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História das migrações portuguesas

Maria Beatriz Rocha-Trindade*

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As grandes etapas da emigração Portuguesa dos princípios do século XIX até ao momento presente podem considerar-se, com toda a arbitrariedade envolvida em qualquer tentativa de classificação, como três fases ou ciclos da emigração portuguesa, apresentando características distintas.

Definimos, inicialmente, um ciclo clássico, correspondendo essencialmente a movimentos transoceânicos de pessoas, com uma tendência dominante para a radicação definitiva nos países de destino e que abrange a maior parte do século anterior e metade do presente.

A este sucede-se um ciclo moderno, abrangendo o terceiro quartel do século XX, em que é dominante (sem exclusão das demais) a emigração intra-europeia. Caracterizam-no uma marcada tendência para deslocações pendulares entre o país de destino e o país de origem, denotando uma forte ligação aos interesses e relações remanescentes neste último.

Finalmente, vivemos actualmente o ciclo contemporâneo da emigração portuguesa que pode convencionalmente situar-se a partir de 1975, dominado pelo princípio da livre circulação de trabalhadores no espaço da actual União Europeia, passando os fluxos emigratórios apontados a outros destinos a assumir carácter mais temporário ou, nos demais casos, muito menos substancial. No seu total resultou deste movimento emigratório, com quase dois séculos de existência, um número de Portugueses e Luso-Descendentes residentes no estrangeiro cuja dimensão atinge os quatro milhões e meio de indivíduos como tal registados pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros.

 

O Ciclo Clássico da Emigração Portuguesa

O destino brasileiro foi largamente dominante durante o século XIX, prolongando-se pela primeira metade do século XX. A partir da independência do Brasil, veio a afirmar-se naquele país, progressivamente, o predomínio da «política imigrantista», por oposição à tradicional corrente «esclavagista», ambas obviamente inspiradas na necessidade de assegurar mão-de-obra para o povoamento e para o desenvolvimento económico do novo Estado.

Sucessivas levas de imigrantes foram recrutadas inicialmente para a actividade agrícola (designadamente para a lavoura cafeeira), sobretudo a partir dos países europeus; além de Espanhóis, Italianos e Alemães, foram os Portugueses que forneceram o maior contingente de imigrantes. Posteriormente voltados para as actividades comerciais, os últimos radicaram-se em grandes números na terra brasileira, tendo alguns deles alcançado assinalável sucesso económico. Poderosas associações portuguesas, entre as quais se destacam os Gabinetes de Leitura instalados nas principais cidades brasileiras, dão a medida desse êxito; o mesmo se reflecte na importante obra de benemerência e nos investimentos significativos que alguns destes «Brasileiros» efectuaram em Portugal. Não será lícito, no entanto, generalizar esses casos: muitos emigrantes regressaram a Portugal em situação de miséria ou de doença ou, continuando no Brasil, perderam-se no anonimato e lá morreram, depois de uma vida cheia de dificuldades.

Embora com muito menor dimensão, o destino dos Estados Unidos da América foi muito importante para a emigração portuguesa durante o século XIX, mantendo assinalável regularidade no século seguinte e mesmo até ao presente. A corrente principal teve origem nas ilhas atlânticas dos Açores, estimulada pelo recrutamento americano de marítimos destinados à actividade pesqueira, vindo a radicar-se sobretudo na Costa Leste dos Estados Unidos, desde os inícios daquele século. Como indicação, registe-se que entre 1870 e 1880 o número anual de chegadas veio a atingir as duas mil unidades. Mais tarde, tanto esta actividade como a do sector agrícola e pecuário vieram a determinar uma fixação na Califórnia, a qual passou a constituir, também, um destino específico da emigração açoriana. Neste contexto, manteve-se sempre uma interacção forte entre as comunidades radicadas na América e as terras insulares de origem, facilitando a continuidade do processo migratório através de laços familiares e de conterraneidade. Trata-se, em geral, de uma emigração plenamente sucedida, traduzida pela existência de sucessivas gerações de descendentes, os quais em muitos casos se continuam a reclamar da qualidade de Luso-Americanos.

Os outros fluxos emigratórios portugueses referenciados a partir do século XIX têm muito menor dimensão: para a Argentina, Demerara (ex-Guiana Inglesa) e ilhas Sandwich (actual Estado americano do Hawaii), entre outros. Apenas o último caso indicado merece especial referência, na medida em que a comunidade originária da emigração portuguesa, cuja radicação se iniciou em 1878, mantém até aos dias de hoje uma forte consciência das suas origens e goza de apreciável prestígio naquela minúscula parcela da nação americana.

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O Ciclo Moderno

A reconstrução europeia após as sequelas de destruição da 2.ª Guerra Mundial, alicerçada nos financiamentos do Plano Marshall, deu origem a um surto de desenvolvimento dos países do Centro e Norte da Europa, provocando uma explosão da oferta de emprego. Em consequência, desenvolve-se nos anos 50 e 60 uma forte corrente de migração intra-europeia, a partir dos países do sul, entre os quais Portugal. O ano de 1963 marca a transição da emigração de dominante transatlântica para a dominante continental, sendo o Brasil ultrapassado em efectivos, pela primeira vez, pelo destino francês. Constituído este fluxo, na sua maior parte, pela emigração clandestina para França (onde chegaram a estar imigrados mais de um milhão de Portugueses), essa corrente dirigiu-se também para a Alemanha, Luxemburgo, Suíça, Bélgica, Holanda e Grã-Bretanha.

De características muito diferentes das migrações transoceânicas, dada a relativa facilidade do percurso e a quase inexistência de restrições à entrada de mão-de-obra estrangeira na maior parte dos países receptores, a migração intra-europeia caracterizou-se pela procura de realização económica a curto prazo, traduzida por trabalho intensivo e prolongado, despesas reduzidas ao mínimo essencial e, consequentemente, pela realização de aforros significativos, quase integralmente investidos em Portugal. Os poucos milhares de quilómetros entre o país de origem e os de destino, a pouco mais de um dia de viagem de comboio e apenas a algumas horas por via aérea, tornaram possível a visita frequente dos emigrantes às suas terras natais e, inversamente, as visitas ao estrangeiro dos familiares e amigos residentes em Portugal.

Verificou-se, na maioria dos casos, uma verdadeira generalização do sucesso económico proporcionado pela emigração, o qual, embora não atingindo o nível das grandes fortunas, proporcionou melhorias substanciais da vida material: melhor educação para os filhos, aumento dos consumos e investimentos do quotidiano, renovação ou construção de uma casa de habitação em Portugal, instalação de negócios ou iniciativas empresariais, geralmente de pequena dimensão. Posteriormente, novos investimentos vieram a ter lugar nos países de implantação onde, se construíram residências e se constituem actividades empresariais de alguma dimensão. Não significa isto que a corrente intra-europeia, ainda que largamente dominante nas décadas de 60 e 70, tenha feito cessar a emigração para outros destinos transoceânicos.

Além do caso já referido dos Estados Unidos e da manutenção de uma visível corrente para o Brasil, passaram entretanto também a ser destinos significativos a África do Sul (com uma colónia portuguesa estimada em 600 000 pessoas, das quais uma parte importante proveniente do arquipélago da Madeira e, igualmente, de Angola e de Moçambique após as respectivas independências); a Venezuela, destino que se delineou a partir do meio do século (1948), vindo a atingir cerca de 400 000 pessoas (maioritariamente provenientes da Madeira, do distrito de Aveiro e do Centro algarvio, no Continente); o Canadá, com mais de meio milhão de Portugueses residentes, em resultado de um fluxo regular iniciado em 1953 e sempre crescente até 1974, data em que foi atingido o máximo anual de 16 300 emigrantes; e muitos outros destinos de menor dimensão, entre os quais a Austrália, mesmo assim com mais de 50 000 portugueses residentes.

Uma outra característica importante deste ciclo foi o da especialização dos destinos, consoante as regiões de proveniência: em muitos casos assistiu-se à formação de comunidades bipolares, em que uma parte da população de uma área restrita do país (com dimensão pouco maior do que concelhia) se veio a fixar num destino também muito preciso, em geral uma cidade de grande ou média dimensão. Em alguns casos o mútuo conhecimento e as solidariedades assim geradas vieram a dar origem a um poderoso movimento associativo decorrente de pertenças comuns que, em muitos casos, deram título às próprias associações; bem como a geminações internacionais entre as localidades envolvidas neste mesmo processo.

 

O Ciclo Contemporâneo

Abrangendo o último quartel deste século, o ciclo iniciou-se com dois acontecimentos marcantes para o contexto português. De origem externa, a chamada "crise do petróleo" (1973), desequilibrando as economias europeias pelo aumento explosivo do preço daquela matéria-prima essencial, provocou uma travagem brutal na oferta de emprego e, consequentemente, uma tentativa de bloquear a entrada de novos imigrantes, por parte dos países receptores, bem como o estímulo ao retorno dos estrangeiros neles residentes.

O segundo acontecimento, de ordem puramente interna, foi a mudança de regime político em Portugal, ocorrida um ano depois, a qual induziu tanto o regresso de numerosos exilados políticos, como uma expectativa de retorno maciço de emigrantes económicos (o que, afinal, neste caso, não veio a acontecer). O efeito conjugado destes dois eventos poderia ter resultado na extinção quase completa da corrente de emigração para a Europa, não fora o facto superveniente da adesão efectiva de Portugal à então Comunidade Económica Europeia (1986), abrindo aquele espaço à livre circulação de trabalhadores.

A emigração portuguesa intra-europeia perdeu, em termos estritamente legais, esse carácter, dado que não existe hoje controlo das fronteiras internas da União Europeia, sendo os seus cidadãos livres de circular, de se estabelecer e de aceitar trabalho, muito embora exista um quadro regulamentar de referência que prescreve as condições da sua concretização. A única excepção a este contexto, nos destinos portugueses para a Europa Ocidental, é representada pela Suíça que, não fazendo parte da União Europeia, continua a ser um importante país receptor de mão-de-obra estrangeira.

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* Maria Beatriz Rocha-Trindade

Doutorada em Sociologia pela Universidade de Paris I – Sorbonne. Agregada em Sociologia pela FCSH da Universidade Nova de Lisboa. Professora Catedrática da Universidade Aberta. Directora do Centro de Estudos das Migrações e das Relações Interculturais/CEMRI (Ministério da Ciência e Tecnologia).

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