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Onde estou: | Janus 1999-2000 > Índice de artigos > Dinâmicas e tendências > Território, sociedade e cultura > [O corpo e a mente no século XXI] | |||
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ESTE ARTIGO CONTÉM DADOS ADICIONAIS CLIQUE AQUI! Através da conceptualização do que é saudável, da etiquetagem de situações e comportamentos, promove-se uma versão particular da realidade que constrange as pessoas a verem o mundo de uma forma específica. A regulamentação de comportamentos estende a sua jurisdição a inúmeros aspectos da vida diária: exercício físico, alimentação, tempo de sono, relações interpessoais, tempos livres, tipo de corpo. Grande parte dos nossos pequenos actos diários são subtilmente regulados. O conceito de patologia e de saudável expandiu-se a praticamente todas as áreas do quotidiano dos indivíduos e das sociedades. A relação médico/doente e toda a estrutura dos serviços de saúde não se fundamentam apenas em meros pressupostos técnicos, são a produção e re-produção, em simultâneo, dos aspectos ideológicos supracitados, conseguidos através de uma linguagem e universos simbólicos próprios e da repetição ritual da relação assimétrica da consulta. Quando o médico tenta um modelo de consulta partilhado, obtém, com frequência, esta resposta do doente: - Senhor doutor, não me peça para decidir consigo, o senhor é que sabe o que é melhor para mim. Os médicos são doutrinados persuasivamente por esta "realidade", onde estudam, vivem e trabalham e, com frequência, não têm consciência deste seu papel ideológico, e o mesmo acontece com as pessoas em geral. No futuro, iremos, provavelmente, continuar a assistir a uma evolução técnica e especialização crescentes da medicina. O desenvolvimento tecnológico dos meios complementares de diagnóstico irá aumentar progressivamente a visibilidade do interior do corpo, e as técnicas cirúrgicas tornar-se-ão menos invasivas, menos cruentas e mais eficazes. Surgirão novas profissões ligadas à saúde, e variadíssimas situações deixarão de necessitar de internamento hospitalar, passando a ser tratadas e acompanhadas no domicílio do doente. Os transplantes de órgãos, a procriação medicamente assistida e as cirurgias estéticas generalizar-se-ão. Outro fenómeno que surgiu nos últimos anos, e que seria impensável há algumas décadas, relaciona-se com o divórcio comunicacional entre leigos e profissionais de saúde, visível no aumento vertiginoso, em alguns países do mundo, do número de processos a médicos, enfermeiros e administradores da saúde. O aumento dos gastos com a saúde devido à procura crescente e ao custo elevado das técnicas sofisticadas, vai obrigar a repensar toda a lógica e estrutura dos cuidados de saúde. Em paralelo ao progressivo desenvolvimento tecnológico e à pulverização de especialidades e subespecialidades da medicina ortodoxa, que analisam e tratam o corpo de forma fragmentada, por órgãos, (a dicotomia corpo/mente considerados como entidades separadas há séculos manteve-se durante o séc. XX e a perspectiva que os integra nunca deixou de ser minoritária, nas academias e nas práticas) existe um movimento simultaneamente oposto e complementar deste, e cujo crescimento foi muito grande nos últimos anos, que propugna a visão sistémica do indivíduo. Os aspectos físicos passaram a ser relacionados com os psicológicos e os socioculturais. A Psicossomática tem cada vez menos detractores, e doenças como a asma, as alergias e as cefaleias são já associadas com as realidades psicológicas dos doentes e o equilíbrio psicológico dependente dos contextos relacionais e socioculturais. Num futuro próximo, o leque de patologias consideradas psicossomáticas será alargado, e qualquer doença (do cancro aos acidentes) poderá ser associada aos aspectos psicossociais do indivíduo. Esta diferente perspectiva vai provocar alterações profundas no diagnóstico e terapêutica das entidades nosológicas. As amigdalites de repetição de uma criança podem estar associadas a, por exemplo, uma situação problemática na escola. A prescrição de um antibiótico não resolve o problema, apenas os sintomas, temporariamente. A visão sistémica valoriza também os aspectos sociais. Muitas doenças físicas e distúrbios psicológicos têm origem numa disfunção social, familiar ou profissional. A não consciência deste fenómeno leva à resolução das consequências e não das causas. Perante esta argumentação, uma parte significativa dos médicos reage considerando não serem psicólogos ou técnicos do serviço social e defendem a importância da sua prática ultra-especializada. A ideologia médica constrange-nos a ver o mundo numa determinada perspectiva. Por exemplo, que foram as vacinas e os antibióticos que fizeram diminuir drasticamente as doenças infecto-contagiosas, como tosse convulsa, escarlatina, sarampo ou tuberculose. No entanto, T. McKeown, sociólogo da saúde, conclui, que foram fundamentalmente os aspectos do meio ambiente, como o saneamento básico, a salubridade nas casas, e melhoria da alimentação que levaram à notável redução destas doenças, como se pode observar nos respectivos gráficos. Um dos factos mais salientes, dos últimos anos, nos países ocidentais, relaciona-se com a procura e o consumo dos cuidados terapêuticos das medicinas complementares e alternativas que cresceu de forma explosiva. Eisenberg investigou, em 1990 e repetiu o estudo em 1997 o número de norte-americanos que no ano anterior tinha recorrido a uma terapia alternativa, e os resultados são surpreendentes. Em 1990, 33,8% dos americanos recorreu a uma terapia alternativa, e, destes, 36,3% (22 milhões) consultaram um terapeuta. Em 1997, esses números subiram para 42,1%, 46,3% e 39 milhões, respectivamente. Em 90, houve 427 milhões de visitas a terapeutas alternativos e, em 97, 629 milhões, número que ultrapassa o total de consultas de todos os médicos de clínica geral e familiar dos EUA. Os gastos em medicina alternativa aumentaram 45,2% entre 90 e 97, sendo estimados em 21,2 biliões de dólares, dos quais 12,2 biliões foram pagos directamente pelos utentes, o que ultrapassa o dinheiro gasto pelas pessoas internadas em todas as hospitalizações dos EUA em 97. Em 97, os americanos pagaram directamente do seu bolso 27,0 biliões de dólares em cuidados de medicina alternativa. Um número crescente de seguradoras incluem já os serviços de medicina alternativa, e uma fonte da "Mutual of Omaha" estima que a empresa poupa 650 dólares em cuidados convencionais por cada dólar gasto em medicina alternativa nos doentes portadores de patologia cardiovascular. A escolha das medicinas alternativas é mais comum nas mulheres, nas pessoas entre os 35/49 anos, com mais estudos e com rendimentos superiores ao correspondente a 7.500 contos anuais. As dores osteo-articulares do pescoço e costas, as alergias e os problemas digestivos são as causas que, com mais frequência, levam o americano a recorrer a uma medicina alternativa. No entanto, uma parte importante usa terapias com fins de prevenção da doença e/ou promoção do seu bem-estar físico e psicológico. Na Europa, a expansão das medicinas complementares e alternativas também tem aumentado. Na Inglaterra, 45% dos médicos de família recomenda terapias complementares, 21% referencia para terapias complementares, 17% dos Centros de Saúde tem terapeutas complementares que são, em 82% dos casos, os próprios médicos de família. As investigações feitas em Londres revelaram que, nos últimos 10 anos, 34% dos homens e 45% das mulheres recorreram a terapias complementares e alternativas. Na Alemanha, 79% das clínicas da dor usam a acupunctura. Em 1990, existiam 88.000 acupunctores na Europa. A homeopatia é reembolsada em vários países da Europa pêlos serviços nacionais de saúde ou seguradoras, desde que prescrita pêlos médicos. No entanto, os vários estudos feitos estimam, conforme os países, que 40% a 70% das pessoas que usam medicinas complementares e alternativas não o diz aos seus médicos. A preferência pelas medicinas alternativas e complementares relaciona-se com situações em que a medicina alopática não é eficaz e com a valorização que estas terapias fazem dos aspectos psicológicos, emocionais e espirituais dos indivíduos. Em Junho de 1998, o herdeiro do trono de Inglaterra, o Príncipe Carlos, organiza uma conferência sobre cuidados de saúde integrados (entre a medicina alopática e as medicinas complementares e alternativas) para a apresentação de um relatório de 4 grupos de trabalho que estudaram esta possibilidade durante 18 meses. Uma das conclusões refere que a comunidade científica é muito mais exigente com as medicinas alternativas e complementares do que com a medicina alopática, embora uma grande percentagem dos tratamentos ortodoxos alopáticos não tenham sido cientificamente provados. Nos EUA, 1/3 dos Institutos que formam os Médicos de Família têm cursos de alguma Medicina alternativa e 40 Faculdades de Medicina oferecem também cursos de Medicina alternativa e complementar. Esta procura crescente, que irá continuar no séc. XXI, implica a resolução de várias situações:
No séc. XXI, os modelos teóricos hegemónicos tenderão a desaparecer e a diluir-se numa multiplicidade caleidoscópica de cenários conceptuais mutuamente contraditórios, mas que não se excluem. As diferentes perspectivas coexistirão, assim como as abordagens transdisciplinares e as equipas terapêuticas pluridisciplinares. Muitos autores consideram que o problema de saúde mais comum no séc. XXI estará relacionado com a dificuldade em os indivíduos gerirem o stress quotidiano a que estão submetidos de modo a situá-lo em níveis não patológicos. Nos últimos anos, o aumento de venda dos medicamentos ansiolíticos, hipnóticos e psicotrópicos nos países ocidentais tem sido enorme e reenvia para os aspectos socioculturais da doença. O séc. XXI será também o século das psicoterapias não ortodoxas, como dançaterapia, dramaterapia, psicoterapias corporais (análise bioenergética, sofrologia), arteterapia, a que os indivíduos recorrerão, não apenas para resolver os seus problemas psicopatológicos, mas também para se conhecerem melhor e procurarem níveis aumentados de integração e harmonia. Passaremos, possivelmente, dos aspectos externos do corpo, valorizados nas últimas décadas, como a beleza e a capacidade física, aos aspectos internos. Às expressividades criativas do eu na relação consigo, com os outros e o meio envolvente.
Informação Complementar Psicoterapias Análise Bioenergétíca
Medicinas Complementaras e Alternativas Homeopatia American Family Physician 15, Nov., 1996 Annals of Internal Medicine (American College of Physicians) Jul., 1997 British Medical Journal 9, Jul., 1994/20, Jul., 1996/6, Jun., 1998 Family Medicine Set. , 1997 Family Practice Vol.14, n. º4/n°5, 1997 Journal of the American Medical Association 11, Nov., 1998 Journal R. of Social Medicine Set. , 1998 Lancet 2, Mar., 1996 Pessoas que declaram usar as medicinas complementares
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