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As oposições territoriais internas Do ponto de vista interno, o país acumulou, ao longo da sua história, grandes oposições regionais de tipo diferente. A génese dessas oposições é distinta e o contexto em que emergem é igualmente diverso. Vejamos, sucintamente, os principais traços desta evolução. Portugal tradicional: a oposição Norte/Sul A oposição secular do território português é a que opõe, por razões geográficas e históricas, o Norte Atlântico e o Sul Mediterrâneo. É o Portugal descrito por Orlando Ribeiro: um país fortemente rural em que a paisagem, o sistema de povoamento e a estrutura da propriedade, para invocar apenas três aspectos, permitem identificar complexos regionais com singularidade própria. A história molda-se à geografia, os homens e as culturas ao ambiente. A tradição surge, neste contexto, como a manifestação mais clara dos equilíbrios, produzidos de forma lenta e contingente, que o homem vai estabelecendo com o meio em que habita e onde desenvolve a sua actividade. Este Portugal, que tem tanto de imagem socialmente construída como de realidade objectiva, é o pano de fundo em relação ao qual novas oposições vão historicamente emergir. Portugal moderno: a oposição litoral/interior A modernização da economia portuguesa, particularmente evidente a partir da década de 60, dá visibilidade a uma outra organização do território nacional. Mais do que a oposição entre um Norte Atlântico e um Sul Mediterrâneo, é o contraste entre um litoral que concentra o essencial dos dinamismos de crescimento e um interior repulsivo e estagnado que ganha relevo, primeiro no mundo académico, mais tarde para o grande público. O Portugal histórico-geográfico, em que a tradição e o ambiente constituem os factores explicativos principais, dá lugar a um Portugal económico-demográfico radicalmente segmentado em dois: uma faixa litoral entre Braga e Setúbal (com uma pequena réplica na costa algarvia), que se moderniza e desenvolve, porque se industrializa e terciariza; um interior alargado a todo o resto do país, que estagna e perde população, porque se mantém rural. A economia vence a história e a geografia (física), a oposição Norte/Sul é remetida para segundo plano nos debates sobre os processos de modernização e abertura do país ao exterior. Um novo país requer uma nova economia e esta traduz-se por uma nova geografia. A geoeconomia substitui a geo-história e, consequentemente, o contraste litoral/interior sobrepõe-se, no imaginário académico, político e popular, à oposição Norte/Sul. Esta última esperará alguns anos, até vir a ser recuperada num contexto bem distinto do que prevaleceu antes da década de 60. Portugal "pós"-moderno: do espaço geográfico ao espaço de/luxos; umaconfiguração territorial em arquipélago As oposições Norte/Sul e litoral/interior têm um aspecto em comum: constituem partições do território nacional assentes numa perspectiva de contiguidade física do espaço geográfico. O país é visto como um puzzle, cujas peças regionais são diferentes em número e em configuração mas que, em ambos os casos encaixam umas nas outras. Ora o contraste urbano/rural, que ganha particular relevo com a crescente afirmação de um sistema urbano nacional, pressupõe não um espaço geográfico mas antes um espaço topológico, constituído por pontos (cidades) que contactam directamente entre si ignorando as áreas intersticiais que as separam. Esta configuração relaciona-se, sobretudo, com o funcionamento mais sistémico dos vários centros urbanos num quadro marcado pela reformulação das acessibilidades interurbanas e pela expansão das novas tecnologias de informação e comunicação. A rede de auto-estradas e de IP, com entradas/saídas que beneficiam as principais aglomerações, ou os comboios de maior velocidade (Alfa, InterCidades), com um número muito reduzido de paragens, são exemplos paradigmáticos deste novo espaço topológico em criação, que ignora territórios secundários ou quando muito os reduz a uma vaga referência em tabuletas onde indistintamente se identifica "trânsito local". Esta nova realidade tem sugerido a utilização da metáfora de configurações espaciais em arquipélago. Neste caso, o espaço geográfico tende a ser substituído por um espaço topológico assente em centros urbanos e alimentado por fluxos de informação, pessoas e bens que aproximam funcionalmente esses centros, independentemente da distância física que os separa e ignorando os espaços intersticiais. Neste contexto, a distância-tempo substitui em importância a distância geográfica, as soluções tecnológicas e organizacionais reconfiguram proximidades, as redes destroem vizinhanças historicamente estimuladas pela contiguidade. Esta nova organização territorial, que só agora começa a emergir com visibilidade em Portugal, não deixará de ganhar um relevo crescente nos próximos anos. E o debate sobre as suas vantagens e inconvenientes tornar-se-á inevitável.
Realidades e imagens em mutação Estas três oposições coexistem hoje tanto no modo como o território nacional se organiza e diferencia internamente, como nas representações que os portugueses constroem sobre os contrastes regionais que consideram mais marcantes. O impacte de cada uma destas oposições e a forma como se manifestam têm, no entanto, sofrido alterações por vezes consideráveis. A oposição tradicional Norte/Sul é hoje particularmente pertinente ao nível dos valores sociais. Os resultados das eleições ou referendos de natureza mais "ideológica" e menos partidária (caso do referendo à interrupção voluntária da gravidez, por exemplo) são claros nesse sentido. A velha oposição geo-histórica sobrevive através de uma memória social, não necessariamente racionalizada, mas que se expressa em atitudes e opiniões que encontram as suas raízes no tempo em que a geografia e a história moldavam conjuntamente o país. Significativamente, é também com base em memórias de situações passadas — reais ou fictícias -que se constroem discursos de resistência e reivindicação do Norte contra o Sul, dos "verdadeiros portugueses" contra os "mouros". A tradicional oposição Norte/Sul é, cada vez mais, um produto da cabeça dos portugueses e menos um facto do território do país? A oposição litoral/interior permanece viva mas o modo como é encarada tem vindo a mudar substancialmente. Fora do contexto específico de modernização, dominante nos anos 60, este contraste tende a perder algumas das suas dimensões positivas – dinamismo económico e demográfico do litoral, por exemplo – para se associar crescentemente a espaços marcados por problemas de natureza distinta: concentração excessiva de pessoas e actividades, desordenamento do território, degradação ambiental, no litoral; desertificação, abandono, crise da agricultura, no interior. Mais do que a expressão, por alguns considerada como inevitável mas conjuntural, de uma evolução económica com ritmos desiguais nas várias parcelas do território nacional, a oposição litoral/interior remete hoje para áreas-problema, isto é, espaços sem forte unidade interna ou intensos sentimentos de identidade mas que partilham problemas estruturais idênticos. Será que a partição litoral/interior, ao contrário da tradicional oposição Norte/Sul, existe hoje mais no território do que na cabeça dos portugueses, mesmo levando em conta o relevo que, aqui ou acolá, a questão da interioridade, com os consequentes apelos ao assistencialismo, pode alcançar? Finalmente, o facto de a terceira oposição ser mais recente justifica a sua escassa notoriedade. E, no entanto, os primeiros sintomas aí estão na comunicação social: a cidade que se considera marginalizada em termos dos novos grandes investimentos em acessibilidades e que quer voltar "a estar no mapa", a área que por ser intersticial e pouco povoada é escolhida para a localização de unidades ou equipamentos que ninguém deseja, etc. Este novo espaço topológico de base urbana não existe de forma sistemática nem no território, nem na cabeça dos portugueses. Apesar disso, por ele passarão certamente muitos dos aspectos centrais da nova fronteira de integração/exclusão que irá marcar futuramente o país, tanto em termos sociais como económicos e culturais. Em suma, nem a actual organização territorial do país se esgota nas oposições anteriormente invocadas, nem estas correspondem a realidades ou imagens fixas. A situação existente resulta da combinação dos vários contrastes referidos e estes, por sua vez, evoluem permanentemente, tanto em importância relativa como em natureza.
Perfis de inserção geoeconómica internacional As oposições internas sumariamente apresentadas nos parágrafos anteriores devem ser vistas à luz das tendências dominantes de inserção geoeconómica internacional do país. Estas tendências têm evoluído em torno de três tensões principais: autocentramento vs. abertura ao exterior, atlanticidade vs. continentalidade e, finalmente, lógicas de proximidade vs. lógicas de inserção em redes globais. As combinações possíveis entre estas várias dimensões são múltiplas e a complexidade das situações resultantes dificilmente se compadece com tipologias ou periodizações simples. Ainda assim, é possível reconhecer na história dos últimos 100 anos do país a existência de uma certa alternância entre períodos de abertura atlântica, de autocentramento e de abertura continental de proximidade. Cada um destes contextos integra e valoriza de forma distinta as várias parcelas do território nacional e, por isso, condiciona desigualmente os diversos tipos de oposição interna atrás identificados.* João Ferrão Geógrafo. Investigador do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa. Docente na Universidade Atlântica. Dados adicionais Gráficos / Tabelas / Imagens / Infografia / Mapas (clique nos links disponíveis) O norte e o sul de Orlando Ribeiro A oposição litoral/interior através da densidade da população As ilhas do arquipélago Portugal continental nos anos 90
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