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A Europa e os migrantes na viragem do século

João Maria Mendes *

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Clandestinos chineses afogados ou asfixiados em contentores e camiões, filipinos ilegais espancados na Malásia, um número cada vez maior de africanos e de orientais tentando entrar na "fortaleza Europa" ou seguir caminho para os Estados Unidos — os incidentes e os números relativos aos migrantes, no mundo da actual mudança de século, vieram, em 2000, dar uma nova expressão ao peso das migrações no devir económico, social e político dos "países de acolhimento". A dramática pressão do mundo deserdado sobre o mundo industrializado ganhou a forma de um movimento de deslocação multiforme, onde o tráfico de clandestinos vem subindo em flecha desde o início da década de 90.

Comentando o "incidente de Dover", de Junho passado, onde 58 clandestinos chineses perderam a vida tentando uma viagem sem regresso a partir do seu país, Jonas Widgren, que dirige em Viena o Centro Internacional para o Desenvolvimento das Políticas Migratórias, sintetizava nos seguintes termos, em Julho (entrevista concedida ao semanário L'Hebdo, de Lausanne), o que a sua ONG pensa sobre a evolução actual do fenómeno migratório: "Sabe-se que há actualmente cerca de 170 milhões de migrantes legais no mundo, contando trabalhadores, refugiados, etc. A Europa acolhe meio milhão por ano. Quanto aos ilegais que conseguiram estabelecer-se, avaliamo-los em três ou quatro milhões [na Europa; globalmente avaliados serão 30 ou 40 milhões], chegando actualmente à média de 300 a 400 mil por ano na UE. (...) E um fenómeno que se está a acentuar muito: nas próximas décadas haverá um enorme afluxo de pessoas desempregadas [ao mundo industrializado], sobretudo agricultores. Trata-se de centenas de milhões de pessoas. Irão até às grandes metrópoles e aí encontrarão passadores capazes de os fazer transitar clandestinamente. (...) Os grandes lugares de passagem são sobretudo os grandes aeroportos europeus, especialmente os de Leste: Moscovo, Tirana..."

Para conseguir passar da China para Nova Iorque, por exemplo, onde virá a trabalhar como um escravo, sobretudo na hotelaria e restauração, um migrante tem de atravessar, muitas vezes, três ou quatro países — e pagará, pela viagem, de 30 a 35 mil dólares. Mas o custo médio mundial da "passagem" clandestina é de três mil dólares, tendo em conta que há situações, como a de Francoforte-sobre-o-Oder, na antiga Alemanha de Leste, onde as informações de um taxista sobre o bom local e o bom momento para atravessar o rio não custam mais de 300 a 500 marcos.

A ONU avaliava, a meio da década de 90, em 10 mil milhões de dólares por ano os lucros que as máfias internacionais que passaram a dedicar-se ao tráfico humano fazem sobre os seus transportados. Mas é muito provável que esse número esteja, hoje, mais perto dos 15 mil milhões por ano. Estas organizações, que se tornaram extremamente profissionais, dedicam-se cada vez mais ao que a ONU chama trafficking (a longa exploração de um transportado no país de destino) do que ao smuggling, o mais antigo e mais simples trabalho do mero passador. Uma prostituta ou um trabalhador dará lucro durante anos, pagando a sua passagem no país onde conseguiu estabelecer-se, ao contrário daqueles que "apenas" pagaram o "salto" de uma vez.

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Schengen: o exemplo grego

A Europa de Schengen veio, naturalmente, agravar os confrontos com passadores e seus passageiros nas fronteiras da "fortaleza": a Grécia, guarda-avançada do espaço Schengen diante da Albânia e da Turquia, passou a ser o país para onde confluem duas grandes rotas actuais do tráfico humano: a do Norte, sobretudo balcânica, e a do Oriente, que atravessa a Turquia. As autoridades gregas criticam fortemente o poder turco, que, embora aspire a ser membro da UE, pratica um laxismo incómodo em matéria de tráfico humano: hoje, todos os dias milhares de pessoas tentam, em Istambul e em outros portos do Sudoeste turco, entrar na "União" através da Grécia. Economista e especialista em imigração na Universidade de Atenas, Rossetto Fakiolas comenta a situação nos seguintes termos: "A Grécia tem 10 milhões de habitantes e expulsou 1 800 000 clandestinos em nove anos [de 1991 a 1999]. Proporcionalmente, é como se a Itália tivesse expulso 11 milhões de pessoas. (...) A partir de agora os estrangeiros representam 7,5 por cento da população do país, o que representa um crescimento exponencial, de 12 a 14 vezes superior ao de há dez anos atrás".

O problema de base, na Europa, que sempre teve dificuldade em assumir-se como continente de imigração, é o de que os poderes políticos sabem por experiência que as actuais necessidades em mão-de-obra desaparecem à menor travagem do crescimento económico, e, embora temendo a xenofobia, têm tendência a defender o statu quo de Schengen. Talvez por isso Bronislaw Geremek, que esteve à frente da diplomacia polaca até meio de 2000, perguntava, em Junho, se "é o medo o sentimento principal que cimenta a União".

É sabido que os EUA recebem actualmente mais trabalhadores estrangeiros do que nunca, desde a grande vaga do princípio do séc. XX, multiplicando as políticas de integração e assumindo-se como "terra de asilo" e "destino de párias". A Europa, sem o assumir claramente, multiplica políticas próximas da "tolerância zero", ainda cega quanto ao seu problema demográfico futuro (ver informação complementar). A maioria dos Estados membros da UE fecharam as portas à "imigração primária", ou seja, aos estrangeiros extra-comunitários que pretendem ficar a mandar vir as famílias: a imigração legal recuou, nestes países, ao longo de toda a década de 90. Mas a mão-de-obra altamente qualificada é bem recebida: o chanceler Schroeder pede 20 000 técnicos de informática indianos e da Europa de Leste, e a Irlanda está a estudar um programa de acolhimento de 200 000 trabalhadores qualificados em sete anos. Aos outros resta infringir a lei, entrar ilegalmente num país, tentar manter-se ali discretamente depois de o seu visto perder validade, pedir asilo (uma benesse cada vez mais difícil de obter) ou esperar que a lentidão e a burocracia administrativas o "salvem", permitindo-lhes, por omissão, eternizarem-se ali.

 

Informação complementar

159 milhões de trabalhadores imigrados até 2025

A divisão de população das Nações Unidas libertou, no início de Janeiro de 2000, a versão preliminar de um marcante relatório intitulado " Migrações de substituição: uma solução para as populações envelhecidas e em declínio", que viria a estar pronto em Março seguinte e que, a ter sido levado a sério pelos poderes políticos, sobretudo europeus, poderia ter sacudido, até hoje, essa entidade que ninguém reconhece como existente de facto — a opinião pública europeia.

O relatório dos demógrafos da ONU afirmava, com efeito, que, para manter o actual equilíbrio médio de quatro a cinco activos para cada reformado, no seio da União Europeia, esta associação de países terá de receber, até 2025,159 milhões de trabalhadores imigrados (no mesmo período, os Estados Unidos da América deveriam receber 150 milhões). Joseph Chamie, director da citada divisão, afirmava, no momento da divulgação do relatório preliminar: "Bem sabemos que se trata de números politicamente inaceitáveis para os europeus, mas, quando o problema é grande, mais vale enfrentá-lo sem hesitações: em todo o mundo as populações estão a envelhecer, mas, na Europa, estão a envelhecer a um ritmo alarmante, e as consequências sociais e económicas deste facto têm de conduzir à reflexão". O relatório foi imediatamente criticado por, aparentemente, operar uma simples projecção mecânica dos dados demográficos actuais sobre os próximos 25 anos: a taxa de natalidade actual é de 1,4 crianças por mulher na UE, o que apenas exprime de forma mais intensa a crise de natalidade em todo o mundo industrializado, e este dado maior cruza-se com a manutenção da actual taxa de produtividade, com a actual tendência para o envelhecimento da população e o prolongamento da esperança de vida (que está a levar à crise o financiamento das reformas), com a hipótese de pequena flutuação das taxas médias de crescimento económico actual, etc.

Mas estas críticas não são de molde a por em causa as projecções do relatório: estas últimas apenas exprimem, diversamente do optimismo a que os políticos se remetem, um maior cepticismo sobre a possibilidade de se alterarem, a curto e médio prazo, as tendências pesadas que hoje definem o que sabemos sobre o devir das populações.

Ora, se nada vier modificar estas tendências pesadas, em 2045 perto de 48 por cento da população da União Europeia terá mais que a idade da reforma, enquanto o número de pessoas com menos de 59 anos terá descido 11 por cento. Joseph Alfred Grinblat, um dos autores do relatório, salienta que a legislação social europeia foi globalmente concebida numa época em que a relação activos-reformados era de cinco para um: "Mas quando a relação for de dois para um, será física e economicamente impossível oferecer os mesmos benefícios aos idosos". Daí a alternativa, que pareceu, a muitos, excessiva: "Temos de escolher entre um grande número de trabalhadores imigrados, que parece politicamente irrealista, e o forte retardamento da idade de reforma, o que entrava as soluções ao problema do desemprego europeu", conclui Grinblat.

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* João Maria Mendes

Licenciado em Filosofia pela Universidade Católica de Lovaina (Bélgica). Doutorado em Ciências da Comunicação pela Universidade Nova de Lisboa. Professor na ESCT. Subdirector do Curso de Licenciatura em Ciências da Comunicação da UAL Subdirector do Observatório de Relações Exteriores.

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