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Portugal e o Médio Oriente: o espinhoso reencontro

José Goulão *

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O reencontro pleno entre Portugal e os povos e culturas do Médio Oriente é difícil de alcançar. Do lado português falta uma voz própria, livre de tabus, de ressentimentos e da teia de compromissos internacionais. Pelo caminho atravessam-se jogos estratégicos e guerras sem fim.

A distância geográfica sobrepõe-se ainda às afinidades históricas e civilizacionais na relação de Portugal com o Médio Oriente. A dominante africana do Império, os longos períodos de fusão entre Estado e Igreja Católica, e a "neutralidade" de Salazar na Segunda Guerra Mundial agudizaram em boa parte do século XX os efeitos de dois factores profundos que cruzaram os últimos 500 anos de História: o anti-judaísmo e a afirmação elitista do cristianismo sobre a cultura islâmica. Neste cenário genérico, os encontros entre Portugal e o Médio Oriente são pontuais, tanto do ponto de vista político como cultural; ou processam-se no âmbito de organizações ou acontecimentos internacionais onde tendem a diluir-se as afinidades específicas de povos que conviveram – nem sempre de forma pacífica, é certo – durante prolongados períodos históricos.

À entrada do século XX, principalmente durante os períodos de crise financeira, manifestaram-se afloramentos de anti-judaísmo, que corresponderam, de certo modo, à importação de uma tendência muito forte em França, mas que também reflectiram hábitos muito enraizados, tanto a nível intelectual como de massas.

Não foram esporádicas as insinuações anti-semitas a propósito da influência da oligarquia de banqueiros sobre o poder de Estado durante a crise financeira dos últimos anos do século XIX. Não faltaram, por outro lado, expressões de elitismo cultural em relação à civilização árabe e islâmica. O brilhantismo narrativo de ARelíquia de Eça não apaga, antes realça, o paternalismo dominante nos Impérios em relação a poderosas culturas às quais a Expansão tanto ficou a dever. Na transição da Monarquia para a República, o anticlericalismo foi um dos elementos mobilizadores de massas; o anti-semitismo latente teve, por isso, menor expressão perante a vivacidade da contestação dos amplos poderes da Igreja Católica.

A "neutralidade" na Grande Guerra e o isolacionismo salazarista, reforçados depois pela Guerra Colonial, mantiveram os portugueses efectivamente muito distantes dos problemas do Médio Oriente ou dos povos originários da região. Além disso, a "catolicização" do regime desencorajou, com firmeza de recorte inquisitorial, a investigação do património e influências deixados por outras culturas e religiões.

Os actos corajosos de Aristides Sousa Mendes e o modo como o poder de Lisboa os castigou permanecem, por isso, como uma denúncia da tolerância inicial de Salazar em relação às práticas expansionistas, racistas e exterminadoras de Hitler; uma tolerância que desvenda tendências anti-semitas próprias de um catolicismo místico e ultramontano.

Os novos alinhamentos

O fim da Segunda Guerra Mundial, o início da guerra fria e o nascimento da Aliança Atlântica alteraram profundamente as relações de forças a nível mundial. Portugal, como país fundador da NATO e, principalmente, devido à posição estratégica dos Açores, tornou-se muito relevante para a política externa dos Estados Unidos da América, que teve um dos pilares no controlo do Médio Oriente e das rotas do petróleo. Os portugueses souberam das sucessivas crises de 1948,1956 e 1967 no Médio Oriente através da comunicação social, embora mantendo, em geral, um distanciamento de interesse que, de tempos a tempos, só alguma cobertura jornalística mais incisiva conseguia atenuar.

O novo quadro estratégico e os alinhamentos internacionais de Portugal, apesar de a ditadura se manter, originaram uma ruptura forçada com as tendências históricas dos poderes que se sucederam a partir de D. João II – e com as próprias raízes do regime salazarista. Das perseguições aos judeus durante séculos, Portugal passou a apoiar Israel, o recém-nascido Estado confessional judaico, por arrastamento da aliança com os Estados Unidos. No xadrez da guerra fria, utilizando as definições maniqueístas próprias desses tempos, Portugal apoiou, por interposta superpotência, o lado israelita, dito pró-ocidental, contra o lado árabe, dito pró-soviético. Apesar de o regime de Lisboa não ter relações diplomáticas com Israel.

Portugal continuava assim a não ter uma relação própria e específica com o Médio Oriente. Mas o regime não hesitou em recorrer à censura para separar as águas entre os "bons", os israelitas, e os "maus", os árabes, os "terroristas a soldo de Moscovo". Contestar o simplismo desta política equivalia a arranjar problemas. Os Açores foram a chave da opção; e o regime, já na sua fase marcelista, tentou até fazer subir o preço político e militar da utilização do arquipélago pelos Estados Unidos.

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Foi em Outubro de 1973, durante a guerra israelo-árabe do Yom Kippur, um conflito que pela primeira vez pôs em causa o poderio militar hebraico. Por essa razão, os Estados Unidos empenharam-se a fundo no apoio a Israel, necessitando para isso da Base das Lajes, na ilha Terceira. Não se tratando de uma operação no âmbito da NATO, outros aliados recusaram o apoio militar aos Estados Unidos e o próprio Marcelo Caetano tentou assumir idêntica atitude, queixando-se do alegado isolamento a que Portugal estaria votado devido à Guerra Colonial.

Apesar disso, e segundo fontes concordantes, entre 14 de Outubro e 16 de Novembro de 1973 passaram pelas Lajes mais de 1200 aviões militares norte-americanos dos tipos C-130 e C-141, KC-135 e C-5, fundamentais para a vitória de Israel no conflito. A pressão dos Estados Unidos sobre Caetano para imporem a utilização da base assentou no facto de Portugal necessitar de mísseis anti-aéreos na guerra da Guiné. Nas conversações para a renegociação do acordo das Lajes, ainda em 1973, Henry Kissinger, então secretário de Estado norte-americano, especificou que os Estados Unidos não poderiam ceder directamente os mísseis solicitados, mas prometeu interceder para que Portugal recebesse armas francesas com as mesmas características – que afinal ficaram disponíveis apenas depois de 25 de Abril de 1974 – e foram rejeitadas pelas Forças Armadas portuguesas. Kissinger, revelando desprezo absoluto pela tentativa de resistência de Marcelo Caetano, não aborda sequer o episódio da utilização das Lajes na Guerra do Yom Kippur no seu livro "Diplomacia".

 

Os difíceis reencontros

A seguir à Revolução de 25 de Abril de 1974, Portugal estabeleceu relações diplomáticas com Israel e com a maioria dos países árabes. Atenuou o desequilíbrio da posição oficial no conflito israelo-árabe, embora o peso estratégico dos Açores -considerado hoje menos relevante – continue a influenciar, em última análise, o alinhamento de Lisboa pela política norte-americana para o Médio Oriente. Mais do que o discreto envolvimento português na Guerra do Golfo, em 1991, a bem mais recente utilização norte-americana da Base das Lajes em ataques contra o Iraque, durante o ano de 1998, ilustra dependências que Lisboa continua a não evitar.

A integração na Comunidade Europeia, em 1986, envolveu Portugal num ambiente onde se defende um maior equilíbrio na procura de soluções pacíficas para os conflitos cruzados entre Israel e os países árabes. Os esforços europeus, no entanto, permanecem condicionados pela aliança estratégica israelo-norte-americana. Yasser Arafat, presidente da Organização para a Libertação da Palestina (OLP), visitou Portugal pela primeira vez em 1979 e foi recebido oficialmente pela então primeira-ministra, Maria de Lourdes Pintasilgo. Voltou em Novembro de 1993, acolhido solenemente pelo Presidente Mário Soares, dois meses depois de ter assinado a histórica Declaração de Princípios entre o Estado de Israel e a OLP.

Portugal não encontrou ainda, porém, uma forma própria de encurtar distâncias para o Médio Oriente. Mário Soares procurou utilizar as suas boas relações com dirigentes trabalhistas de Israel e com Yasser Arafat para trabalhar eventuais formas de mediação. Esteve em Beirute no Verão de 1982, na fase derradeira do cerco do Exército de Israel à zona ocidental da capital libanesa, onde se encontravam Arafat e o aparelho político-militar da OLP. Isoladamente, ou no âmbito da Internacional Socialista, Soares tentou aproximações susceptíveis de garantir tanto o reconhecimento dos direitos nacionais dos palestinianos como a segurança de Israel. Mas o processo diplomático tem condicionamentos estratégicos que deixam pouco espaço fora do quadro mediado pelos Estados Unidos, apesar de o Presidente Jorge Sampaio procurar igualmente uma posição equilibrada e pacificadora nos conflitos por resolver.

Pontuais são também os esforços para conseguir o reencontro pleno entre Portugal e as civilizações do Médio Oriente. Iniciativas de autarquias e de associações privadas promovem a identificação e o conhecimento de sinais vivos e históricos das presenças judaica e árabe em território português. O interesse tem aumentado, mas ainda há que remover tabus retrógrados onde se diluem as afinidades. E há ainda uma paz por construir nos lugares dos conflitos.

 

Informação Complementar

Tragédia em Albufeira

Dia 10 de Abril de 1983. Issam Sartawi, conselheiro político de Yasser Arafat, foi assassinado a tiro no hall de entrada de um hotel em Montechoro (Albufeira). Preparava-se para participar no XVI Congresso da Internacional Socialista. O grupo de Abu Nidal, que contestava as posições oficiais da OLP, reivindicou a autoria do crime. O Algarve ficou assim ligado a uma tragédia que poderá ter retardado bastante o processo que culminou dez anos depois com a assinatura da Declaração de Princípios Israelo-Palestíniana, em Washington. Sartawi não era um simples conselheiro político de Arafat. Tinha o pelouro dos contactos com representantes de forças israelitas defensoras da paz e de negociações directas com a OLP – o que, nesses tempos, era crime em Israel.

No Congresso de Albufeira estava presente o carismático dirigente trabalhista israelita Shimon Peres, que se tornou, uma década depois, um dos estrategos das negociações directas e secretas na Noruega. A viagem de Issam Sartawi a Albufeira era susceptível de propocionar um histórico encontro de alto nível, directo ou indirecto, entre um dirigente do Estado de Israel e um representante da OLP. A capacidade de manobra de Mário Soares nesse domínio poderia ser determinante. Os inimigos do entendimento directo sabotaram a oportunidade, como ainda hoje acontece. Mário Soares, porém, não perdeu o assunto de vista. E, eventualmente, não será de excluir a sua influência no facto de Yasser Arafat ter concedido uma rara entrevista à TSF, em Tunis, em Fevereiro de 1991. Na altura, Arafat era um proscrito na comunidade internacional, acusado de apoiar Saddam Hussein na Guerra do Golfo. O que não correspondia à realidade, como o Presidente Mário Soares sabia.

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* José Goulão

Jornalista. Analista de Assuntos Internacionais.

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