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Janus 2001



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Conservação da Natureza

Isabel Mendes *

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O nível de crescimento e de desenvolvimento que o mundo atingiu neste final de século fundamentou-se na suposição de uma capacidade ilimitada dos ecossistemas em absorverem qualquer tipo de distúrbio, sem que por isso sofressem alterações no seu funcionamento implicando modificações qualitativas do seu estado inicial. Assim sendo, os agentes económicos foram fazendo uso dos recursos naturais renováveis e não renováveis, substituindo-os sempre que atingiam o ponto de exaustão ou os limites das suas capacidades de sustentação (a Capacidade de Sustentação de um ecossistema é o nível máximo de stress que ele pode suportar, sem sofrer nenhuma alteração qualitativa de estado).

Mas a situação a que chegou o ambiente neste fim de século veio demonstrar que a tradicional forma de a sociedade olhar o ambiente está definitivamente errada e tem-se revelado perigosa para a qualidade de vida do ser humano, para não dizer para a sua própria sobrevivência.

É por isso que neste final de século, especialmente a partir da década de 80, o mundo reconheceu que as capacidades de regeneração e de sustentação dos ecossistemas estavam em perigo de esgotamento (e, nalguns casos, definitivamente esgotadas), colocando em risco a diversidade biológica de que a actividade económica, em particular, e a qualidade de vida do homem, em geral, dependem. Por isso, em 1987, a maioria das nações concordou com a necessidade de se adoptarem medidas ambientais à escala global, no sentido de assegurar o crescimento sustentável, o que ficou concretizado com a assinatura do Relatório Brundtland, elaborado no âmbito da World Commission on Environment and Development. Foi com este relatório que se vulgarizou o conceito de Crescimento Sustentável. Definido genericamente como um tipo de desenvolvimento que satisfaz as necessidades da geração actual sem pôr em causa a satisfação das necessidades das gerações futuras, o relatório da Comissão Brundtland sublinhava a importância de os objectivos de desenvolvimento terem de seguir a par dos objectivos ambientais.

Esta importância veio a reforçar-se num contexto socioeconómico mundial caracterizado por: I) crescimento exponencial demográfico acompanhado de fortes movimentos migratórios, caracterizados por fenómenos de concentração excessiva em zonas metropolitanas e de desertificação das áreas de cultivo; II) crescimento económico baseado na liberalização total dos mercados e na generalização, à escala mundial, do princípio do consumismo; III) destruição acelerada de ecossistemas fundamentais à actividade económica e à manutenção da qualidade de vida humana.

 

Obstáculos ao crescimento sustentável

A prossecução do crescimento sustentável obriga à adopção e à implementação de políticas ambientais. No entanto, tem sido difícil aplicar as medidas preventivas de protecção ambiental que se impõem, porque interferem com as decisões dos agentes económicos, na medida em que estas se fundamentam em escolhas baseadas em critérios de opção economicamente racionais. Esta dificuldade deriva basicamente de três ordens de razões: I) a Sociedade não conhece a importância que os ecossistemas têm para a actividade económica, porque não reconhece, pelo menos de uma forma sistematizada, o tipo de usos que deles é feito e, consequentemente, o seu valor económico; II) os bens e os serviços produzidos pelos ecossistemas não têm, na sua generalidade, direitos de propriedade definidos, pelo que sofrem daquilo que os economistas designam pela "tragédia dos comuns"; III) os economistas ainda não fizeram estudos suficientes para poderem chegar a conclusões fiáveis, acerca do impacte efectivo que as medidas ambientais terão sobre a actividade económica e, nomeadamente, sobre a competitividade das empresas, dos sectores, das regiões e das nações.

Paralelamente aos esforços para ultrapassar os obstáculos referidos, designadamente ao desenvolvimento científico, outro tipo de medidas têm vindo a ser adoptadas pelos governos, inseridas num conjunto mais vasto, o das políticas de conservação da natureza. Delas fazem parte a criação de Áreas Protegidas que são um dos melhores instrumentos de conservação e/ou preservação dos ecossistemas. Uma Área Protegida (AP), também designada por Área Classificada, é uma área natural com limites definidos por lei, onde as actividades científicas, económicas, educativas e recreativas estão sujeitas a limitações de diverso grau podendo, inclusive, ser proibidas.

A primeira vez que uma AP se concretizou foi nos Estados Unidos da América, quando o Parque Nacional de Yellowstone foi criado nos finais do século XIX. A nova forma de olhar os espaços naturais reconhece que estas áreas, e a política seguida na sua preservação, tinham um valor cénico, científico e natural para a Sociedade actual e gerações futuras. Pela primeira vez na história humana, uma entidade política reconhecia a existência de valor no acto de se preservarem da exploração das actividades económicas tradicionais determinados espaços, reservando-os para usos alternativos, nomeadamente os relacionados com o recreio e lazer.

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O Estado passa a ser reconhecido por todos os agentes económicos como o gestor mais eficiente para atingir o objectivo principal que é o da preservação, dada a intangibilidade daquilo que se pretende proteger e a sua natureza de bem público. Após este primeiro passo, a política conservadonista estendeu-se para além dos parques nacionais e acelerou-se após a 2ª Guerra Mundial, com a multiplicação da criação de AP's em todo o mundo.

Em 5 de Outubro de 1945, em Fontainebleau, é fundado o IUCN – The World Conservation Union, uma das mais antigas organizações internacionais de conservação da natureza. O IUCN aconselha e ajuda tecnicamente os governos, organizações e comunidades locais, sobre as estratégias de conservação e sua implementação, no sentido de se assegurar o uso sustentável dos recursos naturais. Na década de 70 escreve a sua World Conservation Strategy onde, pela primeira vez, se faz uso do conceito de desenvolvimento sustentável. Neste momento, fazem parte do IUCN 74 governos (entre os quais, por exemplo, Estados Unidos, China, Japão, Portugal, Reino Unido), 105 organismos governamentais (em Portugal, o organismo governamental é o ICN - Instituto da Conservação da Natureza) e mais de 700 organizações não-governamentais (as organizações não-governamentais portuguesas são o FAPAS - Fundo Para a Protecção dos Animais Selvagens, Liga Para a Protecção da Natureza e o NPEPVS - Núcleo Português de Estudo e Protecção da Vida Selvagem). Ao todo, os membros do IUCN constituem uma rede de 895 instituições e organizações provenientes dos quatro cantos do globo. O IUCN está organizado em 6 comissões, de entre as quais a World Commission of Protected Áreas (WCPP). É ela que lidera todo o processo técnico e científico relativo à selecção, formação e gestão de áreas protegidas.

Todavia só na década de 60 serão criadas AP's com o objectivo explícito de preservar a diversidade biológica e os ecossistemas. Neste sentido, foram definidos pelo IUCN os três objectivos principais da estratégia de conservação mundial: 1º) Manter os processos ecológicos essenciais e respectivos sistemas de suporte de vida; 2º) assegurar o uso sustentável dos ecossistemas e respectivos outputs, independentemente do tipo de usos que deles seja feito; 3º) preservar a diversidade genética. A ideia fundamental é preservar a diversidade biológica, cuja importância é ditada por razões de ordem económica, científica, educacional, estético-contemplativa e razões éticas e filosóficas.

Como razões de ordem económica, são referidas as descobertas de novas espécies vegetais, animais e minerais e as aplicações económicas que delas podem ser feitas: na Agricultura (como a descoberta de espécies vegetais, mais resistentes a pragas naturais e mais produtivas em ambientes adversos); na Medicina (as descobertas sucessivas de substâncias de origem animal e vegetal com propriedades curativas); na Indústria (novas matérias-primas; uso sustentável dos recursos naturais em geral); na Nutrição; no bem-estar em geral do ser humano (as áreas naturais funcionam como reguladores naturais dos sistemas hidrográfico e climatérico; são produtoras de húmus, águas minerais, plantas medicinais e decorativas, minerais e minérios; fornecem ainda as paisagens e os elementos necessários para o desenvolvimento de actividades turísticas e de recreio; o sistema económico apropria-se graciosamente de todos estes serviços e bens produzidos pela natureza para os quais não existem, neste momento, tecnologias humanas que substituam o meio ambiente nestas tarefas).

Como razões de ordem científica e educacional, apontam-se a necessidade de investigar a interacção entre as formas de vida e os seus habitats, o estudo dos processos vitais básicos e a utilização das conclusões desses estudos para melhorar o bem-estar. As razões de ordem estética estão relacionadas com o valor que a sociedade atribui à beleza paisagística.

Finalmente, as razões de ordem ética e filosófica explicam o interesse que muitos indivíduos têm em preservar as áreas naturais. Ao definirem AP's, os Estados estão simultaneamente a definir os objectivos de conservação e a avisar a sociedade do tipo de usos e do grau de uso que lhe são permitidos. Como cada AP tem à partida mais do que um objectivo de conservação, previamente hierarquizado por ordem de prioridade, isso proporciona à sociedade usos múltiplos, satisfazendo-se assim as diferentes preferências dos indivíduos.

 

A polémica em torno das AP'S

Se bem que a criação de AP's seja universalmente aceite e levada à prática de forma crescente como a forma mais eficiente de preservar os ecossistemas e a diversidade biológica e genética, ela não está, todavia, ao abrigo de críticas. Ao nível dos países desenvolvidos (PDs), esta questão não tem sido objecto de controvérsia por parte dos agentes económicos, excepto nos PDs com níveis inferiores de desenvolvimento, como é o caso, por exemplo, de Portugal. No nosso país, as AP's ainda sucumbem aos interesses económicos de certos lobbies que as pretendem usar para além dos limites de conservação definidos pelo ICN.

Mas os casos mais graves de crítica surgem nos Países em Vias de Desenvolvimento – PVD’s. São precisamente estes que são os depositários dos ecossistemas mais ricos e importantes, como as florestas equatoriais e tropicais, actualmente alvo de destruição acelerada. Acresce ainda o facto de que os níveis de pobreza destes países são outra das principais causas de destruição dos ecossistemas. Este processo destrutivo tem-se acentuado de tal maneira nos últimos anos que a própria vida das gerações presentes está em risco e a sobrevivência das gerações futuras já não é, sequer, ponderada. A argumentação geralmente apresentada pelos governos para justificarem esta prática depredatória prende-se sempre com necessidades de promoção do crescimento e do desenvolvimento, as quais não poderiam ser alheias à exploração dos recursos naturais disponíveis.

Para além deste, surgem ainda argumentos de ordem política e até moral cuja legitimidade, no contexto do processo de globalização neste fim de século e de escassez de áreas naturais, pode ser discutível. Independentemente da bondade desta argumentação é, todavia, lícito, que a sociedade global os questione dado que: I) a qualidade da sobrevivência humana está alarmantemente ameaçada; II) os ecossistemas estão a desaparecer irreversivelmente e o desenvolvimento tecnológico não é suficiente para substituir os outputs actualmente produzidos e proporcionados pelos ecossistemas; III) em termos económicos, os PVD's têm beneficiado fortemente da criação de AP's que têm sido uma fonte importante de rendimento para muitos destes países, que as exploram turisticamente; as utilizações que os PVD's têm feito dos locais antes ocupados por áreas naturais não têm contribuído para o crescimento económico nem para a solução dos seus problemas estruturais socio-económicos; ao contrário, e paradoxalmente, estão a pôr definitivamente em causa as suas próprias potencialidades de crescimento, a curto, médio e a longo prazo.

Então, talvez possamos concluir que: I) se as AP's continuam a ser olhadas pela sociedade global como a forma mais eficiente de preservar os ecossistemas e de satisfazer as diversas preferências dos agentes económicos; II) e se, mesmo assim, elas são questionadas e postas em causa por razões económicas, então uma das principais tarefas do próximo século no que diz respeito à política de conservação, seja aprofundar e incentivar a investigação de metodologias e de técnicas económicas, que permitam quantificar monetariamente o valor de stock deste capital natural e o valor dos benefícios que a sua conservação e uso sustentado proporcionam.

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* Isabel Mendes

Professora Auxiliar do ISEG.

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