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- JANUS 1999-2000 -

Janus 2001



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As relações externas da transição para a democracia

António José Telo *

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A mudança do posicionamento de Portugal no mundo em 1974/76 é de grande envergadura e só tem um paralelo no passado mais recente se a compararmos com a que se dá em 1807/1825, com a perda do Brasil. Em ambos os casos muda por completo a inserção do país no sistema e na economia internacional e a teia diplomática que a condiciona, o que decorre paralelamente a uma alteração profunda do sistema político, das relações sociais e da economia interna. Em 1974/76 termina o ciclo de cinco séculos de Império, uma condicionante básica em toda a anterior evolução do país. Portugal vira-se tardiamente para uma Europa em rápida evolução e adopta as estruturas políticas nela dominantes desde a Segunda Guerra Mundial. É uma transição que se insere na passagem da segunda para a terceira fase do sistema internacional da guerra fria, numa altura em que o poder dos dois pólos do sistema está muito desgastado e em que se erguem importantes centros regionais com forte autonomia, como a CEE ou a China.

O 25 de Abril dá início à vaga das revoluções democráticas, o mais importante movimento do último quartel do século XX, que viria a fazer cair o Muro e a provocar a implosão da URSS passados 15 anos. Em termos muito genéricos, podemos distinguir três grandes fases nesta transição, que se dá a nível das relações externas e não da política externa.

 

A tónica na descolonizarão – Abril a Setembro de 1974

A tónica da primeira fase da transição é a descolonização e o fim das guerras de África. São patentes os efeitos da destruição do aparelho tradicional do Estado central, com a multiplicação de centros de poder paralelos, a pontos de não se poder dizer que existe uma "política nacional". No processo de descolonização fazem-se sentir pelo menos quatro políticas paralelas, cada uma delas procurando contrariar as outras: a do Presidente da República (o general Spínola), a do Governo Provisório (principalmente a de Mário Soares, Ministro dos Negócios Estrangeiros), a do MFA (principalmente a de Melo Antunes) e a do PCP (que seria a mais bem sucedida de todas). Tudo isto num contexto geral de paralisação da máquina militar no terreno e de crescente ingerência de poderes estrangeiros nas colónias portuguesas, desde o Brasil ao Congo, sem esquecer obviamente a URSS e os EUA.

Não admira assim que a descolonização tenha sido um processo algo anárquico, que ninguém controla por completo. Num primeiro momento, o general Spínola chamou a si a responsabilidade da gestão das guerras, procurando aplicar uma política de preservar de alguma forma os laços entre Portugal e as colónias. O grande problema da sua concretização era que os movimentos de libertação só admitiam o cessar-fogo com o reconhecimento prévio do direito à autodeterminação e, sobretudo, com a sua aceitação como únicos interlocutores válidos. A falta de força portuguesa e os crescentes apoios externos aos movimentos de libertação levam a sucessivos e rápidos recuos dos negociadores portugueses.

Em Julho de 1974 o general Spínola cede já nos pontos principais: reconhece a autodeterminação e que as negociações devem decorrer com os movimentos de libertação. A partir daí a evolução é rápida e automática no sentido das independências imediatas. Portugal, pela evolução interna, perde rapidamente a sua capacidade de direcção política centralizada e de manutenção de um poder militar efectivo em África. Surgem problemas inesperados em dois casos devido à crescente ingerência externa que o país não consegue controlar: em Angola, onde muito cedo começa uma guerra civil "por procuração" (o primeiro Vietname ao contrário para a URSS) e em Timor, com a invasão da Indonésia. Quando o general Spínola sai da Presidência da República (Setembro de 1974) a descolonização e os seus traços gerais estão decididos. Não foi uma descolonização exemplar, mas foi a possível nas circunstâncias de poderes paralelos e de crescente intervenção externa, onde a URSS aproveitava o vazio do poder e as limitações e embaraços da administração americana. Uma descolonização exemplar só poderia ter ocorrido se tivesse sido preparada pelo menos desde 1961, ou mesmo antes.

Portugal abre-se entretanto ao mundo. A amplitude deste movimento fica bem patente na passagem das 68 missões diplomáticas junto de governos estrangeiros em 1974 para 114 em 1979, enquanto as representações junto de organismos internacionais passam de 6 para 11.

 

A tónica da democratização – até Novembro de 1975

A segunda fase da transição tem como tónica a questão de saber que tipo de regime vai vigorar em Portugal. As relações externas do país nesta fase passam por múltiplos canais, onde se acentua o papel das organizações não estatais, como partidos, sindicatos, associações de agricultores, Igreja, etc. Todos procuram e obtêm em maior ou menor grau apoio político e financeiro para o seu projecto de regime. No essencial há quatro possibilidades: uma ditadura comunista tipo soviético; um regime semiditatorial de direita; um regime populista não alinhado algo indefinido, de que se davam como exemplos o Peru ou a Jugoslávia; uma democracia pluralista tipo ocidental.

Os EUA ficam preocupados com a evolução portuguesa desde o afastamento do general Spínola da Presidência e hesitam na política a seguir. O secretário de Estado Henry Kissinger deixa-se vencer por uma visão pessimista em que considera Portugal um caso perdido e fala do país como uma espécie de vacina para toda a Europa do Sul, que estava igualmente em rápida mudança (transição espanhola e grega). No entanto, apesar desta visão pessimista, os EUA no geral aceitam apoiar as forças democráticas e o próprio Kissinger dá ampla liberdade à actuação de Frank Carlucci, colocado como embaixador em Lisboa, que é de opinião que a democracia pode vencer em Portugal caso apoiada. Washington, por exemplo, não ajuda nem incentiva os movimentos independentistas insulares. A URSS divide-se igualmente sobre o caso português. Certos elementos ligados ao PCUS, como Suslov e Ponomariev, acham que em Portugal se têm de aplicar as "lições do Chile" e que os comunistas devem pressionar para tomar posições e, se possível, não hesitar em conquistar o poder. Outros sectores ligados ao estado, com destaque para a diplomacia (Gromyko), pensam que um regime comunista em Portugal seria uma aventura sem futuro, esmagado a curto prazo pela Espanha e pela NATO, se não pelas forças internas. Pensam igualmente na situação europeia, onde a URSS aposta fortemente nas boas relações com a CEE, na preparação da Conferência de Helsínquia e na ostpolitik alemã, que trazia consigo a possibilidade de modernizar as economias do Leste. Tudo isto seria posto em causa por uma tentativa dos comunistas tomarem o poder em Portugal, como os países da Europa ocidental sublinham junto de Moscovo diversas vezes. A diplomacia soviética aposta assim na moderação na Europa, ao mesmo tempo que aceita a intervenção aberta e em larga escala em África, nomeadamente em Angola. Existe mesmo a possibilidade de negociar as duas situações e atitudes muito diferentes com os EUA.

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A grande influência externa que favoreceu a democratização portuguesa foi a CEE e, em particular, a RFA. Bruxelas define desde o primeiro momento uma política de ajuda financeira e de incentivo ao aprofundamento das relações com os Governos Provisórios, mas deixa igualmente muito claro que essa política depende da evolução no sentido de uma democracia pluralista. Tal é dito nomeadamente no período do 5.º Governo Provisório. A RFA é a grande fonte de apoio financeiro das forças democráticas em geral, numa acção que parte do Estado e das instituições privadas. Os países europeus têm ainda uma acção muito importante junto dos EUA e da URSS.

Em Washington, criticam a visão pessimista de Kissinger e defendem a necessidade de apoiar o PS e as forças democráticas, a ponto de os EUA terem apresentado uma reclamação quando Mário Soares deixou de ser Ministro dos Negócios Estrangeiros. Em Moscovo, a RFA, Inglaterra e França dizem muito claramente que os resultados da Conferência de Helsínquia e a ostpolitik de abertura a Leste dependem dos acontecimentos em Portugal. É de salientar igualmente a acção das Internacionais Socialista, Social-Democrata e Democrata-Cristã europeias no apoio às forças democráticas.

A Espanha define no essencial uma política de moderação nas relações entre Estados e de expectativa, comprometendo-se a não apoiar abertamente as forças conservadoras nacionais, caso Lisboa não apoiasse os opositores ao regime espanhol. Madrid aceita a organização de certas forças de direita no seu território e mesmo o seu treino e armamento parcial, mas não promove acções abertas de sabotagem e ouve os conselhos de moderação que lhe chegam da CEE. Quando do assalto à embaixada de Espanha em Lisboa, por exemplo, Madrid limita-se a pedir uma generosa indemnização pelos estragos, sem agigantar o incidente.

 

A tónica na Europa – Novembro de 1975 a Março de 1977

Decidida no essencial a questão do regime com o 25 de Novembro, continuava em aberto o problema de fundo de encontrar um novo posicionamento externo e um equilíbrio dos fluxos económicos e financeiros com o exterior. Para ambos os casos tornava-se claro que a única resposta era a integração na CEE. As comunidades eram a grande referência económica do país desde 1961 e de lá vinham três quartos dos fluxos financeiros positivos, desde as remessas de emigrantes, ao turismo, exportações, investimentos estrangeiros ou ajudas financeiras.

O movimento de aproximação com a CEE passa por duas fases. Os Governos Provisórios limitam-se a dar os passos prévios e a pedir um aumento do apoio financeiro e dos créditos, o que é obtido em larga medida e permite reduzir a grave crise financeira nacional. Será só o 1.º Governo Constitucional, dirigido por Mário Soares, que pede formalmente a adesão de Portugal à CEE em Março de 1977, depois de contactos exploratórios preliminares. O movimento faz parte da segunda grande vaga de alargamento das comunidades, quando estas se abrem ao sul da Europa, recém-chegado às democracias representativas. A transição foi um processo essencialmente interno, onde os principais agentes foram as forças democráticas nacionais, civis e militares. Os factores externos tiveram uma importância significativa, mas não foram vitais. Dentre eles, há que destacar a acção da CEE e da RFA em particular como a mais importante.

 

Informação Complementar

Momentos marcantes de uma transição

1973

20 de Janeiro - O presidente e fundador do PAIGC, Amílcar Cabral, é morto por dissidentes do partido num atentado em Conakry. O governo português atribui o atentado a Sékou Touré, presidente da Guiné-Conakry, o PAIGC à PIDE/DGS ou a António de Spínola, governador da Guiné.

...Março – O PAIGC abate pela primeira vez aviões portugueses usando mísseis terra-ar "Strela"

19 de Abril - O Partido Socialista é fundado perto de Bona (RFA) por Mário Soares, Tito de Morais, Rui Mateus, Bemardino do Carmo Gomes, Maria Barroso, Raul Rego, António Arnaut, Jorge Campinos e outros.

24 de Setembro - O PAIGC proclama unilateralmente a independência da Guiné-Bissau. 84 países reconhecem, nos dias seguintes, o novo país.

1974

5 de Março - A Comissão dos Direitos Humanos da ONU aprova uma resolução condenando a África do Sul, Portugal e a Rodésia pela sua "persistente e flagrante desobediência às resoluções da ONU sobre autodeterminação e Direitos Humanos na África Austral".

23 de Março - O jornal Le Monde publica o texto de Georges Dupuy sobre a situação em Portugal: "Un processus de dégradation que pourrait aboutir à un coup d’État militaire".

19 de Abril - Joseph Luns, secretário-geral da NATO, participa em Megève (França) na reunião anual do Clube de Bildeberg. Os participantes são informados da iminência de mudanças políticas em Portugal e estabelece-se consenso sobre a vantagem de "não contrariar a evolução dos acontecimentos".

24 de Abril - Várias unidades da NATO fundeiam no porto de Lisboa, alegadamente para participarem nas manobras aeronavais "Down Patrol", previstas para 26 no Mediterrâneo. Esta presença da NATO tem sido interpretada como dissuasora de uma eventual reacção da ultra-direita militar portuguesa.

25 de Abril - O MFA derruba o regime. Uma Junta de Salvação Nacional entra em funções.

 ... Abril – EUA, Brasil, Espanha, França, RFA, África do Sul e Vaticano, entre outros Estados, reconhecem o novo regime.

12 de Julho - Henry Kissinger afirma, em declarações largamente reproduzidas pela imprensa, que "Portugal é uma preocupação para os EUA".

20 de Julho - O Banco Mundial recusa um empréstimo de 400 milhões de contos a Portugal. Dias antes, a 9, demitira-se o primeiro-ministro, Palma Carlos.

27 de Julho - António de Spínola reconhece o direito das colónias à independência.

1 de Setembro - O governo de Jacarta afirma que a Indonésia "não tem pretensões sobre o território de Timor, sob administração portuguesa".

10 de Setembro - Portugal reconhece a Guiné-Bissau como país independente. 30 de Setembro - António de Spínola renuncia à Presidência. É substituído por Costa Gomes.

15 de Outubro - Portugal reconhece "a plena soberania da União Indiana sobre os territórios de Goa, Damão, Diu, Dadrá e Nagar-Aveli

... Novembro – O relatório da missão Lukens, enviada a Portugal por Henry Kissinger, afirma que a administração dos EUA pode confiar em Mário Soares.

16 de Novembro - Frank Carlucci é nomeado embaixador dos EUA em Portugal.

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* António José Telo

Doutorado em História pela Faculdade de Letras de Lisboa. Professor Associado na Academia Militar.

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