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Janus 2001



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Estados-providência na Europa: depois da retórica da crise

Paulo Pedroso *

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No período de grande crescimento económico após a Segunda Guerra Mundial, as zonas mais desenvolvidas do mundo dotaram-se de novos modelos de regulação social, assentes no diálogo entre o capital e o trabalho, na intervenção do Estado na prestação directa e gratuita de um conjunto de serviços básicos, na constituição de sistemas públicos de redistribuição de rendimentos, inspirados nas matrizes bismarckiana ou beveridgeana. Mas tal ocorreu segundo diferentes padrões, em função de variações geográficas e ideológicas. Esping-Andersen, num estudo comparativo internacional, distinguiu três sistemas — conservador, liberal e social-democrata.

O Sul da Europa, que estava de fora desta análise, apresenta, por sua vez, uma versão mais fraca e desequilibrada do modelo conservador. Portugal tem um sistema de protecção social típico do Sul da Europa. O sistema nasceu tarde, sob um regime autoritário e como pilar da construção de um sistema corporativo de regulação social, esteve sempre centrado na protecção dos trabalhadores por conta de outrem e não gerou, até há pouco tempo, mecanismos minimamente eficazes de protecção da pobreza.

Há quem sustente que todos estes modelos se baseavam na ideia de crescimento económico acelerado perpétuo. O choque petrolífero dos anos 70 gerou, por isso, o espectro de uma crise, dadas as novas incertezas quanto ao crescimento económico, num quadro em que as expectativas sociais já se haviam ajustado à existência de um modelo de protecção social desenvolvido e, ainda para mais, com uma evolução demográfica marcada pelo envelhecimento da população.

A tese da crise tem defensores, quer numa perspectiva liberal, quer numa perspectiva radical e parte da constatação de um dilema. Para manter a base social de apoio, será necessário aos países continuar a proporcionar, ou mesmo melhorar, os níveis de protecção. Mas para garantir esses níveis, as despesas sociais terão de continuar a crescer significativamente mais depressa que as economias, implicando aumentos da carga fiscal, prejudicando a eficiência económica, diminuindo a competitividade num mundo globalizado e, consequentemente, travando o crescimento económico, logo impossibilitando a melhoria da protecção. A União Europeia é, nas duas últimas décadas, um exemplo de que os piores cenários não se concretizaram. As despesas, embora elevadas, evoluíram controladamente.

Não se deve, no entanto, desvalorizar o problema, quer porque os factores que o geram continuam a desenvolver-se, quer porque a contenção drástica de despesas, se tal for necessário, é politicamente muito difícil em democracia, senão impossível. Por toda a parte se quis responder à crise possível. Mas as estratégias adoptadas mostraram efeitos perversos significativos e conduziram a novos dilemas: ser eficaz na contenção da pobreza e na promoção do emprego, mas financeiramente difícil de sustentar (resposta escandinava); ou ficar preso numa alternativa entre emprego e pobreza, como acontece com o modelo continental, ao não promover o emprego, e o anglo-saxónico, ao não conter a pobreza.

Por outro lado, foram adoptadas predominantemente medidas de contenção de custos públicos, de inspiração neoliberal. Nas pensões de idosos, por exemplo, promovendo os regimes privados, as transformações das fórmulas de cálculo, com redução do valor das pensões, ou a elevação da idade de acesso a pensões. No apoio à população em idade activa, procurando reduzir o número de beneficiários, o tempo que dependem das prestações, ou controlando estritamente os mecanismos administrativos de atribuição.

Neste contexto, Portugal tem problemas diferentes dos países com sistemas de protecção mais desenvolvidos. Aqui, ainda é necessário desenvolver a protecção social e não simplesmente conter despesas e controlar os usos abusivos. Com um peso das despesas sociais no PIB relativamente baixo, com níveis de protecção social igualmente baixos, quer por relação às necessidades das populações, quer em esforço por relação ao PIB, com níveis de pobreza elevados, a nossa agenda política da reforma não é compatível com um certo 'congelamento' do Estado-Providência. Os patamares de protecção atingidos não são suficientemente equilibrados, difundidos e protectores para que tal aconteça.

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Os actuais modelos, onde estão amadurecidos, aproximam-se dos seus limites. Todos necessitamos de novas respostas. Numa sociedade boa teríamos pleno emprego, pobreza nula, cidadãos com direitos sociais fortes e reconhecidos, sistemas de protecção financeiramente sustentáveis. Infelizmente, nas condições actuais, não parece possível atingir todos estes objectivos em simultâneo. Depois de respostas que geraram novos problemas, a tendência global parece ir no sentido da convergência entre sistemas de protecção social, pelo cruzamento de respostas.

Os pressupostos universalistas e igualitários dos países escandinavos parecem ser dos primeiros a estar em causa, uma vez iniciado o caminho do reconhecimento de que a desigualdade profissional deve influenciar níveis desiguais de protecção nos sistemas públicos.

A preocupação com a redução dos custos públicos continua a dominar o debate, embora com cautelas especiais. O combate ao uso indevido de prestações, por exemplo, tornou-se não só uma forma de reduzir a despesa, mas também de renovar a confiança e de combater a erosão da adesão por parte dos pagadores.

Por outro lado, segue-se o caminho da evolução de sistemas de protecção simplesmente baseados na redistribuição de recursos para sistemas com uma forte componente de preocupação com a criação de dependências em relação às prestações assim atribuídas.

Esta tendência tem uma formulação liberal e repressiva na sua formulação conservadora americana, que reduz ou corta as prestações aos beneficiários ao fim de algum tempo, ou quando o seu comportamento não é considerado adequado. Mas tem também uma teorização europeia, de esquerda, de 'activação', de incentivo à inserção desses beneficiários e de estímulo à actividade das instituições públicas, por forma a ultrapassar 'armadilhas de pobreza'. Punir os carenciados ou investir na sua inserção são duas fundamentações contraditórias nos resultados sociais da intervenção, mas com efeitos na diminuição do peso das transferências no conjunto da protecção social.

Há, por outro lado, novos riscos sociais, que necessitam de novas respostas. O desemprego juvenil massificado, as novas formas de marginalização urbana, são algumas das suas manifestações. Estas questões têm sido alvo de um tratamento inadequado no quadro de sistemas de protecção que não estão preparados para tais problemas. Só o seu redireccionamento permitirá encontrar essas respostas.

No caso de Portugal, no entanto, os problemas que se colocam com maior acuidade são de uma natureza algo diversa. Estamos ainda a construir o clima de consenso necessário a uma protecção social assente na protecção de todos. A controvérsia inicial sobre a introdução do rendimento mínimo garantido, num país com o nosso nível de pobreza, é um bom exemplo dessas dificuldades. Importa por outro lado, construir as bases para uma relação de cidadania com a protecção social. O clima de complacência com a fraude e a fuga às obrigações contributivas eram bons exemplos de um défice de legitimidade do sistema.

Por outro lado, importa criar as condições institucionais para que o sistema de protecção social não sofra problemas sérios de financiamento, mesmo sabendo que, comparativamente, Portugal ainda gasta pouco com protecção social. Mas o actual sistema de financiamento não lhe permitiria gastar mais. Há as margens que derivam do crescimento económico expectável e do aumento da eficácia nas cobranças. Mas haverá também que estar aberto para novas formas de financiamento de um aumento de despesas inevitável e desejável para uma segurança social forte para todos.

Há, também, que corrigir os desequilíbrios típicos da protecção social do sul da Europa. Em primeiro lugar, pela redução das profundas assimetrias sociais. Na Europa, em geral, os sistemas de protecção social têm grande impacte na redução da pobreza. Nos últimos anos foram dados passos significativos neste sentido, com a criação do Rendimento Mínimo Garantido, com as correcções na formação e nos aumentos das pensões, com as novas prestações familiares. Persistem problemas devidos à imaturidade do sistema e ao escasso esforço contributivo passado dos actuais pensionistas. Mas todo o sistema tem que continuar a ser examinado na óptica da sua maior eficácia na imunização contra a pobreza.

Tal esforço passa, também, por uma nova cultura de solidariedade. Não está em causa apenas o desenvolvimento das prestações, mas a expansão de serviços de apoio às pessoas e às famílias. O que, em Portugal e na Europa, não se pode perder de vista, é que o que hoje somos é fruto, também, de avanços significativos no bem-estar que, a serem postos em causa, podem eles próprios transformar-se em factores de regressão mais global.

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* Paulo Pedroso

Licenciado em Sociologia pelo ISCTE. Docente no ISCTE. Secretário de Estado do Emprego e Formação.

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Link em nova janela As despesas de protecção social, o emprego e a pobreza

Link em nova janela Os modelos de Estados-providência de Esping-Andersen

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