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A dívida pública externa e os investimentos estrangeiros

Nuno Valério *

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Data do último ano do século XV a primeira emissão conhecida de dívida pública portuguesa. E desde essa época certamente parte dela foi colocada junto de capitalistas estrangeiros, dadas as intensas relações que o Estado mercantil que dominava as rotas marítimas para o Oriente mantinha com as principais praças financeiras da Europa. Porém, até aos princípios do século XIX, nada distinguia formalmente a dívida pública externa do Estado português da sua dívida pública interna, e não é possível saber qual a importância relativa de uma e de outra.

Foi o endividamento de Portugal face à Grã-Bretanha para pagamento de despesas da luta contra os exércitos franceses (e espanhóis) que ocupavam o Continente português em 1808 (e depois para prosseguir a Guerra Peninsular até à invasão do sul de França em 1814) que pela primeira vez criou uma dívida pública externa portuguesa distinta da interna. Portugal ainda se pôde ver livre dessa dívida nas negociações de Viena de 1815, e passar ao Estado brasileiro em 1825, como preço do reconhecimento da independência, a dívida externa que contraiu nos anos seguintes. Todavia, a guerra civil entre absolutistas e liberais, que assolou o país entre 1828 e 1834, obrigou ambos os lados a recorrerem a capitalistas estrangeiros para suprirem a falta dos impostos que um território mal controlado e devastado pelos combates não pagava em quantidade suficiente. A dívida contraída pelo governo absolutista foi repudiada (não sem que ainda voltasse a causar dores de cabeça aos governos liberais), mas a dívida contraída pelos vencedores liberais veio para ficar. Foi logo ampliada para levar a cabo uma tentativa de saneamento das consequências monetárias e financeiras das guerras em que o país tinha estado envolvido nas décadas anteriores. Mas os encargos não eram fáceis de suportar. Prova-o o facto de ainda antes de finais da década de 1830 se ter verificado a primeira suspensão de pagamentos dos encargos.

Só em meados do século se retomou completamente a normalidade dos pagamentos, após uma operação de conversão que não deixou de provocar alguns protestos dos portadores que se sentiram lesados pelo repúdio parcial dos encargos. A dívida pública externa aproximava-se então dos 20 % do produto interno bruto e as quatro décadas seguintes viram essa proporção subir para cerca de 40 %. Era a época do fontismo, em que se acreditou que era possível desenvolver Portugal construindo infra-estruturas com capitais obtidos no estrangeiro e pagando os encargos da dívida com os frutos do próprio desenvolvimento económico.

Algum desenvolvimento houve, disso não pode haver dúvida, mas o esquema financeiro não funcionou. Em 1892 o Estado português decretava nova bancarrota parcial. Só dez anos depois foi possível encontrar um acordo para pagar ao longo do século XX uma dívida cujo capital foi artificialmente reduzido para cerca de metade (os últimos pagamentos relativos a esta dívida do século XIX deverão realizar-se em 2001). E só mais de meio século depois, já passada a Segunda Guerra Mundial, foi possível ao Estado português voltar a recorrer aos mercados financeiros internacionais. Entretanto, a dívida pública externa portuguesa tivera um novo aumento brutal e outra vez por causa de uma guerra: a Primeira Guerra Mundial. O envio do Corpo Expedicionário Português para a Flandres foi, no essencial, pago pelo Banco de Inglaterra e debitado ao Estado português, que viu assim a sua dívida externa subir por algum tempo para mais de metade do produto interno bruto. O que poderia ter sido uma catástrofe financeira acabou, todavia, por não o ser. Não por causa das reparações de guerra da Alemanha em que Portugal, como outros vencedores, pôs a sua esperança. A Alemanha pagou tão mal como Portugal, com o pretexto de que não recebia as prometidas reparações, veio a pagar à Grã-Bretanha. Entretanto, acordos, moratórias, perdão da dívida para todos os fins práticos na sequência da chamada Grande Depressão, tinham feito desaparecer os efeitos financeiros externos do conflito em princípios da década de 1930 (e tinham, evidentemente, levado consigo também a ilusão de receber reparações da Alemanha).

Nova tesourada na dívida externa ocorreu com a Segunda Guerra Mundial. Uma habilidosa operação, levada a cabo no momento em que Portugal se regozijava com as comemorações dos centenários da independência e da restauração e a maior parte da Europa caía transitoriamente sob o domínio da Alemanha nazi, converteu em dívida interna a maior parte do que restava da dívida pública externa. Até à década de 1960, a dívida pública externa atingiria mínimos históricos abaixo de 5% do produto interno bruto.

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A década de 1950 assistiu à contracção de novos empréstimos externos pelo Estado português, no contexto da ajuda americana à Europa habitualmente conhecida como Plano Marshall. Mas seria o período da guerra colonial que veria o Estado português regressar com algum relevo aos mercados financeiros internacionais como solicitador de fundos. Obras como a primeira ponte sobre o Tejo em Lisboa e a barragem de Cabora-Bassa em Moçambique foram pagas com empréstimos que fizeram subir, ainda que muito ligeiramente, a importância relativa da dívida pública externa.

Projectos de investimento e dificuldades da balança de pagamentos continuaram a obrigar ao recurso à dívida pública externa depois de 1974. A primeira metade da década de 1980 trouxe de novo a proporção da dívida pública externa no produto interno bruto para perto dos 20 %, em parte devido à contracção de empréstimos de algum vulto, em parte devido à relativa estagnação económica. Tendências que se inverteram para final da década, permitindo um regresso à proporção de cerca de 5 %. A primeira metade da década de 1990 voltou a assistir a uma subida, mas relativamente moderada, alcançando-se em meados da década uma proporção da ordem dos 10%.

 

Investimentos estrangeiros

Não existe qualquer estudo sistemático sobre investimentos estrangeiros em Portugal numa perspectiva histórica. Entretanto, é possível identificar com alguma segurança quatro grandes tipos de negócios em que se envolveram capitais estrangeiros, em grande medida correspondentes a quatro épocas distintas de investimentos estrangeiros.

O primeiro tipo de negócios em que capitais estrangeiros estiveram regularmente envolvidos desde, pelo menos, o século XVII, é o da exploração de recursos naturais portugueses para exportação. O caso clássico é o da presença de empresários britânicos na exportação de vinhos, particularmente na exportação dos mais conhecidos vinhos portugueses – Porto e Madeira. Outros sectores como a cortiça e as indústrias extractivas (lembrem-se, por exemplo, as minas de São Domingos junto ao Guadiana) conheceram, porém, igualmente, presença significativa de empresários estrangeiros.

O segundo tipo de negócios em que capitais estrangeiros estiveram regularmente envolvidos desde, neste caso, meados do século XIX, é o da introdução na economia portuguesa de sectores ligados ao crescimento económico moderno. Foi o caso dos caminhos-de-ferro. Lembre-se, por exemplo, a acção decisiva do empresário D. José de Salamanca na formação da Companhia dos Caminhos de Ferro Portugueses e na construção das linhas do Norte (Lisboa - Porto) e do Leste (Lisboa - Madrid). Foi o caso dos telefones. Era britânica a Anglo-Portuguese Telephone que, desde finais do século XIX até ao terceiro quartel do século XX, foi concessionária da rede de telefones das regiões de Lisboa e do Porto, e veio depois a dar origem aos Telefones de Lisboa e Porto, uma das antecessoras da Portugal Telecom. Foi o caso de certas inovações nos transportes públicos. Era britânica a Lisbon Electric Tramways, à qual a Companhia dos Carris de Ferro de Lisboa sub-concessionou a construção e exploração da rede de transportes públicos com tracção eléctrica em Lisboa nos finais do século XIX e que até ao terceiro quartel do século XX geriu as redes de carros eléctricos e depois também de autocarros de Lisboa.

A formação do quarto império colonial português em finais do século XIX e princípios do século XX abriu um novo campo ao investimento estrangeiro em Portugal: as iniciativas ultramarinas. Uma vez mais, apenas é possível mencionar exemplos, mas eles são, sem dúvida, importantes. Três empresas formalmente portuguesas, mas com grande participação de capitais estrangeiros – a Companhia do Niassa, a Companhia de Moçambique e a Companhia da Zambézia — administraram, com poderes majestáticos ou quase majestáticos, grande parte de Moçambique até meados do século XX. Outras empresas se estabeleceram para negócios mais ou menos similares àqueles em que capitais estrangeiros já estavam envolvidos na Metrópole. Lembrem-se, por exemplo, os Sena Sugar Estates em Moçambique, a Companhia dos Diamantes em Angola, ou o Caminho de Ferro de Benguela, fruto da iniciativa do empresário Sir Robert Williams.

As tendências de nacionalismo económico dominantes entre finais do século XIX e o terceiro quartel do século XX poderão ter afrouxado o influxo de capitais estrangeiros para Portugal, mas a abertura da economia portuguesa a partir do período posterior à Segunda Guerra Mundial e o seu progressivo envolvimento no processo de integração europeia intensificaram-no de novo. Agora, um quarto tipo de negócios veio a florescer. Trata-se de introduzir em Portugal actividades viradas para a exportação de produtos industriais, fabricados beneficiando de vantagens competitivas específicas da economia portuguesa. O caso mais espectacular desta nova fase dos investimentos estrangeiros em Portugal foi, sem dúvida, o do sector automóvel, com iniciativas como a Renault Portuguesa ou a Auto Europa.

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* Nuno Valério

Professor Catedrático no ISEG.

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