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ESTE ARTIGO CONTÉM DADOS ADICIONAIS CLIQUE AQUI! Portugal está excepcionalmente bem situado para compreender esta característica da ciência universal. Três exemplos, apenas, podem ilustrar esta condição: o cruzamento de conhecimentos entre a Europa e o Mundo Árabe, para sempre ilustrado por Marguerite Yourcenar, em que Portugal assume um papel importante; a acumulação de saberes na cartografia, astronomia e práticas de navegação que precedeu e fundou a "gesta dos Descobrimentos"; a integração dos cientistas e professores universitários expulsos por Salazar das instituições portuguesas que prosseguiram o seu trabalho no Brasil, em França, na Argentina, etc. Todos estes exemplos remetem para um processo global de produção científica em que se integram os cientistas portugueses, em Portugal e no estrangeiro. Este processo todavia não é nem linear, nem idêntico ao longo do tempo. O processo de internacionalização das ciências em Portugal foi claramente condicionado por episódios políticos, pela dinâmica do investimento científico e pelo mercado tecnológico em que Portugal participa. É claro que o isolacionismo entre 30 e 70, reflexo do ideológico "orgulhosamente sós", deslocou o processo de internacionalização da actividade científica portuguesa para o estrangeiro. Os melhores sinais e a mais profícua colaboração científica foram obra dos exilados forçados ou voluntários que em outros sistemas mais abertos desenvolveram a ciência que lhes era vedado prosseguir em Portugal, modelo de internacionalização, aliás, que as fases mais conservadoras da história portuguesa suscitaram invariavelmente, de Ribeiro Sanches e Garcia da Orta a Manuel Valadares e Rui Luís Gomes. O isolamento científico escolhido pelo regime fascista foi quebrado todavia nos anos 70 pela expansão da procura do ensino universitário e pelo primeiro recurso significativo à formação avançada no estrangeiro para dotar a universidade dos doutores que em muitos locais o mandarinato, o nepotismo e a polícia política filtravam cuidadosamente. Na viragem da década de 60 para 70 as primeiras fornadas dos doutorados regressados a Portugal e a constituição das primeiras instituições científicas modernas (e.g. o Instituto Gulbenkian de Ciência) criam os primeiros enclaves internacionais em que as práticas científicas modernas e a relação internacional se afirmam inequivocamente. Correspondendo a formação avançada sobretudo às necessidades do sistema universitário, ele próprio em expansão em resposta à pressão demográfica e à progressiva abertura e democratização do ensino superior, constituiu um forte ingrediente de internacionalização da ciência em Portugal, quer pelo volume de meios de que foi dispondo, quer por uma opção nem sempre consistente e claramente assumida, de manter um relativo equilíbrio entre formação no país (as mais das vezes intra-muros, no regime endogâmico que ainda caracteriza frequentemente a carreira docente no ensino superior) e formação no estrangeiro. Esta, alimentada inicialmente pelos Programas de Bolsas do Comité Científico da OTAN e da Fundação Gulbenkian, veio a dispor de meios sensivelmente superiores no I e II Quadros Comunitários de Apoio, através do Programa Ciência e PRAXIS XXI, atingindo-se um regime, desejavelmente de cruzeiro, com cerca de 500 a 600 novas bolsa de doutoramento por ano, das quais cerca de 50% apoiam doutoramentos no estrangeiro. Este notável investimento público tem fundado a expansão do sistema científico nacional, mas sobretudo tem vindo a tecer a rede de contactos científicos internacionais que transforma a cooperação internacional em ciência e tecnologia, de casos exemplares em prática quotidiana. Cabe aqui apontar que o "brain drain" que por vezes é apontado como a consequência inevitável da extroversão do sistema de formação avançada assume, primeiro, dimensões reduzidas – a maior parte dos doutorados no estrangeiro tem regressado a Portugal – e, segundo, poderá representar ele próprio uma adição importante a esta rede de contactos informais, valorizando a presença de cientistas portugueses no estrangeiro nas funções de embaixadores da Ciência que se faz em Portugal e de intermediários privilegiados nas trocas científicas internacionais. Cabe registar o potencial muito importante destas actuações e de organizações ainda incipientes que procuram valorizar estes papéis, como o Fórum dos Investigadores Portugueses no Estrangeiro e a Associação Portuguesa de Pós-Graduados, nos EUA. Sobre este tecido de relações a que os novos meios de comunicação vieram dar uma facilidade de operação sem medida comum com a era pré e-mail nasce a cooperação científica, que se traduz numa forte circulação de informação e na produção de confirmações e refutações dos produtos científicos à escala planetária, traduzindo-se na publicação, em qualquer media, mas sobretudo em revistas especializadas e indexadas, de materiais que, em autoria individual ou colectiva, constroem a ciência moderna. Há três características que transformaram de forma notável as condições de produção científica moderna, embora o tenham feito e o estejam ainda a fazer de forma diferencial, de acordo com os vários domínios científicos e o acesso das várias comunidades aos meios de comunicação electrónicos. Trata-se do acesso à Internet, do sistema de revisão sistemática da produção publicada por cientistas da área (peer review) e da indexação da produção científica e dos respectivos autores em enormes bancos de dados (e.g. o Science Citation Index). É comum hoje dizer-se que ninguém pode ser um verdadeiro cientista sem uma ligação à Internet, mas esta frase representa apenas o carácter aberto, universal, auto-avaliado e integrado do modo de produzir ciência neste fim de século. Neste contexto o processo de internacionalização da ciência pode medir-se sobretudo pelo peso das autorias conjuntas e plurinacionais no total das publicações científicas, num dado período. A situação portuguesa evoluiu rapidamente nos últimos 20 anos, verificando-se que enquanto em 1981 apenas 28% da produção científica nacional resultava da colaboração com instituições estrangeiras, em 1997 esta percentagem tinha subido para 42% Produção Científica Nacional. IndicadoresBibliométricos. (Observatório das Ciências e das Tecnologias em publicação - Texto 1). Este percurso internacional é ainda fortemente marcado pela emergência no pós-guerra da Big Science, que rapidamente se transformou na Megaciência, marcada pela construção de grandes laboratórios à escala regional ou mesmo mundial, onde convergem cientistas de variadas nacionalidades e que são hoje o local privilegiado da produção científica, em muitos domínios. Esta evolução foi fortemente marcada na Física, com a construção do CERN (Centro Europeu de Investigação Nuclear), infra-estrutura científica de larga dimensão em que trabalham cientistas de todas as nacionalidades, em áreas de fronteira do conhecimento na Física. O volume de meios financeiros necessários para construir e operar as estruturas físicas que possibilitam o avanço do conhecimento exige a cooperação internacional mesmo para os países mais avançados, criando assim de raiz uma estruturação internacional de produção de ciência que reforça o movimento de circulação científica e que, no caso do CERN, deu origem mesmo a novos modelos de circulação do conhecimento científico e não só – a WWW. A escala de produção científica é assim radicalmente transformada pela própria lógica da descoberta científica. O avanço do conhecimento requer e cria novos instrumentos de pesquisa que apelam a uma nova organização do trabalho científico, mais complexa, superando a imagem artesanal da produção de ciência e até o quadro nacional de recursos e colaborações para afirmar uma nova realidade organizativa plurinacional e frequentemente pluridisciplinar. A internacionalização e, particularmente, a participação dos cientistas portugueses nestes novos quadros de produção científica são assim uma transformação indispensável para poder acompanhar a produção científica moderna e nela participar. O isolacionismo científico significa, neste novo quadro, um inevitável atraso, nomeadamente para os pequenos países em que a dimensão dos recursos financeiros para o desenvolvimento científico é, mesmo em épocas claramente favoráveis ao investimento na ciência, insuficiente para dotar os países dos instrumentos de conhecimento científico em muitas áreas. Nestas e hoje, a ciência ou é internacional ou pura e simplesmente não existirá, conformando-se a uma nova escolástica repetitiva e alheia ao avanço do conhecimento. Se o processo de internacionalização nos parece hoje como a característica essencial da organização do trabalho científico, já a produção e a difusão das tecnologias partilha esta característica mas diferencia-se fortemente do espaço (tendencialmente) sem barreiras da produção científica. A tecnologia está estritamente associada ao mercado e à competição internacional, delimitando espaços de concorrência, espaços de protecção e espaços de interdição (nomeadamente no acesso às tecnologias de uso misto, civil e militar), podendo pensar-se que a adesão mesmo generalizada à protecção da propriedade industrial e, mais geralmente, à propriedade intelectual não seja exactamente equivalente à criação de um mercado único para as trocas tecnológicas. Para os pequenos países, todavia, a escolha entre isolacionismo e internacionalização tecnológica não deverá oferecer dificuldades apesar dos ruídos proteccionistas. Os requisitos do desenvolvimento tecnológico obrigam-nos, também aqui, a procurar no mundo os mercados que justifiquem os custos de desenvolvimento de novos produtos ou processos, os parceiros com quem dividir os riscos e desejavelmente os lucros, os clientes que a especialização industrial por vezes não oferece, as oportunidades de valorização industrial sem procura interna e as aplicações do próprio trabalho partilhado. Reconhecendo a evidência de um mercado tecnológico mais compartimentado e mais regulado em comparação com um universo de produção científica claramente mais livre e com menos barreiras à circulação do conhecimento, cabe eventualmente a questão de saber se a aproximação da produção científica à produção tecnológica, o crescimento e a dominância da inovação de base científica, o esbatimento da clássica distinção entre ciência fundamental e ciência aplicada, a interrogação sobre o significado da investigação pré-competitiva, vão conduzir a um desenvolvimento tecnológico mais universal ou apenas a uma ciência mais global e menos universal.
Informação Complementar Maior colaboração com instituições estrangeiras Entre 1991 e 1997, o sistema científico e tecnológico nacional multiplicou os seus contactos internacionais. Esta constatação resulta da análise dos endereços de autores das publicações em estudo, nas quais se reflecte a cooperação internacional. Em 1981 só 28% da produção científica nacional resultava da colaboração com instituições estrangeiras. Em causa estavam dezassete países e 71% das colaborações eram estabelecidas com os EUA, o Reino Unido e a França. Em 1997, a percentagem de trabalhos feitos em colaboração com o estrangeiro, sobre a produção total, aumentou para 42%. Estiveram envolvidos oitenta países e 71% das colaborações estabeleceram-se com os 10 países com quem Portugal mais colaborou. A colaboração de Portugal foi mais frequente com o Reino Unido, os EUA e França: com estes países foram estabelecidas 36% das colaborações. Número de colaborações por país (1981) Número de colaborações por país (1997) Doutoramento em curso no estrangeiro (1995-98)
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