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Janus 2001



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ONU – reforma e alargamento do Conselho de Segurança

Ana Gomes *

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A resolução 47/92 da Assembleia Geral, adoptada por consenso em 1992, convidou os Estados Membros a apresentarem pontos vista sobre a reforma do Conselho de Segurança, reconhecendo as transformações operadas nas relações internacionais com o fim da Guerra Fria e o aumento substancial de membros da ONU. A resolução AG 48/26, adoptada também por consenso em 1993, reconheceu a necessidade de rever a composição do Conselho e questões afins e estabeleceu um Grupo de Trabalho Aberto para discutir estes temas e relatar conclusões à Assembleia Geral.

O primeiro relatório do Grupo de Trabalho concluiu que existia convergência sobre a necessidade do aumento do número de membros do Conselho, mas considerou que a dimensão e a natureza de tal alargamento requeriam mais discussão. Os países em desenvolvimento objectaram a uma abordagem baseada na distinção entre Norte e Sul como fundamentalmente incompatível com os objectivos da reforma. Na 50ª Assembleia Geral, em 1995, tornou-se claro que um acordo sobre o aumento de membros permanentes do Conselho de Segurança não poderia assentar na entrada apenas de países industrializados.

No início de 1997 os vice-presidentes do Grupo de Trabalho Aberto convidaram representantes de todos os Estados Membros para consultas informais privadas, quer em grupos, quer individualmente, abrangendo um total de 165 delegações. Dessas consultas emergiu a conclusão do Grupo de Trabalho Aberto de que "um aumento tanto nas categorias de membros permanentes como de não-permanentes do Conselho de Segurança era apoiado por uma larga maioria dos entrevistados" e de que "a maior parte favorecia a entrada de membros permanentes provenientes tanto dos países em desenvolvimento como dos industrializados".

Em Abril de 1997 o Grupo de Trabalho recebeu uma proposta (doc. AC.247/1997/CRP.8) do seu Presidente (embaixador Ismail Razali, da Malásia, então presidente da Assembleia Geral e por inerência presidente do Grupo de Trabalho), cujo conteúdo reflectia em grande parte as conclusões dos vice-presidentes. A "proposta Razali" não discriminava entre países desenvolvidos e em desenvolvimento e sugeria um sistema democrático para selecção de novos membros permanentes pela Assembleia Geral da ONU. Incluía ainda um conjunto de provisões sobre o processo de decisão e sobre métodos de trabalho do Conselho de Segurança, fazendo uma síntese entre as sugestões mais utópicas surgidas no Grupo de Trabalho e o que parecia possível, realisticamente.

Em Novembro de 1998, depois de cinco anos em que o Grupo de Trabalho Aberto foi sucessivamente presidido por representantes de todos os Grupos Regionais (Guiana, Costa do Marfim, Portugal, Malásia e Ucrânia), a Assembleia Geral recebeu o quinto relatório do Grupo de Trabalho que não trouxe nenhuma nova orientação ou proposta, limitando-se a uma compilação de documentos. Muitas delegações consideraram a utilidade do Grupo de Trabalho esgotada. Mas o Grupo propôs prolongar a sua actividade por mais um ano.

Para muitos, principalmente os assumidos candidatos a membros permanentes como o Japão, a Alemanha, o Brasil e a Índia, desejosos de concretizar quanto antes a sua entrada, o trabalho levado a cabo sob a direcção de cinco sucessivos presidentes da Assembleia Geral produziu já uma base suficientemente sólida para se iniciarem negociações sobre um "pacote da reforma" que a Assembleia Geral aprove sem mais demoras. Estes países e os seus apoiantes sustentam que os parâmetros desse pacote são os contidos nas conclusões dos vice-presidentes e alertam para o falhanço que constituirá desperdiçar a década de 90 em discussões estéreis quanto à reforma do Conselho de Segurança, tanto mais incompreensível quanto o secretário-geral Kofi Annan vem, pelo seu lado, desde 1997, promovendo a reforma de outros sectores da organização.

Outra e completamente oposta é a perspectiva de meia dúzia de países, eventualmente sem veleidades de aceder à categoria de membros permanentes do Conselho de Segurança mas determinados a impedir a entrada de alguns candidatos, fundamentalmente por rivalidades regionais: Itália e Paquistão, ambos representados em Nova Iorque por embaixadores combativos e criativos, movem uma verdadeira guerrilha contra as pretensões da Alemanha e da índia, respectivamente.

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De forma diplomaticamente mais subtil e porventura juridicamente mais elaborada, mas não menos penalizadora, México e Argentina convergem no intento de manter o Brasil afastado da cadeira de membro permanente do Conselho de Segurança. O Japão, apesar das promessas de apoio que a "diplomacia do livro de cheques" lhe granjeia, deverá saber que os seus apoiantes mais fiéis estão entre os membros permanentes, desejosos de reduzir as respectivas facturas com operações de paz e outros encargos...

No Grupo Africano entrecruzam-se aspirantes a candidatos e respectivos rivais: África do Sul, Nigéria, Egipto – cada qual com os seus anticorpos a nível regional, vulnerabilidades intrínsecas e vulnerabilidades de outra ordem aos olhos dos P5. Estes, rendidos já à inevitabilidade de o alargamento do Conselho de Segurança não se restringir à Alemanha e ao Japão, não abdicam de procurar "cooptar" do Terceiro Mundo quem melhor lhes sirva de parceiro. Entre os P5 as sensibilidades variam evidentemente, mas convergem no interesse de limitar o alcance da reforma, quer no que respeita ao aumento do número de membros do Conselho de Segurança, permanentes e não permanentes, quer no sentido de preservar o "statuquo" quanto aos métodos de trabalho do Conselho. A dois deles, França e Reino Unido – a quem o estatuto de grande potência se desajusta cada vez mais, restando-lhes o argumento dos arsenais nucleares – convém objectivamente o impasse na reforma e alargamento do Conselho de Segurança, não vá o processo escapar-lhes ao controlo e catapultá-los para fora...

Da "maioria silenciosa" dos Estados que assistem às movimentações nos bastidores e no palco – (de verdadeiro palco se trata, fazendo-se a generalidade das delegações representar no Grupo de Trabalho Aberto a nível de embaixadores, comprazidos na terapia ocupacional e massagens do ego que estes debates lhes proporcionam) – emergiu nos dois últimos anos um pequeno grupo empenhado em fazer concretizar a reforma do Conselho de Segurança, mas não disposto a deixar que toda ela fique hipotecada à selecção dos novos membros permanentes. Desse Grupo, o "G-10", integrado pela Austrália, Áustria, Bélgica, Bulgária, República Checa, Estónia, Hungria, Irlanda, Portugal e Eslovénia -10 países pequenos e médios que tinham à partida em comum o facto de haver declarado um apoio incondicional e acrítico às candidaturas do Japão e Alemanha – surgiram em 1997 e em 1998 dois documentos (A/AC.247/1997/CRP.2 e A/AC.247/1998/CRP.17) contendo reflexões e propostas que almejam corporizar soluções equilibradas e viáveis, tendo em conta a generalidade das posições expressas.

 

Três princípios

Estes documentos mostram que as discussões no Grupo de Trabalho Aberto conduziram a uma significativa evolução dos países subscritores, particularmente visível na defesa de três princípios orientadores da reforma: 1) - o aumento de membros não permanentes não deve ficar dependente de um acordo quanto aos novos membros permanentes (o que implica uma certa descolagem relativamente ao anterior ponto de partida de apoio incondicional às candidaturas do Japão e da Alemanha, embora sem quebrar esses compromissos); 2) - advogando a necessidade da limitação do direito de veto para todos os membros permanentes, e não apenas para os novos; e 3) – salientando a decisiva importância de o Conselho de Segurança rever e melhorar os seus métodos de trabalho.

Esta evolução espelha uma tendência a afirmar-se como dominante, deixando de algum modo acossados os P5 e os candidatos declarados a membros permanentes. Essa tendência foi testada, com sucesso, na última Assembleia Geral, com uma proposta de resolução apresentada pela Itália – com apoio militante de países como a Espanha, o Canadá, o México, a Coreia, o Egipto e muitos outros de todos os grupos regionais – determinando a necessidade de uma maioria de dois terços dos membros da Assembleia Geral para se adoptar qualquer resolução ou decisão respeitante ao alargamento do Conselho de Segurança e questões afins (a resolução AG 48/26, que criou o mandato do Grupo de Trabalho Aberto, requeria, apenas, um "acordo geral" para aprovar qualquer reforma).

Incapazes de mobilizar apoios para derrotar, afastar ou sequer diferir a consideração daquela iniciativa, P5 e candidatos acabaram por se juntar ao consenso que aprovou a resolução 53. O esforço negocial de aproximação foi conduzido pelo "G-10", cuja inclinação desde o início era apoiar a iniciativa italiana, uma vez limada alguma linguagem.

Na perspectiva do aumento da representatividade e democraticidade do Conselho de Segurança, será desejável que o movimento de reforma incida prioritariamente sobre o aumento do número de membros não permanentes, que são aqueles que detêm verdadeira legitimidade democrática por resultarem de eleição por todos os Estados Membros, anualmente. Importa também assegurar a eficiência do funcionamento do Conselho de Segurança. E um acréscimo de membros pode até comprometê-la, se não se alterarem os métodos de trabalho do Conselho.

A transparência do processo decisório do Conselho é vital para aumentar a sua credibilidade e eficácia. O secretismo com que se desenrola o processo decisório, actualmente, incentiva a desresponsabilização e a incoerência política dos seus membros. Impõe-se que o Conselho volte a debater cada questão em sessões públicas, abertas à observação dos restantes Estados Membros, e com actas escritas que registem a evolução das discussões e as posições de cada membro.

 

O direito de veto

Mas não haja ilusões – a credibilidade, a democraticidade, a legitimidade e a eficácia do Conselho de Segurança só poderão ser verdadeiramente reforçadas se a reforma abolir, ou pelo menos limitar, o direito de veto.

A intocabilidade e a racionalidade do veto estão sistematicamente a ser postas em causa: quando a China veta em 1997 o envio da força de paz MINUGUA porque a Guatemala sempre se relacionou com Taiwan; quando os EUA vetam em 1997 a condenação de Israel por prosseguir a construção de colonatos, pondo em perigo o processo de paz; quando em 1998 os EUA e ORU atacam militarmente o Iraque sem mandato específico do Conselho, certos do veto de russos e chineses, eventualmente incertos quanto ao dos franceses; ou quando os membros da NATO contemplam intervir no Kosovo, porventura também à revelia do Conselho de Segurança, porque mais uma vez russos e chineses não deixarão de exercer o veto...

Não é apenas o exercício do direito de veto que condiciona a acção do Conselho de Segurança. A simples ameaça desse exercício – declarada ou insinuada apenas por algum P5 – paralisa efectivamente o Conselho: por mera relutância de Washington em aprovar envios de forças para a região dos Grandes Lagos, o CS assistiu impotente e inactivo às repetidas matanças no Ruanda, no Burundi, no Zaire e no Congo...

Em conclusão, não se augura que o alargamento do Conselho de Segurança a novos membros permanentes esteja para breve. Antes de mais porque alguns países estão determinados a boicotar activamente o processo para impedir a elevação de rivais a membros permanentes. Inviabilizar consensos na ONU é sempre incomparavelmente mais fácil do que construí-los, ainda por cima numa matéria desta complexidade e sensibilidade política... Por outro lado, o conservadorismo e o enquistamento defensivo dos actuais P5, designadamente em torno do veto, que pretendem seja "tabu", também não facilita a formação dos necessários consensos; e a verdade é que o "statu quo" lhes serve perfeitamente, a todos...

 

Informação Complementar

O secretismo do processo decisório do Conselho de Segurança

A experiência portuguesa de dois anos de presença no CS, em 1997 e 1998, permite concluir que não há alargamento que valha à credibilidade e eficácia do CS, se não mudarem os métodos de trabalho, voltando designadamente a realizar em sessões públicas a maioria das suas reuniões, com registos escritos dos respectivos debates.

Na realidade, à revelia do que a Carta das Nações Unidas prevê, 90% das discussões do Conselho têm hoje lugar não na Sala do Conselho, mas numa pequena câmara lateral, em sessões de "consultas informais", vedadas ao acesso de outros membros das NU e privadas de actas ou meros resumos escritos. Quando o Conselho reúne em sessão formal já tudo está discutido, cozinhado e acertado. Resta a encenação final das votações, com discursos previamente preparados para as câmaras de televisão.

Este modo de funcionamento não só tornou o processo de decisão do Conselho opaco, como alargou o fosso entre o Conselho e o resto dos membros e órgãos da ONU. E, por outro lado, estimulou e estimula a desresponsabilização e incoerência de actuação dos Estados que o integram, tanto mais que não existem registos escritos das atitudes que adoptam na análise dos casos trazidos ao Conselho e na determinação das suas reacções.

Estes métodos implantaram-se desde o início dos anos 90 (a Guerra do Golfo, com a necessidade de extensas discussões e negociações em privado, forneceu o pretexto) e têm-se perpetuado mercê da conjugação de dois factores – a ignorância e inércia dos membros não permanentes, cinco dos quais mudam cada ano; e o zelo dos P5 em preservar o sistema, que lhes assegura o controlo decisivo das operações, sem embaraçoso escrutínio público.

A consciência das implicações perniciosas deste modo de funcionamento está no entanto a alastrar e Portugal desempenhou um papel relevante nesse processo. Juntamente com os restantes 9 membros não permanentes, no final de 1997, Portugal subscreveu uma carta dirigida ao Presidente do CS, publicamente divulgada, sustentando a necessidade de correcção de vários aspectos da metodologia de trabalho do CS. Também os documentos do G-10 para o Grupo de Trabalho Aberto, a que acima se alude, na parte referente à melhoria dos métodos de trabalho do CS, reflectem a contribuição portuguesa. Ao longo dos dois anos de presença no CS, no âmbito do Grupo de Trabalho sobre Documentação e Questões Processuais do CS e nos trabalhos diários do Conselho de Segurança, Portugal tomou diversas iniciativas tendentes a levar à prática melhorias na metodologia deste órgão.

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* Ana Gomes

Ministra Plenipotenciária. Membro da Delegação Portuguesa no Conselho de Segurança (1997/1998).

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