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Empresas portuguesas: internacionalização e globalização

Gonçalo Caetano *

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O progresso tecnológico, as novas condições de concorrência envolvendo o alargamento e abertura dos mercados, o lançamento de produtos para o mercado mundial, a redução do ciclo de vida dos produtos, a uniformização dos gostos e padrões de consumo a maior importância dos factores intangíveis dinâmicos de competitividade (I&D), a transferência de poder para a procura e o reforço da normalização, são fenómenos independentes, que se têm vindo a afirmar cada vez mais.

Embora não se trate de fenómenos novos, antes tendências nítidas que se têm vindo a verificar, nomeadamente, desde a segunda guerra mundial, o seu impacte ao nível da afectação de recursos e da organização das economias está, actualmente, a atingir uma fase crítica, mesmo revolucionária, devido, essencialmente, ao progresso experimentado no sector das comunicações, à redução de barreiras ao comércio na sequência do Uruguay Round e dos acordos do GATT, à criação de novos mercados livres regionais, como a NAFTA e o MERCOSUL, e, em geral, à crescente integração das economias nacionais, à abertura progressiva da Europa Central e Oriental e à sua transição para economias de mercado, na sequência da queda do muro de Berlim, à liberalização da circulação internacional de capitais e às alterações ocorridas na organização, gestão e estratégia empresariais.

A divisão internacional do trabalho pode, hoje em dia, ser melhor potenciada, devido à facilidade de localização dos processos produtivos pelas empresas transnacionais, originada pela redução dos custos de transporte e de comunicação.

A possibilidade de as empresas, neste quadro, poderem estruturar e integrar, eventualmente no último estádio do seu processo de internacionalização, todas as suas operações de I&D, produção, "sourcing" e marketing, à escala global, através das mais variadas formas de abordagem dos mercados internacionais, desde os fluxos comerciais, passando pelas redes de subcontratação e alianças estratégicas, até ao estabelecimento de filiais de concepção e produção, permite-lhes, potencialmente, a obtenção de fortes ganhos de eficiência à medida que vão produzindo para o mercado mundial em vez de produzirem para mercados de menor dimensão e mais diversificados, o alargamento do leque de fornecedores de inputs e de serviços de suporte possíveis, podendo, com isso, assegurar importantes poupanças de recursos financeiros, o acesso a novas formas de gestão, a novas tecnologias, produtos e mercados, a know-how e a canais de distribuição internacionais, no caso das alianças estratégicas e das estratégias externas de investimento internacional.

Neste contexto, é importante sublinhar que a globalização não implica, forçosamente, uma completa uniformização dos produtos sobre mercados globais homogéneos. Bem pelo contrário, esta globalização aceita, perfeitamente, doses, maiores ou menores, de segmentação supranacional, nacional, regional ou local, dos mercados mundiais, devido a razões culturais, económicas, climáticas ou legislativas, com o que isso implica em termos de diferenciação dos produtos.

O que caracteriza, pois, a globalização são as estruturas de organização, os modos de produção, os processos de decisão e de controlo, as estratégias e os fluxos de troca de produtos, que são organizados à escala planetária. Claro que a globalização é, também, uma fonte de riscos, ou melhor, de desafios para as empresas: a pressão do tempo, a concorrência em espaços abertos, o aparecimento de novos concorrentes e de produtos substitutos, as barreiras à entrada colocadas pelos novos desenvolvimentos tecnológicos, a tendência para o reforço da oligopolização e o reforço das relações entre concepção, fabrico e consumo são alguns dos desafios colocados à actividade empresarial derivados do processo de globalização.

A globalização, por outro lado, tem estado na base da afirmação progressiva de um novo modelo de internacionalização empresarial e de multinacionalização, marcado, já não tanto pela exploração, nos mercados internacionais, de vantagens competitivas de base nacional, decorrentes da aglomeração local de condições favoráveis de procura, concorrência, proximidade de fornecedores estratégicos, factores produtivos e comportamentos empresariais, constituindo, na acepção de M. Porter, os chamados diamantes de competitividade nacionais de cada indústria, mas antes pelo acesso, interiorização e aplicação de capacidades e saberes estratégicos, dispersos geograficamente e diferenciados, de natureza imaterial e, cada vez mais, tácita, dependentes, em grande parte, dos contextos locais, e, por isso, mais imóveis, substituindo-se, gradualmente, a lógica de internalização, de hierarquia e comando, de posse de recursos distribuídos, característica do capitalismo hierárquico, pelo acesso a recursos estratégicos que se partilham com outras organizações, no quadro de acordos de cooperação, unilaterais ou bilaterais/multilaterais, horizontais ou verticais, envolvendo ou não criação de novas entidades, participação no capital e relações de propriedade e de reciprocidade.

Com efeito, a necessidade cada vez mais premente, neste novo contexto, de aceder, rapidamente, a estes conhecimentos e saberes estratégicos favorece o desenvolvimento de estratégias de externalização e parceria, partilhando-se recursos dispersos, e não disponíveis nos territórios e sistemas de inovação nacionais, numa lógica de colaboração, complementaridade e aprendizagem mútua, através de toda uma gama de acordos de cooperação unidireccional e de alianças e redes estratégicas. Em vez de 'pesos-pesados', as multinacionais serão 'pesos-leves'.

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Diagnóstico da Situação

Na última década, a internacionalização da economia portuguesa foi dominada pelo impacte da integração europeia e pela liberalização do sistema económico (privatizações). A influência da adesão de Portugal à Comunidade Europeia foi decisiva ao nível da intensificação das trocas comerciais com os países europeus, da canalização de investimento directo proveniente dos restantes Estados Membros (sobretudo do Reino Unido, França, Espanha e Alemanha) e das elevadas transferências financeiras comunitárias através dos fundos estruturais, integrados nos dois Quadros Comunitários de Apoio (1989-93 e 1994-99).

Esta evolução global, ao longo da última década, esteve na base, nomeadamente, de um reforço significativo do grau de abertura da economia portuguesa ao exterior, que cresceu, neste período, cerca de 50%, traduzindo a crescente importância das exportações e importações no PIB e uma forte dependência face ao exterior, e, em parte, de uma alteração do padrão de especialização da indústria portuguesa e da estrutura do nosso comércio externo. No entanto, a internacionalização da economia e empresas portuguesas é, ainda, relativamente:

  • truncada e limitada, no sentido de que faltam ou são escassas, no tecido empresarial nacional, algumas das formas típicas de envolvimento internacional das economias mais desenvolvidas; há que destacar, a este nível, a ainda reduzida dimensão do investimento português no exterior, seja para assegurar a competitividade custo dos factores, seja para assegurar uma presença multimercados através de formas de instalação comercial, e a reduzida expressão dos acordos cooperativos nos processos de internacionalização das nossas empresas, com excepção para as relações de subcontratação dependente, para o franchising no mercado doméstico e para os contratos com agentes para penetração em mercados externos;
  • e desequilibrada, quer quando fazemos uma análise comparativa dos fluxos quantitativos de entrada e saída, quer quando se procura identificar, respectivamente, a sua origem e destino; é, particularmente, excessiva a dependência dos mercados tradicionais, nomeadamente da União Europeia (menos distantes em termos geográficos e culturais), e limitada a capacidade de penetração em novos mercados, tal como é deficiente a importância conferida aos países mais desenvolvidos como locais de eleição para a instalação de formas sustentadas de internacionalização, tudo isto traduzindo atitudes de exportação passivas ainda insuficientemente ultrapassadas.

É de registar, no entanto, a existência de alguns sinais importantes de inversão gradual desta tendência, associados, nomeadamente, ao forte crescimento, nos últimos anos, do investimento directo português no exterior (Portugal, em 1996, foi, pela primeira vez, nos últimos 50 anos, exportador líquido de investimento directo), por parte, designadamente, do sector da banca, seguros e imóveis, e de empresas de grande e média dimensão na indústria transformadora e na área comercial (Cimpor, Sonae Indústria, Petrogal, Colep, Autosil, Jerónimo Martins, Grupos Pão de Açúcar e Sonae, etc.), na União Europeia, e, particularmente, em Espanha, Reino Unido e França, e, mais recentemente, em destinos menos tradicionais da Europa Comunitária e, sobretudo, de países não pertencentes à OCDE, como o Brasil, Marrocos, México, Argentina, Polónia e outros países da Europa Central e de Leste, deslocalizando-se produção industrial, para tirar partido dos diferenciais de custo da mão-de-obra ou para explorar mercados muito vastos ou emergentes, de elevadas potencialidades de crescimento.

 

Reforço e Reequilíbrio

Os desafios da globalização representam novas oportunidades para as empresas portuguesas, e, nomeadamente, para as PME. O que as nossas empresas, em geral, não tinham (dimensão elevada do mercado interno, grande escala de operações, conhecimento dos mercados externos, experiência de internacionalização tradicional, clusters industriais dinâmicos e bem estruturados e dimensionados) deixou, numa medida importante, de fazer falta. Tudo vai depender, em boa parte, da maior ou menor capacidade das empresas portuguesas de "pensarem internacional" e de aprenderem a lógica e as principais técnicas e particularidades dos diversos tipos de acordos de cooperação inter-firmas, desde os unidireccionais até às alianças.

Estas experiências recentes de multinacionalização revelam-se, muitas vezes, não só essenciais à sobrevivência (deslocalização da produção em busca de redução de custos), crescimento, qualificação e capacidade de resistência à concorrência estrangeira das empresas que as desenvolvem, mas também como factores de aprendizagem fundamentais, em matéria, designadamente, de gestão de operações internacionais e de controlo e coordenação de actividades da cadeia de valor dispersas por vários países, e de construção, pela presença local, de uma reputação de modernidade e credibilidade em mercados estratégicos para a nossa inserção internacional, quer porque se trate de mercados naturais dos nossos principais concorrentes, quer porque são mercados emergentes onde a rivalidade é menos intensa e as taxas de rendibilidade mais elevadas (mas onde, em contrapartida, diversos tipos de risco são maiores), quer ainda porque são compostos pelos consumidores mais sofisticados e exigentes.

Porém, as empresas portuguesas, e, nomeadamente, as PME, partem para este processo com desvantagens competitivas óbvias derivadas da sua falta de experiência, comparativamente com estruturas empresariais de países mais desenvolvidos. Por outro lado, e no caso específico, sobretudo, das PME, a insuficiência de recursos financeiros, tecnológicos e humanos, a falta de conhecimento acerca dos mercados externos e das particularidades da evolução de cada um dos negócios, a reduzida experiência de actuação internacional, nomeadamente, colocam grandes dificuldades à realização de operações com este grau de exigência, do ponto de vista de gestão, organização, coordenação e controlo, e de comprometimento de recursos.

Neste sentido, o recurso à cooperação inter-firmas, por parte, nomeadamente, das PME, na medida em que permita a ultrapassagem dos problemas decorrentes da insuficiência dos recursos e competências disponíveis e um acesso mais rápido a saberes estratégicos e tecnologias críticas, desenvolvidos noutras partes do globo, facilitando e promovendo, deste modo, a internacionalização, imediata ou posterior, das actividades e uma inserção, potencialmente, efectiva e bem sucedida das empresas nos mercados internacionais, revela-se, a este nível, uma opção estratégica, particularmente, adequada.

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* Gonçalo Caetano

Docente no ISEG.

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