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A neutralidade portuguesa na Segunda Guerra Mundial

António José Telo*

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Os responsáveis nacionais tinham uma visão clássica do posicionamento português no mundo. Consideravam que a aliança com a Inglaterra era a sua principal referência e a única garantia da manutenção do Império e das comunicações marítimas. Simplesmente, moderavam esta opinião com a ideia de que Portugal podia e devia obter uma maior margem de manobra dentro da aliança, o que se justificava pela perda de importância da Inglaterra e o crescimento do poder alemão e italiano na Europa. Esta era, pelo menos, a visão de Luís Teixeira de Sampaio e de Oliveira Salazar, embora outras personalidade marcantes para a política externa nacional, como Armindo Monteiro, achassem que a margem de manobra em relação a Londres não era muito maior que a normal e o país não se podia iludir com a ideia que havia uma alternativa à Secular Aliança. Os EUA eram encarados pela generalidade do Governo português como um rival da Europa e temidos pelo seu espírito pragmático e "materialista" e por fomentarem o fim dos Impérios europeus.

É preciso recordar que Portugal ajudou a criar uma situação difícil na Península antes de 1939 ao apoiar a formação de um regime em Espanha claramente favorável ao Eixo, que podia ser tentado a entrar na guerra caso as democracias ocidentais estivessem à beira da derrota. A situação leva a que Lisboa considere a manutenção da neutralidade espanhola um dos objectivos centrais da política externa, sempre na ilusão de que tem grande influência em Madrid. É uma ilusão que se vai manter como uma constante nos anos da guerra e será mantida depois através do mito de que foi Portugal que "segurou" a Espanha e a impediu de entrar na guerra ao lado do Eixo. Este será um ponto central da propaganda do Estado Novo. Por detrás dele está a ideia ilusória de que o regime de Franco se deixaria orientar na sua política externa pelos "conselhos" do pequeno Portugal e até talvez por sentimentos de gratidão desenvolvidos durante a guerra civil. A Espanha, obviamente, orientou-se na sua política externa sempre pela sua leitura do que eram os interesses do Estado e do regime.

 

A neutralidade na fase de supremacia do Eixo

Em termos simples, a manutenção da neutralidade portuguesa fica a dever-se em larga medida à evolução da situação, bem patente no facto de nunca ninguém pedir a beligerância do país.

O momento mais perigoso surge depois da queda da França (Junho de 1940), quando a Alemanha prepara uma grande ofensiva para sul (Mediterrâneo e Norte de África), onde se incluía o ataque a Gibraltar (operação Félix), uma eventual investida contra Lisboa e a ocupação de Cabo Verde e da Madeira. Não se pensa nos Açores, pois a marinha alemã sabe perfeitamente que, mesmo que os consiga ocupar num ataque de surpresa, seria incapaz de resistir ao imediato contra-ataque inglês.

Madrid a partir de fins de Junho de 1940 quer entrar na guerra, pois pensa que esta já foi ganha pelo Eixo. Simplesmente, o franquismo apercebe-se que a Alemanha não lhe garante o fornecimento de produtos vitais (petróleo, matérias-primas, trigo, borracha, etc.), nem lhe promete as colónias francesas e a hegemonia peninsular, que são as suas maiores ambições. Isto leva a que a Espanha, a partir de Setembro de 1940, recue e passe a seguir uma política cautelosa de responder às pressões da Alemanha para entrar na guerra com o famoso "sim...mas", colocando condições que sabe que Berlim não pode dar. Os Aliados entretanto preparam planos para ocupar os Açores, Cabo Verde, a Madeira e os pontos estratégicos do Império assim que o primeiro soldado alemão passar os Pirinéus, pois sabem que tal é o primeiro passo, de um ataque a Gibraltar. A esquadra aí estacionada teria de se retirar para não sofrer o ataque da artilharia e dos aviões, mas precisava de se manter numa posição onde pudesse continuar a controlar a zona do estreito. Segundo o Almirantado britânico, a única alternativa eram os Açores, pelo que estes teriam de ser ocupados assim que se soubesse que Gibraltar ia ser atacada. Também os EUA preparam planos para ocupar os Açores em começos de 1941, pois temem um colapso da Inglaterra e uma ocupação de toda a Europa por uma Alemanha hostil, situação em que as ilhas portuguesas seriam a fronteira do continente americano.

Portugal ignora os planos aliados ou do Eixo, mas não confia nas garantias espanholas, pelo que segue uma política dupla de aproximação com a Inglaterra (começam a ser preparados planos militares conjuntos em começos de 1941) e de procurar contentar o Eixo e a Espanha com concessões económicas. Reconhece-se que não há hipótese de defender o continente contra um ataque, pelo que se preparam planos para o Governo retirar para os Açores nessas circunstâncias.

A situação permanece tensa até começos de 1941, mas então a Alemanha decide atacar a URSS antes de empenhar os seus recursos a sul, pelo que os Aliados adiam os planos de ocupar os Açores e Portugal consegue manter a neutralidade. Podemos dizer, em resumo, que a manutenção da neutralidade portuguesa na primeira fase da guerra que corresponde à supremacia do Eixo se ficou a dever ao facto de a Alemanha não conseguir reunir as condições que permitiriam a sua ofensiva para sul e ser levada a apostar numa estratégia continental de tentar derrotar primeiro a Rússia. A neutralidade peninsular interessava a ambos os lados.

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A neutralidade na fase de equilíbrio de forças

A segunda fase da guerra começa em Dezembro de 1941, com entrada dos EUA no conflito e o falhanço da ofensiva alemã sobre Moscovo. São principalmente os aliados que colocam em causa a neutralidade portuguesa em 1942/1943, pois sentem a necessidade de usar os Açores na Batalha do Atlântico, que lhes corre mal.

Simplesmente, sempre que as marinhas aliadas levantam a questão, a resposta dos responsáveis da estratégia comum é que não se pode pensar em tal enquanto não se controlar firmemente o Norte de África, pois é mais importante manter a neutralidade da Península. A Inglaterra e os EUA, na realidade, tinham decidido dar prioridade à derrota da Alemanha e começar a ofensiva contra ela por um desembarque no Norte de África francês (Marrocos e Argélia), passo necessário para atacar em seguida a Itália. Nesta situação era importante manter a neutralidade da Espanha, vizinha do Marrocos francês.

Em termos gerais, podemos dizer que a neutralidade nesta fase se fica a dever ao facto de ser mais importante a defesa do statu quo da Península do que o uso de bases nos Açores. A política externa portuguesa é orientada por uma preocupação de manter uma neutralidade estrita e por um afastamento momentâneo em relação

aos Aliados nos momentos de crise - como quando da ocupação de Timor pelos australianos.

 

A neutralidade na fase de supremacia aliada

A terceira fase da guerra começa em meados de 1943, quando os Aliados passam à ofensiva em todas as frentes e nomeadamente expulsam o Eixo do Norte de África. Na cimeira Trident, Churchill e Roosevelt já não estão amarrados pelas anteriores preocupações e decidem ocupar bases nos Açores a curto prazo, com ou sem autorização portuguesa. Portugal reconhece já que os aliados vão ganhar a guerra e internamente há grandes preocupações com o futuro dos regimes ibéricos, numa altura em que se sabe que o fascismo italiano está a pontos de cair. Neste contexto, o pedido inglês para ceder bases nos Açores, apresentado em meados de 1943, surge como uma oportunidade única que garante a manutenção do regime, pelo que é rapidamente aceite em princípio, embora as negociações para a sua concretização se prolonguem por longas semanas. Há a preocupação de preparar militarmente o país para uma eventual resposta do Eixo, mas a verdade é que a Alemanha não está interessada numa resposta militar.

É de salientar que Portugal cede as bases nos Açores à Inglaterra e não aos Aliados, recusando sempre a presença permanente de unidades militares americanas, numa atitude reveladora sobre os seus receios em relação aos EUA. Só em meados de 1944, quando precisa dos americanos para recuperar Timor e para obter os fornecimentos de produtos essenciais que a Inglaterra não tem, é que Lisboa ensaia uma aproximação tímida com Washington. É então negociado o uso da base de Santa Maria em troca da promessa de participar na recuperação de Timor no final da guerra.

Os Açores tornam-se especialmente importantes para os EUA em termos do estabelecimento de uma ponta aérea para a Europa e o Mediterrâneo, necessidade sentida pela primeira vez. Ao contrário do que normalmente se afirma, os Açores não são um contributo importante para ganhar a guerra submarina, pois ela estava decidida quando as bases foram ocupadas. São, isso sim, o mais importante pilar da ponte aérea para a Europa que se monta pela primeira vez devido à maturidade da aviação de transporte estratégica.

Na fase final da guerra a principal preocupação em termos da política externa nacional é a de garantir o futuro do regime, que passa em primeiro lugar pela sua aceitação pelos Aliados. E esta preocupação que orienta a aproximação de Lisboa à Inglaterra e aos EUA. Continua a notar-se uma preocupação excessiva com o poder e as possíveis reacções da Alemanha, que faz com que o país resista até muito tarde (Junho de 1944) às pressões aliadas para parar com as exportações de volfrâmio para o Eixo, o que provoca a maior crise nas relações com a Inglaterra. Só depois de esta ultrapassada (em Junho de 1944), se pode dizer que os Aliados ocidentais aceitam o regime salazarista e vão apostar na sua manutenção no pós-guerra, o que contribui de forma importante para o seu imobilismo.

A neutralidade portuguesa, em resumo, é sobretudo um produto das circunstâncias. Ela ficou a dever-se ao facto de o regime, ao contrário do que aconteceu em 1914/18, não precisar de forçar a beligerância para a sua manutenção ou a do Império e de a evolução da estratégia dos grandes poderes nunca ter levado ao envolvimento da península na zona de conflito, por razões que pouco têm a ver com a política de Lisboa. Ao longo da guerra fizeram sempre sentir-se duas forças: a tendência para a beligerância se alargar à zona do Atlântico português e a tendência para a neutralização da zona peninsular continental. Na primeira e na segunda fase da guerra, a segunda tendência foi mais forte que a primeira; na terceira fase, quando os Açores passam finalmente a ser usados activamente para operações bélicas, é o Eixo o primeiro interessado em não envolver a península no conflito, pelo que se limita a apresentar um protesto diplomático sem consequências.

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* António José Telo

Doutorado em História pela Faculdade de Letras de Lisboa. Professor Associado na Academia Militar.

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