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Política internacional e sistemas de segurança

Joaquim Aguiar *

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No actual sistema internacional, a parte mais visível, no que se refere às relações estratégicas e aos processos de modernização, é a que se situa no Norte, o sistema de relações que se estabelece entre os Estados Unidos, a Europa e a Ásia: é aqui que se localizam as entidades com maior grau de autonomia relativa. Pelo contrário, a parte que se situa no Sul tem a sua visibilidade associada ao bloqueamento do desenvolvimento e aos surtos de antagonismo conflitual que conduzem a sucessivos episódios de conflitos armados, muitos deles mantendo-se latentes por períodos longos. No Norte, há um antagonismo competitivo, mas não se pode excluir que, se algum dos seus elementos integrantes for conduzido até a um ponto de ruptura na sua evolução, não se venha a passar para um antagonismo conflitual. No Sul, os quadros tradicionais de formação de Estados nacionais e de afirmação dos seus poderes ainda são os aspectos dominantes, mas porque se trata de um subsistema subordinado e não porque aí se estejam a gerar novas formas políticas: são espaços ainda caracterizados por tensões conflituais locais.

No subsistema do Norte, os três poderes centrais são os Estados Unidos da América, a Europa e a Ásia Oriental. Logo a este nível primário das designações há diferenças relevantes entre estes três poderes: o primeiro tem uma unidade de direcção estratégica que os outros ainda não têm. Entendida como União Europeia, a Europa ainda procura um quadro institucional próprio, enquanto a Ásia Oriental tem de comum apenas um modelo de desenvolvimento que, a partir da influência do Japão e enquanto este teve condições para exercer uma função orientadora, se generalizou em toda a região até estabelecer uma rede de interesses convergentes. Como se confirmou com a crise asiática de 1997-1998, esta rede de interesses convergentes acabou por funcionar como um acelerador da crise, difundindo-a rapidamente em toda a região, mas não se revelou eficaz na formação de uma unidade de direcção estratégica.

A União Europeia ainda não teve de enfrentar uma crise de intensidade idêntica à que ocorreu na Ásia, mas a simulação analítica de um choque deste tipo no actual sistema de relações europeu não permite prever uma reacção de resposta mais eficaz do que a que se encontrou na Ásia. É neste quadro de acentuada incerteza que deve ser estabelecida a prospectiva das relações entre os Estados Unidos, a Europa e a Ásia Oriental: se todos estes poderes beneficiam com uma co-evolução ascendente, cada um deles tem de considerar a contingência de uma crise nos outros ou em todos simultaneamente, preparando-se para ocupar a melhor posição possível nessas novas circunstâncias.

A hegemonia dos Estados Unidos é uma relação de dominação especial, diferente das várias hegemonias que tiveram a Europa por centro: enquanto estas eram relações de dominação que se exerciam impondo restrições ao desenvolvimento natural das regiões dominadas, o domínio dos Estados Unidos só será eficaz desde que as outras regiões mantenham índices de desenvolvimento elevados.

Superficialmente, é uma dominação benévola, promotora do progresso dos outros. De facto, é uma função hegemónica dependente do crescimento continuado de todo o sistema mundial ou, pelo menos, do seu subsistema Norte – o que significa que, em contextos de globalização, quando os dispositivos proteccionistas dos Estados nacionais perdem eficácia, esta função hegemónica mantém uma tensão muito forte sobre todas as outras sociedades, sujeitas a pressões de modernização. Mas como os Estados Unidos, apesar de potência hegemónica, não têm condições próprias para assegurar a regulação dos diversos espaços, nem mesmo para regular os fluxos que têm os Estados Unidos por origem principal, precisam de promover dispositivos regionais de regulação que garantam essas funções.

Para os Estados Unidos, a sua estratégia global de exercício da hegemonia não pode ser desligada da sua capacidade para regular os equilíbrios regionais, pois só assim podem continuar a realizar o seu objectivo de seleccionar os seus envolvimentos directos em contextos de conflitualidade sempre em função das vantagens competitivas obtidas – porque só assim a sua estratégia global pode evitar o comprometimento excessivo de recursos próprios, entrando na espiral descendente dos poderes imperiais. Essa estratégia global é desenvolvida dentro de uma específica leitura do que são as linhas de possibilidade que estão abertas aos outros dois elementos do subsistema Norte.

Em relação à Europa, o apoio à sua construção institucional na União Europeia é acompanhado pela identificação de uma crise interna do modelo social europeu, o que terá implicações na alimentação de uma crise competitiva das economias europeias. Neste sentido da previsão de dificuldades europeias, a crise da integração da Rússia no espaço de influência europeu é um factor adicional que oferece aos Estados Unidos uma presença continuada nos assuntos europeus.

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Em relação à Ásia Oriental, a perspectiva dos Estados Unidos é idêntica à que estabelece para a Europa: apoio à evolução no sentido da construção institucional na região (menos desenvolvida do que na Europa), mas também a identificação de uma crise do modelo competitivo asiático (confirmada com a crise económica despoletada em 1997) e, em especial, da crise do modelo social japonês, que tem conduzido ao bloqueamento do seu papel como elemento motor de toda a região (uma crise do modelo social do tipo da que é previsível para a Europa). Já no horizonte imediato, a dificuldade de integração da China no modelo de desenvolvimento asiático é um factor regional de instabilidade, mas também é um pretexto forte para a presença continuada dos Estados Unidos nos assuntos internos da região.

No caso da Europa, o processo de constituição institucional é a condição da afirmação da sua relevância: a Europa precisa de uma configuração política própria para ter condições de acção estratégica no actual sistema de relações internacionais – designadamente, uma política externa e de defesa comum, mas também um centro institucional com capacidade para formular e executar decisões estratégicas. Este é um passo necessário para a adaptação a um novo campo estratégico de relações competitivas, que permita fazer a transição dos tempos em que a hegemonia mundial estava centrada na Europa para os tempos em que a Europa é apenas um dos elementos do subsistema dominante do sistema de relações internacionais. Mas não está garantido que a institucionalização de um novo centro de poder na região europeia seja suficiente, ou aconteça em tempo útil, para permitir conduzir a reformulação do modelo social europeu para recuperação de condições competitivas. Este é o desafio interno que as sociedades europeias têm de enfrentar, em condições demográficas desfavoráveis, para não ficarem excluídas em relação aos processos competitivos.

O caso da Ásia Oriental é o mais complexo, em grande parte porque é uma região instabilizada por uma crise económica localmente vivida como sendo inesperada e cuja intensidade revelou em que medida toda a região estava vulnerável a factores que não controla de modo autónomo. O período de afirmação destes modelos de sociedade interligados por uma herança cultural comum foi curto, mas intenso. Os sucessos obtidos pelo modelo de desenvolvimento baseado no Estado desenvolvimentista fizeram da Ásia Oriental uma região de referência até que, de modo súbito, a crise atinge justamente esse modelo de desenvolvimento.

O que era uma estratégia de penetração do mercado mundial viu a sua trajectória interrompida quando os fluxos financeiros desse mesmo mercado mundial revelaram a incompatibilidade de culturas financeiras distintas. Exactamente no mesmo período, a continuidade de uma crise de bloqueamento no Japão coloca no primeiro plano a questão do papel da China e do que vai significar para toda a região um maior protagonismo chinês. E a verificar-se, a curto prazo, a recuperação da dinâmica de crescimento na região, colocar-se-á a questão de determinar até que ponto será essa dinâmica compatível com os equilíbrios mundiais gerais.

Para os asiáticos, a estabilidade dos mercados europeus e a liberdade de circulação comercial, na expectativa de continuarem a revelar superioridade competitiva em relação às empresas europeias, são necessárias para o escoamento dos seus produtos, sobretudo agora que a possibilidade de consumo endógeno está prejudicada pela persistente crise do Japão e pela mais recente crise asiática. E a cooperação bilateral com os europeus para criar dificuldades aos Estados Unidos é uma opção que quererão manter aberta. Mas é com os Estados Unidos que se estabelece a relação principal, até porque a segurança da região continuará a precisar da participação das forças e das estratégias norte-americanas, assim como a estabilidade dos mercados americanos aparece como uma condição essencial para a possibilidade de recuperação das economias asiáticas.

O subsistema Sul do sistema de relações internacionais não tem a mesma nitidez nas suas redes de relações. E o que se deve esperar de um subsistema subordinado, que reage a condicionamentos e que, em geral, procura a incorporação no sistema económico desenvolvido, o que restringe o seu campo de acção e o leque de alternativas estratégicas que pode usar. Nem sequer há, neste subsistema Sul, relações estreitas entre os seus elementos, pelo menos desde que o movimento dos não-alinhados perdeu a sua credibilidade como movimento dotado de autonomia potencial. No entanto, a sua forma menos nítida é suficiente para identificar um segundo tipo de instabilidade no sistema de relações internacionais, agora derivada do facto de não haver encaixe estável entre os dois subsistemas, o Norte e o Sul.

Na posição oposta à dos Estados Unidos está África, que pode ter relações com todos os outros elementos do sistema de relações internacionais, mas sempre em posição de subordinação. A Índia e o Brasil são poderes subcontinentais, mas com uma dimensão suficiente para criarem problemas de incorporação, na região em que se inserem e no sistema no seu conjunto. A região islâmica constitui o exemplo da rejeição de incorporação, em relação aos Estados Unidos e aos valores ocidentais da modernização, mas não deixa de ter um projecto de integração, por unificação da sua área de influência e por articulação com regiões africanas instabilizadas que procura integrar através da difusão dos seus valores religiosos, ainda que impostos por via militar.

O grau de instabilidade deste sistema é muito elevado, as zonas de fractura são numerosas e os pretextos de conflitualidade são variados. É certo que fica sublinhado o papel do poder hegemónico, o único que tem a capacidade de condicionar todos os outros, não só pela sua maior potência militar, mas também porque pode condicionar as estratégias de integração e de incorporação. Mas não é menos certo que as vantagens da multipolaridade ficam aqui bem identificadas: é do interesse de todas as partes que se consolidem os poderes regionais como condição de regulação parcial, como condição de estabilidade ou, pelo menos, como condição de delimitação dos pretextos de conflitualidade. E a indicação mais forte deste modelo está na identificação da condição de equilíbrio por redução das diferenças: é do interesse dos mais poderosos promoverem a difusão do poder e é do interesse dos mais desenvolvidos promoverem a difusão do crescimento, sem o que não será sustentável a integração e a incorporação – isto é, o alargamento das bases de estabilidade e o alargamento dos mercados globalizados.

A esta indicação genérica da condição de recuperação da estabilidade para um sistema que é estruturalmente instável contrapõe-se a possibilidade de uma co-evolução que acabe por repor condições de bipolaridade.

O sistema das relações internacionais é um sistema de inter-relações e de retroacções, onde a afirmação de um poder dominante tende a gerar forças de oposição que se afirmam pela via da negação desse poder. Nesta perspectiva, o poder hegemónico dos Estados Unidos, o único poder que tem capacidade de intervenção global e que se relaciona com todos os elementos do sistema de relações internacionais, tenderá a gerar formas de "anti-americanismo" que, por sua vez, colocarão no primeiro plano a questão da determinação de um poder liderante dessas formas de oposição ao poder americano.

É para esta possibilidade que tem especial interesse a opção estratégica dos Estados Unidos no sentido de organizar poderes regionais que possam funcionar como reguladores parciais dos campos de tensão dentro do sistema de relações internacionais: esta é a condição para diluir os custos das intervenções reguladoras e para reduzir as condições para a afirmação do "anti-americanismo".

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* Joaquim Aguiar

Licenciado em Economia pelo ISEG. Investigador Associado do Instituto de Ciências Sociais.

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