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O desequilíbrio externo da economia portuguesa

Francisco Mendes *

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A análise do comportamento da balança de transacções correntes (BTC) de uma economia faculta valiosas informações sobre a evolução do equilíbrio/desequilíbrio das suas relações económicas com o exterior ao longo do tempo, permitindo avaliar, em particular, se os desequilíbrios se mantêm dentro de limites aceitáveis — tendo em conta a necessidade e a capacidade de financiamento externo do país -, não implicando fortes restrições à actividade e ao crescimento económico. Por outro lado, e dada a estreita interdependência entre os equilíbrios económicos interno e externo, os saldos da balança corrente são iguais à diferença entre a poupança interna e o investimento total do conjunto dos diferentes sectores institucionais internos, constituindo, assim, um indicador da transferência líquida de recursos do exterior (défice da BTC), ou para o exterior (excedente). Significa isto que um défice da BTC indica que o país está a utilizar poupança externa positiva (por definição igual ao défice da BTC) para financiar o excesso de investimento sobre a poupança interna, quer aumentando o endividamento externo, quer alienando activos ao exterior.

As alterações metodológicas recentemente introduzidas na apresentação da balança de pagamentos 1) criaram três componentes essenciais no respectivo quadro-tipo: a Balança Corrente, a Balança de Capital e a Balança Financeira, eliminando o conceito da BTC. No entanto, o saldo conjunto da Balança Corrente e da Balança de Capital na nova versão corresponde, basicamente, ao saldo da anterior BTC.

 

Características estruturais da BTC

A análise do comportamento da BTC permite verificar a existência das grandes características estruturais que, no essencial, se têm mantido ao longo das últimas décadas.

A Balança Comercial apresentou sempre saldos negativos, reveladores da grande fragilidade do aparelho produtivo interno, sendo a sua evolução o factor determinante, em grande medida, do comportamento da balança corrente. De notar, em especial, os elevados défices de mercadorias registados no período 1974-84, tendo ascendido a cerca de 20% do PIB em 1981 e 1982. A Balança de Serviços averbou praticamente sempre excedentes, decorrentes das receitas líquidas de turismo. Contudo, depois de se terem situado perto dos 4% do PIB em 1985, estes excedentes entraram em declínio (1,4% do PIB em 1999), resultante, em grande parte, do avolumar das despesas de turismo de residentes no exterior. A Balança de Bens e Serviços tem sido deficitária, reforçando-se esta tendência nos últimos anos (em termos médios 7,1% do PIB, no período 1993-96, para 9,5% no triénio 1997-99). A Balança de Rendimentos tem sido também sempre negativa a partir de 1971, tendo o défice aumentado acentuadamente no período 1978-85 (máximo de 6,3% do PIB em 1984), devido à queda dos rendimentos das reservas cambiais e ao aumento dos juros da dívida externa.

Posteriormente, a importância relativa deste défice declinou muito (1,2 % do PIB em 1999). Os excedentes das Transferências Privadas — resultantes basicamente das remessas de emigrantes — têm-se revelado essenciais ao financiamento parcial do défice conjunto da Balança de Bens e Serviços e da Balança de Rendimentos, permitindo mesmo a obtenção de excedentes na balança corrente em alguns anos (principalmente no período 1966-73). As remessas de emigrantes têm vindo a perder peso relativo desde o início da década de 1980 — de cerca de 12% do PIB em 1980 para 3% em 1997.

 

Comportamentos diferenciados no tempo

Ao longo das últimas décadas, a necessidade/capacidade de financiamento da economia face ao exterior (avaliada pela evolução dos saldos da balança corrente) evidenciou comportamentos diferenciados, mas com claro predomínio das situações de necessidade de recurso ao financiamento externo — ou seja, de formação de défices na BTC —, sendo possível identificar alguns períodos com características distintas. Depois dos saldos negativos registados nos primeiros anos da década de 1960, a BTC teve um comportamento muito favorável entre 1964 e 1973, mostrando excedentes praticamente em todo este período, em resultado da espectacular expansão das remessas de emigrantes e, em menor grau, do turismo, que financiaram os crescentes défices comerciais e levaram à acumulação de reservas cambiais. Nos onze anos seguintes, no período 1974-84, a BTC foi sempre negativa, a maior parte das vezes com défices muito elevados. Nesta fase, ocorreram duas crises graves de balança de pagamentos. O primeiro choque petrolífero, no Outono de 1973-74, agravado pela instabilidade do período pós-revolucionário, veio tornar mais expressivas as graves debilidades da economia portuguesa. Os fortes aumentos dos preços do petróleo e de outros bens (num contexto de fortíssima dependência da importação de energia) levaram a quedas brutais dos termos de troca, impulsionando os défices da balança comercial e da BTC.

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Dada a insustentabilidade desta situação, o país teve que negociar um programa de estabilização com o FMI para 1977-79, o que contribuiu para se atingir praticamente o reequilíbrio em 1979. Contudo, o segundo choque petrolífero de 1979 — agravado pela valorização do dólar, pela subida das taxas de juro da dívida externa e pelas políticas expansionistas internas — desencadeou nova crise que levou o défice corrente ao seu nível mais elevado (13% do PIB em 1982). Entre 1979 e 1982, a dívida externa quase duplicou, ascendendo a 90% do PIB em 1984, o que obrigou a um novo acordo com o FMI (1983-85). A recuperação da economia mundial, as medidas restritivas das políticas monetária e orçamental e as desvalorizações do escudo — típicas do receituário restritivo do FMI — permitiram restabelecer rapidamente o equilíbrio externo (em 1985 a BTC teve um excedente de 1,7% do PIB). Os programas de estabilização tiveram, porém, custos muito pesados (principalmente o segundo) para a economia — quebras no crescimento económico, no consumo e no investimento, redução dos salários reais e aumento da inflação e da taxa de desemprego. Em 1985 entrou-se num período de maior equilíbrio entre a poupança interna e o investimento, que iria prolongar-se até 1995. Entre 1985 e 1995, os saldos da BTC foram sempre positivos ou moderadamente negativos. Neste período foi possível reduzir o nível da dívida externa, tornando-se o investimento directo estrangeiro e o investimento de carteira em títulos nacionais os principais canais das entradas líquidas de capitais na economia portuguesa.

A partir de 1996, assistiu-se ao progressivo alargamento do diferencial negativo entre a poupança gerada internamente e o investimento, originando um forte crescimento das necessidades de financiamento dos sectores económicos residentes face ao exterior, traduzido no avolumar do défice da BTC — de 0,7% e 2,1% do PIB em 1996 e 1997, respectivamente, até 6,6% em 1999. Esta evolução negativa foi, na sua maior parte, determinada pela expansão dos défices de mercadorias a partir de 1997, agravada por alguma perda do peso relativo das transferências públicas, em especial em 1996.

A participação na área do euro e a fortíssima redução das taxas de juro originaram um significativo abrandamento das restrições de liquidez sentidas pelas famílias e empresas e a formação de expectativas económicas optimistas, induzindo poderosos estímulos à forte expansão da procura interna (consumo e investimento). A aceleração da procura interna (particularmente vigorosa em 1997 e 1998) fez "disparar" a importação de mercadorias. As famílias e as empresas aumentaram as despesas, diminuindo drasticamente a sua propensão à poupança — a taxa de poupança dos particulares desceu de uma média de cerca de 24% na década de 1980 para 9,6% em 1999 — recorrendo de modo crescente ao endividamento para o seu financiamento. Este comportamento fez aumentar o peso da dívida dos particulares no rendimento disponível de cerca de 63% no final de 1998 para perto de 77% um ano depois. Para satisfazer a crescente procura de crédito interno, os bancos aumentaram o recurso ao financiamento externo, tendo a sua posição externa líquida passado de um activo líquido de 142 milhões de contos, no final de 1996, para responsabilidades líquidas de 3,687 milhões de contos no final de Junho de 2000. A perda de quota de mercado das exportações em 1998 e 1ª metade de 1999 e a desaceleração do investimento directo estrangeiro contribuíram também para o agravamento da situação.

É importante notar que, embora o rápido acentuar dos défices da BTC desde 1996 faça lembrar os desequilíbrios e as dificuldades que a economia portuguesa atravessou no período 1974-84, a verdade é que não é possível estabelecer essa comparação dado o contexto actual de integração da economia na UEM, com implicações muito diferentes das épocas anteriores (ver caixa). Em 1999 verificou-se uma desaceleração da procura interna e do PIB. No 1° semestre de 2000 prosseguiu o abrandamento da procura interna, compensado pela aceleração das exportações. O aumento do preço do petróleo e a depreciação do euro face ao dólar levaram o BCE a subir gradualmente as suas taxas de intervenção, que se têm vindo a transmitir às taxas de juro activas dos bancos, ocasionando alterações das expectativas dos consumidores. Ocorreu, assim, uma progressiva desaceleração do crédito bancário às famílias durante os primeiros seis meses de 2000. No 1° semestre de 2000, o défice conjunto da Balança Corrente e da Balança de Capital quase duplicou face a igual período de 1999, o que faz prever que o défice da BTC se possa elevar a perto de 10% do PIB em 2000.

 

Informação complementar

A questão da gravidade do actual défice externo

O forte crescimento do défice da balança corrente a partir de 1996, implicando o aumento da posição devedora liquida da economia portuguesa (no final de Junho de 200O deverá ter excedido os 3O% do PIB), não levanta as restrições externas nem a necessidade de tornada de medidas restritivas semelhantes às verificadas no período 1974-84. Antes da criação do euro, quando Portugal tinha moeda própria, era necessário deter reservas cambiais [o escudo não era meio de pagamento internacional] ou recorrer ao crédito externo para financiar o défice externo. Actualmente, integrado numa ampla união monetária, a maior parte do défice é financiado na moeda da própria área, podendo o sistema bancário recorrer à poupança e liquidez do resto da Zona Euro.

Significa então isto que desapareceram os nossos problemas e que se poderá viver sempre à custa da poupança alheia? É verdade que já não existe um problema monetário macroeconómico, mas continua a existir uma restrição externa, resultante da capacidade de endividamento dos vários agentes económicos residentes. E, como essa capacidade não é ilimitada, se e quando os credores o considerarem excessivo, então pode começar o aperta, levando ao ajustamento automático da despesa, com graves reflexos na actividade económica interna. Os défices não são um mal em si mesmos. Se os fundos forem utilizados no financiamento de investimento rentável, contribuem para o crescimento futuro da economia e irão gerir os recursos necessários ao pagamento do serviço da dívida.

Será preocupante se o recurso ao endividamento externo não servir para aumentar a competitividade e produtividade da economia, atrasando o processo de convergência real com a média da UE — em 2000 o crescimento de Portugal deverá ser inferior ao da DE. Então a acumulação de défices na balança corrente externa revela a existência de desequilíbrios internos e falta de competitividade, constituindo, dessa forma, um risco de crise a prazo.

__________
1 Segundo a metodologia da 5ª Ed. Do Manual da Balança de Pagamentos do FMIe no contexto da UEM.

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* Francisco Mendes

Licenciado em Organização e Gestão de Empresas pelo ISCTE Docente na UAL.

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Dados adicionais
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