até então tudo se torna mais complicado. Não me refiro ao estudo fonético e fonológico, de grafemas e fonemas, do vocalismo e consonantismo, da morfologia e da sintaxe, que esse realizou-o Clarinda Maia quase até à exaustão, mas à fixação dos marcos cronológicos de aparecimento das duas línguas e sua evolução. São aspectos ainda tão mal conhecidos que, não há muito, com algum exagero, é certo, se afirmava que "dos dialectos falados na Idade Média não conhecemos praticamente nada" (Charles Gossen, cit. por Clarinda Maia).

Língua da província romana da Galécia imbuída de celtismos indígenas, terá passado decisivamente por uma fase transitória bilingue, mas veio a permanecer, até muito tarde, através de convulsões e de integrações linguísticas germânicas, de Suevos e de Visigodos, e arábicas (a partir de 711), como expressão de uma cultura e de uma literatura galego-portuguesa desde os finais do séc. XII, de poetas e trovadores, dotados de vocação artística singular.

Portugueses e Galegos são então modelos de cortesia, de fidelidade, de valentia, de amor e de nobreza, a quem não falta também a agressividade verbal, se lhes era despertada pelo escárnio ou pelo maldizer. Por quanto ainda nos ficou dos Cancioneiros poderá deduzir-se que o comentário político e religioso assumiu ali dimensão audaciosa. Sabemos, no entanto, que a língua dos Cancioneiros, cópias restritas de um arquétipo perdido, é, como dizia Carolina Michaëlis, "português ilustre", distante, portanto, das variantes dialectais. Não se esqueça a existência de um conjunto de monumentos jurídicos, redigidos em torno de Afonso X – Flores de Ias leys, Partidas e Fuero Real –, que, tendo sido estudados no seu interesse jurídico – algumas disposições transitaram para as Ordenações Afonsinas –, são, contudo, do maior relevo para o estudo da língua, pois o códice que contém versões portuguesas destes textos situa-se ainda no séc. XIII.

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A separação dos idiomas

Efectivamente, a distinção entre Galego e Português, ocasionada por vicissitudes políticas de Portugal e da Galiza, acentua-se nos primeiros textos extensos redigidos em português no séc. XII — ainda que documentos jurídicos, em latim bárbaro, testemunhem, a partir do séc. IX, muitas palavras que consideramos já portuguesas – enquanto o Galego, como língua regional, é usado, a partir do séc. XIII, em documentos públicos, em traduções e em obras originais. É a fase do Galego arcaico.

A separação definitiva dos dois idiomas interminienses verifica-se de facto no séc. XIV, sendo o Português língua de nação autónoma, contrariamente ao Galego, submetido, como dissemos, ao poderio político-linguístico de Castela e incorporado neste reino. Está hoje rigorosamente apurada, por Avelino de Jesus da Costa, a cronologia dos mais antigos documentos escritos em português.

No entanto, o Galego conserva um grande vigor linguístico autonómico, que, aliado a uma força política muito forte defende, em tempos modernos, servindo-se de todos os meios disponíveis, com grande relevo para os culturais, uma independência política, económica, linguística, cultural, que se tem acentuado de ano para ano, com activa participação dos seus 2,7 milhões de habitantes.

Tentativas, contudo, ainda que isoladas, de regresso a um passado linguístico comum a Portugal e à Galiza, têm naturalmente soçobrado. Se outras razões não houvesse, a existência de duas línguas, independentes, com individualidade própria, "muito aparentadas, mas muito diferentes" (Clarinda Maia), acentuada com o decorrer dos séculos, seria só por si razão mais que suficiente para rejeitar a ideia de um regresso à comunidade linguística galego-portuguesa, que no séc. XIII foi expressão de uma brilhante literatura comum, mas que hoje seria absurdo tentar restabelecer. Estão, de resto, estudadas a preceito as principais diferenças entre o Português e o Galego moderno.

Tudo isto não é em nada impeditivo do melhor relacionamento político e cultural existente entre Portugal e Galiza, estreitamento que por certo frutificará em anos futuros, sem prejuízo das autonomias próprias, portuguesa e galega, servidas por "una cultura similar cuya expresión paradigmática es el viejo tronco linguístico galaico-portugués de donde derivaron nuestros respectivos idiomas", nas palavras exactas de Manuel Fraga Iribarne, lucidíssimo presidente da Xunta de Galicia. "La tendência a vivir de espaldas", alegada por Hipolito de La Torre, como dominante "en la historia de nuestros dos países", não é aplicável ao binómio Portugal/Galiza, porque neste caso não faltaram, nem faltarão, exemplares modalidades de cooperação e convivência, diríamos mais, de vivência comum, herdados de antiquíssima adoração a Sant’Iago, a que a Rainha Santa Isabel nos obriga pelo seu exemplo indelével e norteador, assentes no respeito pêlos direitos de cada povo.

 

Informação Complementar

Ley VIª como deuem seer conpridas as leys

Compridas deue a seer as leys e muy contendas e muy cuydadas e catadas de guisa que seiã feytas cõ rrazõ e sobre cousa que possa seer segundo natura e as palauras dellas que seiã boãs e chaas e declaradas de maneyra que todo home as possa be entender ena memorya.

E outrossy am de seer ssem escatima e sse pontaria per que nõ possam sair os homes do dereito ne sacar rrazon tortiçeira per seu mao entendimento querendo mostrar a metira por uerdade por metira.

Afonso X, Primeyra Partida. Ed. de José Azevedo Ferreira.

(Fragmento de cópia portuguesa eivada de formas de um original galego.)

 

Português e galego: razões políticas de diferenciação, segundo um gramático quinhentista

“... ficou notável diferença entre ela (Catalunha) e a língua de Castela e das de Galiza e Portugal, as quais ambas eram antigamente quase uma mesma, nas palavras e nos ditongos e pronunciação que as outras partes de Espanha não têm.

Da qual língua galega a portuguesa se avantajou tanto, quanto na cópia como na elegância dela vemos. O que causou por em Portugal haver reis e cortes que é a oficina onde os vocábulos se forjam e pulem e donde manam para os outros homens, o que nunca houve em Galiza...”

Duarte Nunes de Leão, Ortografia e Origem da Língua Portuguesa. Ed. de Maria Leonor Buescu.

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* Justino Mendes de Almeida

Professor e Reitor da UAL.

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