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A diáspora judaica

Maria José Ferro Tavares *

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Falar da diáspora dos judeus portugueses é, talvez, ter consciência de uma trajectória cíclica que se abateu, nos séculos XVI e XVII, sobre uma parte da população de credo mosaico, nascida em território nacional, e que viveu, pelo menos desde o século I d.C, em permanente diáspora, ou seja, longe da sua Eretz Israel.

Abordar a diáspora daqueles ignorando a diáspora dos outros judeus peninsulares seria também tomar a parte pelo todo. Os judeus que partiram na assunção da sua tradição histórica, cultural e religiosa, na sua maioria, não tinham nascido somente em Portugal. A sua raiz era a Sefarad, a Hispânia, onde se tinham radicado ao longo dos séculos, desde o Baixo Império, pelo menos, famílias de judeus oriundas do Mediterrâneo levantino, engrossadas pelas inúmeras diásporas europeias medievais, que eram provocadas por outras tantas perseguições e expulsões. Foi o culminar destas que terminou nos finais do século XV na Península Ibérica, com os éditos de 1492 e 1496, respectivamente para Espanha e Portugal, e que viria a repercutir-se no período da Contra-Reforma em certas cidades italianas.

Baptizados à força por decisão de D. Manuel I, os judeus sefarditas viram-se obrigados a viver um judaísmo na clandestinidade, sob o medo da denúncia por heresia. Limitados na livre mobilidade, durante os primeiros tempos, sob penas severas, nem estas os haviam de impedir de dar o "salto", com maior ou menor fortuna, tal era o anseio de viver a fé em liberdade. Uns procuravam alcançar o norte de África, como João Martins, que atingiu Safim; outros alcançavam a Turquia, como Violante Lobo; outros acabaram nas fogueiras espanholas, como a família de Samuel Ruben de Loulé; outros, ainda, Afonso Vaz Gordilha, partiu do Algarve para o norte de África muçulmano, onde se tornou judeu. Regressado a Portugal, como judeu de sinal, foi salvo da fogueira graças à intervenção da rainha D. Catarina.

A trágica matança dos cristãos-novos de Lisboa, na Páscoa de 1506, iria permitir-lhes alcançar a possibilidade de partir com autorização régia para terras da cristandade. Entre esse ano e 14 de Junho de 1532, os cristãos-novos puderam sair livremente de Portugal com bens e família. Esta permissão voltar-lhes-ia a ser concedida com os perdões gerais de 1535 e 1547 e tornar-lhes-iam a ser outorgadas ou negadas, ao longo dos séculos XVI e XVII, consoante as vontades políticas ou as necessidades económicas dos soberanos.

A opção pelo judaísmo significava para os que partiam a impossibilidade de regressar ao reino, quer como cristãos, quer como judeus, a menos que se "purgassem" voluntariamente da sua culpa, num dos tribunais inquisitoriais ou que, com alguma sorte, conseguissem iludir possíveis denunciantes, conhecedores da sua opção judaica, através de disfarces bem sucedidos ou da utilização de múltiplos pseudónimos. O primeiro êxodo acompanhou a própria expansão portuguesa, sendo as novas terras descobertas pretexto para uma diáspora em território nacional. Assim, as ilhas atlânticas, como a Madeira, os Açores, S. Tomé, o Oriente e o Brasil abriam-lhes perspectivas de comércio rentável e de uma relativa liberdade religiosa, entre vizinhos que desconheciam o seu passado de judeus. Radicados nestes territórios, conseguiram estabelecer redes familiares de comércio, com intervenientes dispersos por Lisboa, Antuérpia ou Amsterdão, na Europa, Madeira, S. Tomé e Brasil, para os que se dedicavam à produção e comércio do açúcar, não esquecendo a costa de África e o tráfico negreiro. Outros negociavam os produtos do Oriente e o pau-brasil com o norte de África e as cidades italianas, instalando-se, quando fugitivos à Inquisição, em Roma, Florença, Veneza ou Ancona, onde viviam quer como judeus assumidos nas judiarias, quer optando por uma dupla aparência, cristã ou judaica, consoante os interesses económicos exigiam. Eram "barcos com dois lemes", como diria Isaac Abibe, judeu sefardita assumido, ao testemunhar na Inquisição veneziana sobre o comportamento de Gaspar Ribeiro, rico mercador natural de Palmeia que residia nesta cidade italiana com a família, depois de ter conseguido salvar-se dos cárceres da Inquisição de Lisboa por culpas de judaísmo.

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Mas nas cidades italianas habitavam muitos cristãos-novos. O doutor Romano, irmão do lente de Coimbra, Manuel da Costa, casara-se em Roma com uma judia de sinal, e foi viver para Ferrara. O seu irmão, Henrique Dias, ficara em Madrid como alfaiate de Filipe II. O mercador Duarte Rodrigues, por sua vez, casava-se em Ferrara com a filha de Luís Reinel, judia assumida. Aqui estava a residir a família de Samuel Picho, unida pelo matrimónio com os Zaboca (ex-Duarte Mendes), os Serralvo (Cristóvão Mendes), os Cohen do Alentejo, os Navarro de Portalegre, os Vizinho (Francisco Mendes Vizinho, astrólogo, filho de mestre Diogo Vizinho, o coxo), os Galindo de Évora e muitos outros.

Por Roma e Veneza, antes de se fixar em Ragusa (Dubrovnik) passou um dos grandes poetas humanistas, Diogo Pires, natural de Évora. Dele temos os cantos de saudade mais sentidos da sua terra natal e a noção que, mesmo longe, os cristãos-novos não esqueciam Portugal, encontrando-se informados sobre tudo o que aqui acontecia.

No início do século XVII, a comunidade cristã-nova constituía uma rede económica que tinha por base a Península Ibérica e se estendia ao ultramar peninsular e à Europa do Norte, nomeadamente a Amesterdão e a Hamburgo. A França foi também um lugar de fixação, apesar de não poderem ter a liberdade para assumir a sua religião publicamente. La Rochelle, Lyon, a Bretanha, Bordéus rivalizaram na preferência com San Juan de Luz, Baiona, Marselha e Rouen. A ligação familiar e económica das cidades atlânticas francesas com Amesterdão era conhecida. Nos finais do século XVIII, encontramos em Baiona cerca de 40 famílias provenientes de vários concelhos da Beira e de Trás-os-Montes e, em Bordéus, residiam 300 casas comerciais de "descendentes de judeus" portugueses que se dedicavam à banca e à construção naval. A sua importância social e económica seria reconhecida em 1790 pela Assembleia Nacional que lhes conferiu a igualdade de direitos que detinham os cidadãos franceses.

No norte da Europa, a preferência inicial deu-se por Antuérpia, onde D. Manuel fundara a feitoria portuguesa. Aqui se fixariam os ricos banqueiros-mercadores Mendes-Nasi. A sua importância económica e também política para a coroa portuguesa fizera o próprio D. João III interceder pela libertação de Diogo Mendes, denunciado por judaizante, junto de Carlos V. As perseguições aos cristãos-novos fizeram que, cedo, Antuérpia se tornasse um local de passagem para França, Itália e terras turcas, sendo substituída, nos finais do século XVI, por Amesterdão. A vinda dos cristãos-novos, aqui judeus assumidos, na sua maioria, permitiria a pujança económica desta cidade no século XVII. Portugueses, oriundos da Covilhã, do Fundão, do Porto, de Vila Real, de Lisboa, da Madeira, dos Açores e de tantos lugares aqui encontraram um refúgio e a liberdade religiosa. De muitos deles viria o financiamento para a causa de D. João IV e a guerra contra a Espanha, graças à acção diplomática do padre António Vieira que bem defenderia, sem qualquer sucesso, o regresso dos judeus a Portugal. Amesterdão associava-se, nesta centúria, à banca e comércio dos cristãos-novos de Hamburgo e de Londres, onde também se viriam a fixar, sobretudo depois do casamento de Catarina de Bragança com Carlos II.

Mas não foi só a Europa a opção dos cristãos-novos portugueses. Várias foram as rotas possíveis para esta diáspora europeia e mediterrânica. Antuérpia e a França, com paragem em Lyon ou em Bordéus, eram algumas das vias que se direccionavam ora para Veneza, ora para Ferrara e Ancona. Na maioria dos casos, o destino era mais longínquo, sendo as cidades italianas o local da reunião com os antigos correligionários ou o lugar onde se estabeleciam interesses económicos, ligados ao comércio, e até à espionagem política a favor de Portugal contra o Turco e Veneza, ou a favor de ambos os lados, no século XVI. A meta almejada era de facto o império turco, onde podiam voltar ao judaísmo sem medo de represálias. Ragusa, Salónica, Tripoli, Damasco, eram algumas cidades do império turco que rivalizavam com Safed e Jerusalém, na Palestina, também sob o domínio muçulmano. Outros atingiam estes territórios pelos caminhos do norte de África ou pela índia, dando o "salto" para Damasco pelo "Golfo", ou seja, por Ormuz.

Frei Pantaleão de Aveiro no seu Itinerário da Terra Santa, que Fernando Campos divulgaria no romance A Casa do Pó, mencionava os 200 judeus que viviam em Jerusalém, 30 dos quais eram provenientes de Portugal, enquanto em Safed encontrara 400 judeus também daqui provenientes. Muitos fugiam da Inquisição que prendera os pais, como aquele jovem cristão-novo, natural de Braga, ou ainda outro nascido em Lagos. Em Tripoli, o número ascendia já aos 2000 judeus, provenientes na sua maioria do reino.

Na sua diáspora, os cristãos-novos levaram a saudade mas também levaram a língua portuguesa falada e rezada pelas comunidades dispersas do norte da Europa ao império turco. O português ou o ladino permaneceria vivo até aos dias de hoje, fazendo parte da tradição e da memória histórica de uma parte de Portugal.

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* Maria José Ferro Tavares

Reitora da Universidade Aberta.

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