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A Fome, a subnutrição e a obesidade O problema mais grave, e para o qual é urgente encontrar uma solução, relaciona-se com a fome e a subnutrição. Considera-se que cerca de 800 milhões de pessoas não têm acesso a comida suficiente para as suas necessidades básicas diárias em energia e proteínas e mais de 3 mil milhões têm deficiência em micronutrientes, como as vitaminas e minerais. Contrariamente, nos países desenvolvidos são comuns os excessos alimentares, e a obesidade que lhe está associada tem sido relacionada com diversos tipos de doenças, como as doenças cardiovasculares, cancro e diabetes. No entanto, existem ainda muitas incertezas nestas situações de causa-efeito em nutrição. Durante anos, desaconselharam-se os peixes gordos e o azeite, vindo, posteriormente, a verificar-se serem excelentes alimentos, ao contrário das margarinas e óleos que se preconizavam. Uma pessoa obesa tem, possivelmente, muitos outros comportamentos chamados de "risco" para a saúde, tornando-se difícil determinar se a obesidade é a causa da doença ou, pelo contrário, uma consequência, tal como as doenças que se lhe associam, de outras causas completamente diferentes, que actualmente não se valorizam. Em Inglaterra foi feito um estudo com 11.000 pessoas vegetarianas, que durou 17 anos, de 1980 a 1997, tendo-se verificado que estas pessoas tinham taxas de mortalidade muito inferiores às da população comum, e relativamente a todo o tipo de doenças – cancro, doenças cardiovasculares, infecções. As conclusões do estudo realçam que as pessoas nele envolvidas tinham também estilos de vida muito diferentes nos vários aspectos do quotidiano – individual, familiar, afectivo, social, profissional – comparativamente à restante população, tornando-se por isso abusiva a conclusão de que esta população é mais saudável apenas pelas opções alimentares. Mesmo a obesidade não pode ser explicada simplesmente por um aporte aumentado de alimentos. Todos conhecemos pessoas que comem muitíssimo e são excessivamente magras, tal como o oposto, indivíduos que comendo moderadamente apresentam obesidade. Isso, aliás, ficou demonstrado num estudo em que a pessoas com o mesmo ritmo de vida se forneciam mais 1000 calorias do que as suas necessidades diárias, tendo algumas engordado 14 Kg e outras apenas 3 Kg. Vários outros estudos reforçam esta ideia. Existem, porém, outros aspectos da alimentação em que os fenómenos estudados deixam menos dúvidas sobre os seus efeitos e nocividade. Referimo-nos aos resíduos alimentares.
Resíduos alimentares A detecção dos resíduos alimentares é difícil, onerosa e demorada. Pesticidas, herbicidas, fertilizantes e até substâncias ilegais, como o DDT, podem contaminar os alimentos, mesmo depois de cozinhados. Todos estes produtos se vendem sem controlo adequado, embora sejam mais perigosos que inúmeros medicamentos que só podem vender-se mediante receita médica. Medicamentos como hormonas de crescimento e antibióticos são utilizados com muita frequência na produção de carne. Os solos e águas contaminadas por metais pesados e poeiras radioactivas podem também contaminar legumes, vegetais e peixes. Exemplos dramáticos de contaminação aconteceram no Iraque, onde a contaminação de sementes afectou 6.000 pessoas e provocou a morte a mais de 400. Também na Colômbia a contaminação de farinha afectou 600 pessoas e levou à morte 88.
Aditivos alimentares Os aditivos são imprescindíveis à conservação dos alimentos, mas será que todos são inócuos para a saúde? A experimentação é feita em animais e a sua nocividade no ser humano é difícil de ser extrapolada. É também muito difícil fazer um balanço diário da quantidade de aditivos ingerida, especialmente nos alimentos que são consumidos já cozinhados. O futuro trará um aumento da investigação sobre os aditivos alimentares, além de uma maior sensibilidade e esclarecimento dos consumidores na utilização de alimentos com aditivos.
Alimentos transgénicos Os alimentos geneticamente modificados (AGM) são um campo ainda com mais interrogações do que respostas. Os países do norte da Europa e o Canadá têm vindo a preocupar-se com este facto, começando os consumidores a exigir que a etiquetagem refira se o produto contém ou não AGM. A possibilidade de os alimentos geneticamente modificados afectarem o sistema imunitário foi comprovado em ratos, e, embora os governos e a indústria alimentar se esforcem por tranquilizar os consumidores, todos se recordam do caso da BSE, que só foi aceite quando já era impossível negar a sua existência. As plantas geneticamente modificadas podem ter também efeitos imprevisíveis sobre as outras plantas e os ecossistemas, através da polinização, e a sua repercussão na cadeia alimentar é ainda desconhecida. As formas naturais de controlo dos sistemas ecológicos podem ser completamente alteradas, surgindo pragas cada vez mais resistentes, facto que já aconteceu nos EUA, onde nalgumas regiões não houve produção de milho durante 4 anos. Alguns cientistas têm mesmo colocado a hipótese de, no futuro, poderem surgir elementos fitopatogénicos em plantas que tenham um grau de nocividade no ser humano semelhante à BSE.
A longevidade Sempre foi um desejo da humanidade prolongar o tempo de vida. Neste século, têm-se acumulado indícios que relacionam a alimentação com a longevidade, considerando-se que a herança genética influencia menos de 35% das diferenças de longevidade entre os indivíduos. A explicação estará no excesso de aporte calórico. Quando se fabrica energia, no corpo humano, queimam-se os carburantes que constituem os açúcares e as gorduras alimentares com o oxigénio. Esta combustão é imperfeita e liberta moléculas instáveis, os "radicais livres", que agridem os outros constituintes da matéria viva. Existem sistemas de reparação, mas também eles podem ser danificados pelos radicais livres. O envelhecimento parece ser devido, em grande parte, aos radicais livres, que são responsáveis pelas doenças degenerativas – cancros, doenças cardiovasculares, depressões imunitárias, osteoporose, catarata, artrose, Alzheimer, Parkinson. Os radicais livres estão relacionados com o consumo excessivo de açúcares e gordura, a poluição, o stress, os resíduos alimentares, o bronzeamento intensivo, as partes carbonizadas dos alimentos grelhados, os produtos químicos (das fotocopiadoras e aerossóis), os metais pesados (existentes nas águas) e o consumo de tabaco. Os anti-oxidantes têm a função de nos proteger dos radicais livres. Com este objectivo, a dieta deverá ser rica em alimentos com anti-oxidantes: as vitaminas e os minerais. No entanto, actualmente, segundo Jean Paul Curtay, tornou-se tecnicamente impossível obter através da alimentação, mesmo se perfeita, nas quantidades quotidianas óptimas, certas vitaminas e minerais, pelo que são recomendados alguns suplementos, que variam segundo os indivíduos e as regiões onde vivem. Embora estes suplementos vitamínicos sejam, com frequência, desaconselhados pelos médicos, um estudo do American Journal of Cardiology revelou que, dos 181 membros do Colégio Americano de Cardiologia inquiridos, 44% revelou tomar anti-oxidantes, vit.E - 39%,vit.C - 33%, beta-caroteno -19%. Em 1997, o número de novos casos de cancro dos EUA diminuiu, o que é um facto singular entre todos os países ocidentais, e porque os hábitos alimentares, profissionais e socioculturais não se alteraram significativamente, uma das razões apontadas relaciona-se com o facto de 1em cada 2 americanos tomar anti-oxidantes há vários anos. Uma investigação publicada em Outubro de 98, sobre 88.756 norte-americanos que durante 15 anos tomaram suplementos vitamínicos, revelou que estes apresentam um risco de cancro do cólon (um dos cancros mais comuns nos países desenvolvidos) diminuído em 75%. O sistema imunitário das pessoas idosas é menos eficaz, e quando vacinadas contra a gripe apenas 20% fica imunizada. Tomando vitamina E esse número duplica. Outros estudos apresentam resultados diferentes dos descritos anteriormente. No próximo século serão encontradas respostas para muitas destas incertezas. Thomas Perls, director do Estudo dos Centenários da Nova Inglaterra, estudou as pessoas centenárias da região de Boston e concluiu que estas "usam e abusam do humor em quase todas as situações e nem a dieta alimentar, nem a educação parecem ter grande influência na longevidade, embora todos comam com moderação".
Hábitos alimentares Slow Food Os hábitos alimentares são muito diferentes de país para país. Alguns desses costumes são mesmo considerados repugnantes para outros povos, o que não impede que sejam considerados óptimos manjares pelos apreciadores. Referimo-nos às carnes de macaco, morcego, serpente, tartaruga verde, cão, às coxas de rã, aos caracóis, aos diversos tipos de larvas, às cobaias e aos golfinhos. Os diversos usos e tradições têm-se expandido, e é frequente encontrar nas cidades restaurantes de diversificadas origens: vietnamitas, chineses, argentinos, mexicanos, italianos, marroquinos, indianos. Estas múltiplas influências alteraram significativamente os hábitos alimentares dos diversos países. É interessante observar o aumento de praticamente todos os alimentos, excepto as leguminosas, em Portugal de 1961 a 1996. Em 1996 fomos os menores consumidores europeus de leite e estimulantes (café/chá/cacau) e os maiores consumidores de batata e peixe. A evolução dos nossos consumos aproxima-nos rapidamente dos standards dos países mais desenvolvidos relativamente ao açúcar, gorduras animais, óleos, estimulantes e carne. Mantemos elevados consumos de vegetais, fruta e peixe, que muitos autores relacionam com a saudável dieta mediterrânea. Nos últimos anos, começaram a desenhar-se vários movimentos que, possivelmente, se desenvolverão no futuro, defendendo, em geral, o retorno aos alimentos naturais, de produção biológica, assim como às receitas tradicionais. O "slow-food" é um movimento que aglutina estas tendências e que, por oposição ao "fast-food desenxabido" e à uniformização dos gostos, promove o prazer de comer, calmamente, sentado, comida tradicional, que apela aos mais inesquecíveis sabores, de preferência acompanhados por um pouco de vinho. O "Manifesto Slow Food" de 1989 propõe: "Adequadas doses de garantia de prazeres sensitivos podem impedir-nos de sermos contaminados pela doença que vulgarmente confunde frenesi com eficiência. Em nome da produtividade a vida apressada alterou a nossa maneira de ser, ao mesmo tempo que ameaça o ambiente e a paisagem. Por tudo isto, o Movimento Internacional Slow Food mostra-se uma resposta para um verdadeiro progresso. E a primeira defesa deve começar à mesa, redescobrindo os aromas e os gostos da cozinha regional e da gastronomia tradicional". Estes movimentos incluem-se num conjunto de manifestações que antecipam um modelo cultural diferente no séc. XXI, com alteração das relações sociais e interpessoais, dos modos de produção intelectual e económica, valorização do ambiente e dos aspectos ligados à socialização, como os hábitos alimentares. Para concluir, é aceitável afirmar que no próximo século se disseminarão as preocupações dos consumidores relativamente aos resíduos e aditivos alimentares e aos alimentos geneticamente modificados. As relações causa-efeito entre a alimentação e a obesidade ou a longevidade encontrarão com certeza um maior número de respostas no futuro. A alimentação estará associada a grande variedade alimentar, ao prazer dos sentidos e da socialização e às tradições gastronómicas e culturais.* Pedro Ribeiro da Silva Licenciado em Medicina pela Universidade Clássica de Lisboa. Mestre em Comunicação Social pela FCSH da Universidade Nova de Lisboa. Docente na UAL. Bibliografia "The World Health Report 1998-Life in the 21st century", Ed. OMS , Genebra, 1998 "Les Systémes de Santé des Pays de l'OCDE", Études de Politique de Santé nº3, Vol.II, Ed.OCDE, Paris.1993 British Medical Journal 28 Setembro 1996 BARRETO, Antónioet. al "A Situação Social em Portugal 1960-1995" Ed. Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, Lisboa,1996 CURTAY, J.P. e SOUCCAR. T, "Le Programme de Longue Vie" Ed. Seuil Pratique, Paris, 1999 Evolução dos consumos alimentares em Portugal
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