Pesquisar

  Janus OnLine - Página inicial
  Pesquisa Avançada | Regras de Pesquisa 
 
 
Onde estou: Janus 1999-2000 > Índice de artigos > Dinâmicas e tendências > Território, sociedade e cultura > [Ciência global?]  
- JANUS 1999-2000 -

Janus 2001



Descarregar textoDescarregar (download) texto Imprimir versão amigável Imprimir versão amigável

ESTE ARTIGO CONTÉM DADOS ADICIONAIS seta CLIQUE AQUI! seta

Ciência global?

Armando Trigo de Abreu *

separador

No fim do séc. XX, poucas actividades podem reclamar um passado de universalidade tão longo e tão paradigmático como a ciência. Se eliminarmos ocasionais e limitados acessos de nacionalismo ou ideologismo mais destemperado que levaram à procura da ciência proletária ou da filosofia portuguesa, a história da ciência é uma história comum.

Portugal está excepcionalmente bem situado para compreender esta característica da ciência universal. Três exemplos, apenas, podem ilustrar esta condição: o cruzamento de conhecimentos entre a Europa e o Mundo Árabe, para sempre ilustrado por Marguerite Yourcenar, em que Portugal assume um papel importante; a acumulação de saberes na cartografia, astronomia e práticas de navegação que precedeu e fundou a "gesta dos Descobrimentos"; a integração dos cientistas e professores universitários expulsos por Salazar das instituições portuguesas que prosseguiram o seu trabalho no Brasil, em França, na Argentina, etc.

Todos estes exemplos remetem para um processo global de produção científica em que se integram os cientistas portugueses, em Portugal e no estrangeiro. Este processo todavia não é nem linear, nem idêntico ao longo do tempo. O processo de internacionalização das ciências em Portugal foi claramente condicionado por episódios políticos, pela dinâmica do investimento científico e pelo mercado tecnológico em que Portugal participa.

É claro que o isolacionismo entre 30 e 70, reflexo do ideológico "orgulhosamente sós", deslocou o processo de internacionalização da actividade científica portuguesa para o estrangeiro. Os melhores sinais e a mais profícua colaboração científica foram obra dos exilados forçados ou voluntários que em outros sistemas mais abertos desenvolveram a ciência que lhes era vedado prosseguir em Portugal, modelo de internacionalização, aliás, que as fases mais conservadoras da história portuguesa suscitaram invariavelmente, de Ribeiro Sanches e Garcia da Orta a Manuel Valadares e Rui Luís Gomes.

O isolamento científico escolhido pelo regime fascista foi quebrado todavia nos anos 70 pela expansão da procura do ensino universitário e pelo primeiro recurso significativo à formação avançada no estrangeiro para dotar a universidade dos doutores que em muitos locais o mandarinato, o nepotismo e a polícia política filtravam cuidadosamente. Na viragem da década de 60 para 70 as primeiras fornadas dos doutorados regressados a Portugal e a constituição das primeiras instituições científicas modernas (e.g. o Instituto Gulbenkian de Ciência) criam os primeiros enclaves internacionais em que as práticas científicas modernas e a relação internacional se afirmam inequivocamente.

Correspondendo a formação avançada sobretudo às necessidades do sistema universitário, ele próprio em expansão em resposta à pressão demográfica e à progressiva abertura e democratização do ensino superior, constituiu um forte ingrediente de internacionalização da ciência em Portugal, quer pelo volume de meios de que foi dispondo, quer por uma opção nem sempre consistente e claramente assumida, de manter um relativo equilíbrio entre formação no país (as mais das vezes intra-muros, no regime endogâmico que ainda caracteriza frequentemente a carreira docente no ensino superior) e formação no estrangeiro. Esta, alimentada inicialmente pelos Programas de Bolsas do Comité Científico da OTAN e da Fundação Gulbenkian, veio a dispor de meios sensivelmente superiores no I e II Quadros Comunitários de Apoio, através do Programa Ciência e PRAXIS XXI, atingindo-se um regime, desejavelmente de cruzeiro, com cerca de 500 a 600 novas bolsa de doutoramento por ano, das quais cerca de 50% apoiam doutoramentos no estrangeiro.

Este notável investimento público tem fundado a expansão do sistema científico nacional, mas sobretudo tem vindo a tecer a rede de contactos científicos internacionais que transforma a cooperação internacional em ciência e tecnologia, de casos exemplares em prática quotidiana. Cabe aqui apontar que o "brain drain" que por vezes é apontado como a consequência inevitável da extroversão do sistema de formação avançada assume, primeiro, dimensões reduzidas – a maior parte dos doutorados no estrangeiro tem regressado a Portugal – e, segundo, poderá representar ele próprio uma adição importante a esta rede de contactos informais, valorizando a presença de cientistas portugueses no estrangeiro nas funções de embaixadores da Ciência que se faz em Portugal e de intermediários privilegiados nas trocas científicas internacionais. Cabe registar o potencial muito importante destas actuações e de organizações ainda incipientes que procuram valorizar estes papéis, como o Fórum dos Investigadores Portugueses no Estrangeiro e a Associação Portuguesa de Pós-Graduados, nos EUA.

Sobre este tecido de relações a que os novos meios de comunicação vieram dar uma facilidade de operação sem medida comum com a era pré e-mail nasce a cooperação científica, que se traduz numa forte circulação de informação e na produção de confirmações e refutações dos produtos científicos à escala planetária, traduzindo-se na publicação, em qualquer media, mas sobretudo em revistas especializadas e indexadas, de materiais que, em autoria individual ou colectiva, constroem a ciência moderna.

Há três características que transformaram de forma notável as condições de produção científica moderna, embora o tenham feito e o estejam ainda a fazer de forma diferencial, de acordo com os vários domínios científicos e o acesso das várias comunidades aos meios de comunicação electrónicos. Trata-se do acesso à Internet, do sistema de revisão sistemática da produção publicada por cientistas da área (peer review) e da indexação da produção científica e dos respectivos autores em enormes bancos de dados (e.g. o Science Citation Index). É comum hoje dizer-se que ninguém pode ser um verdadeiro cientista sem uma ligação à Internet, mas esta frase representa apenas o carácter aberto, universal, auto-avaliado e integrado do modo de produzir ciência neste fim de século.

Neste contexto o processo de internacionalização da ciência pode medir-se sobretudo pelo peso das autorias conjuntas e plurinacionais no total das publicações científicas, num dado período. A situação portuguesa evoluiu rapidamente nos últimos 20 anos, verificando-se que enquanto em 1981 apenas 28% da produção científica nacional resultava da colaboração com instituições estrangeiras, em 1997 esta percentagem tinha subido para 42% Produção Científica Nacional. IndicadoresBibliométricos. (Observatório das Ciências e das Tecnologias em publicação - Texto 1).

Topo Seta de topo

Este percurso internacional é ainda fortemente marcado pela emergência no pós-guerra da Big Science, que rapidamente se transformou na Megaciência, marcada pela construção de grandes laboratórios à escala regional ou mesmo mundial, onde convergem cientistas de variadas nacionalidades e que são hoje o local privilegiado da produção científica, em muitos domínios. Esta evolução foi fortemente marcada na Física, com a construção do CERN (Centro Europeu de Investigação Nuclear), infra-estrutura científica de larga dimensão em que trabalham cientistas de todas as nacionalidades, em áreas de fronteira do conhecimento na Física. O volume de meios financeiros necessários para construir e operar as estruturas físicas que possibilitam o avanço do conhecimento exige a cooperação internacional mesmo para os países mais avançados, criando assim de raiz uma estruturação internacional de produção de ciência que reforça o movimento de circulação científica e que, no caso do CERN, deu origem mesmo a novos modelos de circulação do conhecimento científico e não só – a WWW.

A escala de produção científica é assim radicalmente transformada pela própria lógica da descoberta científica. O avanço do conhecimento requer e cria novos instrumentos de pesquisa que apelam a uma nova organização do trabalho científico, mais complexa, superando a imagem artesanal da produção de ciência e até o quadro nacional de recursos e colaborações para afirmar uma nova realidade organizativa plurinacional e frequentemente pluridisciplinar. A internacionalização e, particularmente, a participação dos cientistas portugueses nestes novos quadros de produção científica são assim uma transformação indispensável para poder acompanhar a produção científica moderna e nela participar.

O isolacionismo científico significa, neste novo quadro, um inevitável atraso, nomeadamente para os pequenos países em que a dimensão dos recursos financeiros para o desenvolvimento científico é, mesmo em épocas claramente favoráveis ao investimento na ciência, insuficiente para dotar os países dos instrumentos de conhecimento científico em muitas áreas.

Nestas e hoje, a ciência ou é internacional ou pura e simplesmente não existirá, conformando-se a uma nova escolástica repetitiva e alheia ao avanço do conhecimento.

Se o processo de internacionalização nos parece hoje como a característica essencial da organização do trabalho científico, já a produção e a difusão das tecnologias partilha esta característica mas diferencia-se fortemente do espaço (tendencialmente) sem barreiras da produção científica. A tecnologia está estritamente associada ao mercado e à competição internacional, delimitando espaços de concorrência, espaços de protecção e espaços de interdição (nomeadamente no acesso às tecnologias de uso misto, civil e militar), podendo pensar-se que a adesão mesmo generalizada à protecção da propriedade industrial e, mais geralmente, à propriedade intelectual não seja exactamente equivalente à criação de um mercado único para as trocas tecnológicas.

Para os pequenos países, todavia, a escolha entre isolacionismo e internacionalização tecnológica não deverá oferecer dificuldades apesar dos ruídos proteccionistas. Os requisitos do desenvolvimento tecnológico obrigam-nos, também aqui, a procurar no mundo os mercados que justifiquem os custos de desenvolvimento de novos produtos ou processos, os parceiros com quem dividir os riscos e desejavelmente os lucros, os clientes que a especialização industrial por vezes não oferece, as oportunidades de valorização industrial sem procura interna e as aplicações do próprio trabalho partilhado.

Reconhecendo a evidência de um mercado tecnológico mais compartimentado e mais regulado em comparação com um universo de produção científica claramente mais livre e com menos barreiras à circulação do conhecimento, cabe eventualmente a questão de saber se a aproximação da produção científica à produção tecnológica, o crescimento e a dominância da inovação de base científica, o esbatimento da clássica distinção entre ciência fundamental e ciência aplicada, a interrogação sobre o significado da investigação pré-competitiva, vão conduzir a um desenvolvimento tecnológico mais universal ou apenas a uma ciência mais global e menos universal.

 

Informação Complementar

Maior colaboração com instituições estrangeiras

Entre 1991 e 1997, o sistema científico e tecnológico nacional multiplicou os seus contactos internacionais. Esta constatação resulta da análise dos endereços de autores das publicações em estudo, nas quais se reflecte a cooperação internacional. Em 1981 só 28% da produção científica nacional resultava da colaboração com instituições estrangeiras. Em causa estavam dezassete países e 71% das colaborações eram estabelecidas com os EUA, o Reino Unido e a França. Em 1997, a percentagem de trabalhos feitos em colaboração com o estrangeiro, sobre a produção total, aumentou para 42%. Estiveram envolvidos oitenta países e 71% das colaborações estabeleceram-se com os 10 países com quem Portugal mais colaborou. A colaboração de Portugal foi mais frequente com o Reino Unido, os EUA e França: com estes países foram estabelecidas 36% das colaborações.

separador

* Armando Trigo de Abreu

Engenheiro Agrónomo. Professor Convidado do ISCTE. Presidente do Instituto de Cooperação Científica e Tecnológica Internacional.

separador

Dados adicionais
Gráficos / Tabelas / Imagens / Infografia / Mapas
(clique nos links disponíveis)

Link em nova janela Número de colaborações por país (1981)

Link em nova janela Número de colaborações por país (1997)

Link em nova janela Doutoramento em curso no estrangeiro (1995-98)

Topo Seta de topo

 

- Arquivo -
Clique na edição que quer consultar
(anos 1997 a 2003)
_____________

2003

2002

2001

1999-2000

1998

1998 Supl. Forças Armadas

1997
 
  Programa Operacional Sociedade de Informação Público Universidade Autónoma de Lisboa União Europeia/FEDER Portugal Digital Patrocionadores