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Janus 2001



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Portugal e o futuro das relações UE-ACP

Maria Manuela Afonso *

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Desde o início dos anos 90 assiste-se a uma viragem na evolução da política de desenvolvimento da União Europeia (UE). O fim da Guerra Fria, a queda dos regimes comunistas do Leste europeu e colapso da ex-URSS e a emergência de um sistema cada vez mais multipolar, com elevado nível de interdependência, afectaram o processo de integração europeu em geral e as suas políticas externa e de desenvolvimento em particular. Assiste-se a uma crescente politização do processo de integração da UE que terá implicações na cooperação para o desenvolvimento e no relacionamento com os parceiros do Sul.

O futuro da Convenção de Lomé deve ser equacionado à luz destas mudanças, cujos contornos finais ainda são difíceis de prever. É incontestável o papel da ajuda da UE (Comissão Europeia (CE) e Estados-Membros) no mundo em desenvolvimento e em particular nos países de África, Caraíbas e Pacífico (ACP), mas a abordagem terá necessariamente de ser diferente.

Inicialmente, os laços coloniais de alguns Estados-Membros comandaram a política de cooperação, "europeizando" responsabilidades específicas e interesses políticos (França, Bélgica, Reino Unido), optando por uma abordagem regional em oposição a uma visão mais global (Alemanha, Holanda). Convém não esquecer que as relações com os países ACP se desenvolveram num período em que o seu peso nas relações Norte-Sul era muito grande no contexto Este-Oeste e quando quer o legado colonial quer a dependência de matérias-primas justificava um estatuto privilegiado destes países nas relações externas europeias.

Se a base regional da cooperação ainda evidencia uma pirâmide de privilégios, com os ACP no topo e na base a Ásia e a América Latina, nos últimos anos as prioridades mudaram e a tendência vai no sentido de uma alteração gradual dessa hierarquia.

A erosão da posição do grupo ACP, a crescente politização da União, o alargamento aos nórdicos (críticos à base colonial da ajuda e defensores de uma política centrada no alívio da pobreza), e os novos compromissos com a Europa Central e Oriental tendem a redireccionar a política de cooperação e a distribuição geográfica da ajuda. A criação, no início dos anos 90, de programas específicos para a Europa Central e de Leste e para a ex-URSS (com crescimento muito rápido) são disso testemunho.

A nova racionalidade para a política de ajuda da CE assenta sobretudo em 3 tipos de motivações que determinarão a intensidade e natureza dos diferentes programas regionais: (I) preocupações políticas e de segurança (prevenção de conflitos, equidade social a todos os níveis); (II) considerações económicas e estratégicas (estabilidade macroeconómica - gestão de constrangimentos externos, salvaguarda das condições de acumulação e condições estruturais - legislação económica, natureza/propriedade do tecido produtivo, condições de eficiência na afectação de recursos), e; (III) motivações humanitárias e de solidariedade. O lugar dos ACP é, nesta nova constelação, incerto.

O debate sobre o futuro da Convenção de Lomé iniciou-se em Novembro de 1996, com a apresentação do "Livro Verde" com as linhas de discussão para uma nova parceria para o ano 2000. As negociações entre as partes encetaram-se em finais de Setembro de 1998.0 consenso geral está, contudo, longe de ser alcançada e as conversações continuarão no ano 2000, sob presidência Portuguesa. Assim, a negociação de um novo mandato UE-ACP e a discussão do 9° FED) é, no quadro da cooperação para o desenvolvimento, o dossier mais importante para a presidência portuguesa.

Em princípio, Portugal está em boa posição para fazer ouvir os seus pontos de vista e conduzir e fechar habilmente as negociações. Contudo, os esforços terão que ser significativos, tendo em atenção que as pressões da França e de alguns países ACP poderão ser fortes no sentido de arrastar as negociações para a presidência seguinte, a francesa (convém não esquecer que foi a França que fechou as negociações dos últimos acordos e pacotes financeiros e tende a ser vista como mais generosa em matéria de cooperação, por muitos Estados ACP), deixando por resolver os aspectos mais polémicos e decisivos.

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Que contributos de Portugal para o debate e a tomada de decisões

Portugal conseguiu, desde a sua adesão em 1986, um interesse acrescido pela África Austral e alguma atenção sobre a violação dos direitos humanos em Timor, embaraçando as relações com a Indonésia e a ASEAN. A questão que agora se coloca é se conseguirá manter ou reforçar o interesse pelos países lusófonos em desenvolvimento. Considerando a posição privilegiada dada pela presidência da UE no primeiro semestre de 2000, Portugal está em condições de pressionar no sentido da assinatura de um acordo favorável aos ACP, que vise o desenvolvimento sustentável e a plena integração no comércio mundial.

Está, também, em condições de velar pelos interesses daqueles países que, por afinidades históricas, culturais e linguísticas lhe estão mais próximos (nesta óptica, a realização da Cimeira Euro-Africana pode ser um dos pontos fortes da presidência portuguesa). Na mesma linha, deveria dar destaque à situação de Timor e fazer esforços no sentido da sua inclusão no grupo ACP no futuro.

O novo acordo assentará em três pilares interligados: (I) diálogo político efectivo; (II) apoio mais eficaz e mais centrado nas estratégias de desenvolvimento; (III) reforço da cooperação económica e comercial. Nas questões políticas e institucionais haja acordo sobre a natureza e objectivos da nova Convenção. A paz e segurança, o respeito pelos direitos humanos e pela democracia, e a redução da pobreza nortearão o novo acordo e guiarão as estratégias de desenvolvimento, no quadro de uma abordagem que integra as dimensões políticas, económicas, sociais e ambientais.

Em matéria de cobertura geográfica dos acordos, parece também haver acordo no sentido da manutenção da situação actual – o estabelecimento de um acordo global, a longo prazo, com uma duração limitada que incluirá uma cláusula de revisão e um novo pacote financeiro (9° FED) para 5 anos. As partes estão de acordo quanto aos quatro princípios fundamentais da parceria – a igualdade entre parceiros e a apropriação, a participação, os direitos e obrigações mútuas, e a diferenciação. É dado um papel central ao diálogo político aprofundado, amplo, mais efectivo e orientado pêlos resultados mas falta ainda definir as novas modalidades práticas e os instrumentos que concretizem esse diálogo.

Se cada vez mais o respeito pelos direitos humanos, as práticas democráticas e a boa governação são condição sine qua non para a concessão da ajuda a um país ACP, o problema coloca-se, sobretudo, na identificação dos critérios (particularmente no que se refere à boa governação) e na legitimidade dos países da UE para avaliar o cumprimento destas regras.

Em matéria de estratégias de desenvolvimento, há acordo sobre as orientações a privilegiar nos diferentes domínios e sobre o princípio de os organizar à volta de uma nova visão centrada no objectivo da erradicação da pobreza, em coerência com uma integração progressiva na economia mundial. O desenvolvimento sustentável e os direitos e necessidades da pessoa humana parecem estar no cerne das preocupações do novo acordo, o que implicará a concretização da cooperação de forma diferenciada por país.

Na mesma linha, as estratégias de desenvolvimento devem incluir a participação da sociedade civil e do sector privado como actores integrantes dos processos de desenvolvimento, num quadro coerente e de complementaridade entre os diferentes níveis de acção, e tendo em conta questões chave como o desenvolvimento das capacidades e o apoio às reformas institucionais, a gestão durável do ambiente e a integração das questões do género em todos os domínios e políticas.

No que se refere aos acordos comerciais futuros, a manutenção da situação actual apenas pode ser vista como uma situação de curto prazo, que facilite a transição para um novo regime: criação de esquemas de integração regional dentro dos ACP, com grande flexibilidade, compatíveis com as regras da OMC. Nesta linha, a diminuição das vantagens comparativas de que beneficiam os países ACP no plano comercial é inevitável. O que ainda está em aberto é a duração do período de transição e a extensão e natureza da revisão dos protocolos comerciais actuais.

Quanto à gestão da cooperação financeira, é pacífica a necessidade de racionalizar e reagrupar os instrumentos assim como a necessidade de uma reforma do processo de programação e de concretização de um com uma maior dimensão política, maior programação (abordagem integrada), maior eficiência, maior atenção ao sector privado e maior integração no mercado internacional, começando pela criação de uniões aduaneiras nos países ACP.

O futuro de Lomé depende, fundamentalmente, do novo enquadramento económico e geopolítico e da forma como, por um lado, os Estados-Membros conseguirem fazer valer as suas posições contraditórias e, por outro, os ACP conseguirem fazer-se ouvir à mesa das negociações.

Face às novas regras do jogo a mensagem de base enviada pela UE não deixa equívocos: estamos no fim de uma era de relações privilegiadas, ainda que não no fim das relações. Esta mudança reflecte as prioridades e responsabilidades em mutação na UE, e a marginalização crescente dos ACP em termos políticos, económicos e estratégicos. Podemos por isso afirmar que o acordo que está a ser negociado será de transição entre a situação de privilégio actual e uma situação de relacionamento ao mesmo nível de outros PVD. Assim, esta transição poderá durar 5 a 10 anos mas tenderá para a criação de zonas de comércio livre, através de acordos regionais, com vista à liberalização progressiva do comércio entre os países ACP e a UE.

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* Maria Manuela Afonso

Geógrafa. Mestre em Estudos Africanos pelo CEA/ISCTE.

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