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As antigas propostas para a paz na Europa

Elisabete Palma *

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A procura da paz para a Europa é uma busca com séculos de existência que motivou muitos pensadores ao longo dos tempos. O essencial das propostas que vemos surgir tem como pano de fundo não só a realidade que se vive em cada época histórica mas também o modelo de ordem internacional de cada período. Há, porém, propostas que escapam a esta lógica e que por isso são consideradas inovadoras ou descabidas. Nos finais da Idade Média dominava o mito da unidade cristã: uma religião, uma Igreja, um Imperador. É pois no âmbito das lutas contra os Infiéis que surgem as primeiras propostas de paz para a Europa. A criação de um Concílio de prelados e de príncipes soberanos sob a autoridade do Papa (em 1306, Pierre Du Bois, legislador francês) e de uma Confederação Europeia (em 1463, Georges Podiebrad, rei da Boémia e, no século XVII, o Duque de Sully, ministro do rei Henrique IV) são alguns dos projectos mais interessantes que têm como fim a luta contra os Infiéis. Já no início do século XVIII, o Abade de Saint-Pierre publica "Mémoire pour rendre Ia paix perpétuelle en Europe" (1712) e introduz o realismo utópico, modelo de ordem internacional segundo o qual seria possível construir a paz na Europa a partir da eternização do "statu quo". A fórmula por ele utilizada é a de um Senado Europeu, com competências legislativas e judiciais.

No "Plano de uma Paz Perpétua e Universal" (1789), Jeremy Bentham, um dos fundadores do Utilitarismo, introduz uma ideia nova, que será confirmada na época contemporânea: a da pressão da opinião pública internacional. Bentham sugere a criação de uma Dieta cujas funções seriam "fazer avisos" e emitir opiniões sobre os problemas de interesse comum. A pressão da opinião pública internacional seria suficiente para tornar os avisos em realidade. Por uma singular coincidência, ao mesmo tempo que na América do Norte se desenrolavam os acontecimentos que dariam origem ao primeiro Estado Federal da história, o filósofo alemão Immanuel Kant, no seu "Projecto de Paz Perpétua" (1795), preconiza uma "Sociedade de Nações", com base num "estado de direito" internacional. A ideia de Kant é a de que a "razão prática" dos homens obrigue os Estados a abandonar um "estado de natureza" que causa sempre novas guerras e a criar um sistema jurídico internacional que os evite. Assim, esboça uma verdadeira teoria pacifista e internacionalista, assente na ideia de federação republicana. Mas é fundamentalmente o século XIX o período de desenvolvimento mais acentuado da ideia europeia. Paralelamente, este século é palco, entre outras coisas, das primeiras tentativas de organização da sociedade europeia.

Exemplo disso é Cario Cattaneo, patriota, italiano e representante eminente da corrente federalista no seio do Risorgimento. Cattaneo é precursor do Federalismo Europeu, dando ao Federalismo (diferenciando-se da maior parte dos seus contemporâneos) uma forma precisa e bem definida sob o ponto de vista institucional. A solução federal é aplicada nos grandes problemas, desde a unificação da Itália à paz na Europa. É assim que o Estado Federal aparece como a única forma política que permite realizar a unidade pluralista e conciliar a unidade e a liberdade na Europa.

Por seu turno, o conde Henry Saint-Simon (1814) apresenta um projecto que testemunha a consciência existente já nesta altura da possibilidade de se tratarem os problemas da organização internacional através da instituição de um Governo Democrático Supranacional capaz de manter relações pacíficas entre as nações do mundo e de, ao mesmo tempo, garantir a autonomia das mesmas, uma vez que estão subordinadas a um poder superior, mas limitado. Para pacificar a Europa é necessário reorganizar a sociedade europeia com base num princípio novo capaz de "reunir os povos da Europa num só corpo político, conservando cada um deles a sua independência nacional." Propõe para isso a existência de um Parlamento Europeu que estaria acima dos governos nacionais e investido de poder para julgar os seus diferendos.

Desta forma, as nações da Europa passariam a ter uma integração supranacional, sem terem todas as características do Estado Federal. Depois de 1815, face à política da Santa Aliança, dirigida principalmente pelo Czar da Rússia e pelo chanceler austríaco Metternich, os intelectuais preconizam uma Santa Aliança dos Povos (Béranger), uma Internacional das Nacionalidades (Mazzini) ou uma Nova Aliança da Humanidade (Pierre Leroux). Independentemente da designação, todas estas propostas giram em torno da constituição de uma federação ou de uma confederação europeia, que agrupe os Estados livres e iguais, ou seja, os Povos libertados das monarquias absolutas, assim como das dominações estrangeiras. Esta visão seria seguida por muitos, incluindo também escritores românticos como Victor Hugo, célebre pela ideia dos "Estados Unidos da Europa".

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As últimas décadas do século XIX são ainda palco para a publicação de um certo número de projectos europeus, produzidos quer por juristas, quer por ex-diplomatas, técnicos e até economistas. Estas propostas vão desde a criação de uma Federação (Lorimer), passando pela Confederação (Bluntschli) e indo até uma Confederação de Confederações (Joseph Proudhon), uma Mitteleuropa, ou seja, uma vasta federação organizada em torno da Áustria (Constantin Frantz) ou ainda uma União Aduaneira (Gustave de Molinari).

No entanto, é com a eclosão da I Guerra Mundial que o problema da organização da Europa começa a ser claramente percebido e que é criado o espaço político necessário às primeiras acções em favor da unidade europeia, sustentadas por um movimento de opinião. E é também desde esta altura que surgem duas concepções distintas para a construção da Europa: uma simples cooperação para gerir as soberanias existentes e uma ultrapassagem das soberanias por um processo de unificação da Europa. Esta segunda concepção faz surgir uma nova ideia que atribui à crise do Estado-Nação a responsabilidade da guerra.

Daí que muitas das propostas que surgem nesta altura contraponham à existência de Estados-Nação a criação de espaços mais amplos. Nesta perspectiva, destaca-se Trotsky. Trotsky considera a "pátria" nacional ultrapassada devido à contradição crescente entre, por um lado, a tendência das forças produtivas de se estenderem para além dos limites das fronteiras nacionais e de se organizarem em espaços mais vastos e, por outro, as dimensões nacionais do poder político. Como tal, defende a criação dos Estados Unidos Republicanos da Europa. Se por um lado Trotsky tem o mérito de ilustrar a incompatibilidade entre as dimensões do Estado-Nação e o desenvolvimento das forças produtivas e de dar como solução a criação dos Estados Unidos da Europa, Luigi Einaudi, economista liberal e intelectual antifascista, e futuro presidente da República Italiana, vê também nessa solução um meio de as nações garantirem a sua própria segurança contra as tentativas de hegemonia por parte dos outros Estados que integram a sociedade internacional.

O dinamarquês Heerfordt, outro defensor de um Estado Federal Europeu, para além de uma assembleia interparlamentar, de um directório de chefes de Estado com direito de veto e de um ministério federal, prevê mesmo um regime especial para a agricultura e um período de transição para a realização de uma união aduaneira. Paralelamente, é também nesta altura que os projectos relativamente concretos de organização europeia deixam de ser fundamentalmente produzidos por personalidades isoladas e que surge o primeiro grupo organizado em torno das questões europeias, o Movimento Pan-Europeu (1923), com um projecto concreto de uma união pan-europeia.

Em 1929, a Europa vê mesmo chegar à Assembleia da Sociedade das Nações o projecto de União Europeia de Aristides Briand (então ministro dos Negócios Estrangeiros da França), projecto esse que assenta na criação de um "laço federal" entre as nações europeias, mas mantendo o total respeito pela soberania dos Estados membros da organização a constituir. Porém, a morte de Aristides Briand em 1932 e a diluição do seu projecto acabariam por ser um prelúdio do que se passaria nos anos seguintes. O entusiasmo pela unificação da Europa esmoreceria progressivamente ao longo dos anos 30 ao mesmo tempo que aumentavam as tensões entre os Estados da Europa. O resultado acabaria por ser a eclosão da II Guerra Mundial.

O desencadear de uma nova guerra na Europa fez, no entanto, reacender com muito mais veemência a ideia de reconstruir esse espaço com base numa união federal. Altiero Spinelli (futuro fundador do Movimento Federalista Europeu), Ernesto Rossi (matemático) e Léon Blum (socialista francês, antigo chefe de Governo da Frente Popular), ainda no decorrer do conflito, apelam à formação de uma Federação Europeia dotada de um exército europeu capaz de impor a sua proeminência de modo a garantir a paz, a democracia e a reforma da sociedade. No entanto, é o discurso proferido por Winston Churchill, na Universidade de Zurique, onde o então Primeiro Ministro do Reino Unido faz um veemente apelo à união dos Povos europeus através da constituição de uma Confederação capaz de garantir uma comunhão de destinos entre a França e a Alemanha, que marca o relançamento da ideia da União Europeia.

Jean Monnet e Robert Schuman (então ministro dos Negócios Estrangeiros da França) são os principais protagonistas desta nova fase e é este último quem torna publica uma declaração que modifica a face da Europa: "A Europa não se fará de um golpe, nem com uma construção harmoniosa. Ela construir-se-á com realizações concretas, criando uma solidariedade de facto". O primeiro passo concreto no sentido de materializar essa solidariedade é dado a 18 de Abril de 1951, com a assinatura do Tratado que institui a Comunidade Europeia do Carvão e do Aço.

 

Informação complementar

Abade de Saint-Pierre

"Se há um qualquer meto de suspender estas contradições perigosas, esse não pode ser senão uma forma de Governo Confederativo que (...) submeta de igual forma uns e outros à autoridade das leis". "É necessário que esta Confederação seja de tal forma geral que nenhuma Potência considerável a recuse; que tenha um tribunal judicial que possa estabelecer as leis e os regulamentos que devem obrigar todos os membros; que tenha uma força coactiva e coerciva capaz de fazer cada um dos Estados submeter-se às deliberações comuns (...); enfim, que seja firme e durável, para impedir que os membros se desprendam da sua vontade". (Projecto de Paz Perpétua, 1712)

 

Immanuel Kant

"Visto que a razão, do trono do máximo poder legislativo moral, condena a guerra como via jurídica e faz, em contrapartida, do estado de paz um dever imediato, o qual não pode, no entanto, estabelecer-se ou garantir-se sem um pacto entre os povos: tem portanto de existir uma federação de tipo especial, a que se pode dar o nome de federação da paz. (...) Esta federação não se propõe obter o poder do Estado, mas simplesmente manter e garantir a paz de um Estado para si mesmo e, ao mesmo tempo, a dos outros Estados federados. (...) Os Estados (...) não têm, segundo a razão, outro remédio para sair da situação sem leis (...) senão o de consentir leis públicas coactivas (...) e formar um Estado de povos (civitas gentium), que (sempre, é claro, em aumento) englobaria por fim todos os povos da Terra." (Projecto de Paz Perpétua, 1795)

 

Victor Hugo

"Um dia virá em que as balas e as bombas serão substituídas (...) pela arbitragem de um grande Senado soberano que será para a Europa o mesmo que a Assembleia Legislativa é para a França" e em que "veremos estes dois grandes grupos, os Estados Unidos da América e os Estados Unidos da Europa, lado a lado, estendendo as mãos através dos oceanos, trocando os seus produtos, o seu comércio, a sua indústria".

"No século XX haverá uma Nação extraordinária... esta Nação terá por capital Paris mas não se chamará França — chamar-se-á Europa...".

"Eu represento um partido que não existe ainda: o Partido Revolução — Civilização. Este partido edificará o século XX e fará nascer, primeiro, os Estados Unidos da Europa. Depois os Estados Unidos do Mundo". (Discurso do Congresso da Paz, 1849)

 

Nietzsche

"Aquilo que me importa é a Europa Unida... Os pequenos Estados da Europa — entendo todos os nossos impérios e Estados actuais — tornar-se-ão economicamente insustentáveis a curto prazo. Aquilo que me importa, é a Europa Unida e eu vejo-a preparar-se lentamente, de maneira hesitante", (citado no Fórum DeclicEurope)

 

Trotsky

"A guerra de 1914 significa antes de mate a destruição do Estado nacional enquanto espaço económico autónomo... Para o proletariado não se pode tratar, nestas condições históricas, da defesa da "pátria" nacional ultrapassada, que se tomou o principal obstáculo ao desenvolvimento económico, mas da criação de uma pátria bem mais poderosa e sólida — os Estados Unidos republicanos da Europa, como fundamento dos Estados Unidos do mundo". (A Guerra e a Internacional, 1914)

 

Winston Churchill

"Qual é a solução para a Europa? É recriar a Família Europeia, ou o mais dela que se puder, e dotá-la de uma estrutura com base na qual possa viver em paz, em segurança e em liberdade. Temos que construir urna espécie de Estados Unidos da Europa. (...) N8o há nenhuma razão pela qual uma organização regional da Europa possa de alguma forma colidir com a organização mundial das Nações Unidas. (...) E porque não pode existir um grupo europeu que poderia dar um sentido de patriotismo alargado e cidadania comum aos povos deste poderoso e turbulento continente? (...) O primeiro passo para a recriação da Família Europeia tem que ser uma parceria entre a França e a Alemanha. (...) A estrutura dos Estados Unidos da Europa, se bem e verdadeiramente construída, tomará a força material de um único Estado menos importante. As pequenas nações contarão tanto como as grandes e terão a sua honra pela sua contribuição para a causa comum. (...) Por isso digo-vos: deixem a Europa erguer-se!" (Discurso na Universidade de Zurique, 1946)

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* Elisabete Palma

Licenciada em Relações Internacionais pela UAL. Bolseira do Ministério da Ciência e do Ensino Superior.

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