Pesquisar

  Janus OnLine - Página inicial
  Pesquisa Avançada | Regras de Pesquisa 
 
 
Onde estou: Janus 2001 > Índice de artigos > Actualidade das migrações > A imigração em Portugal > [A emigração e seus efeitos na economia cabo-verdiana]  
- JANUS 2001 -

Janus 2001



Descarregar textoDescarregar (download) texto Imprimir versão amigável Imprimir versão amigável

ESTE ARTIGO CONTÉM DADOS ADICIONAIS seta CLIQUE AQUI! seta

A emigração e seus efeitos na economia cabo-verdiana

João Estêvão *

separador

A emigração constitui um fenómeno permanente na história da sociedade cabo-verdiana. Foi a partir de meados do século XIX que ela se transformou num importante factor de mudança social e económica, não só pela dimensão e pela continuidade dos fluxos mas, principalmente, pela forma específica de articulação que estabeleceu entre o arquipélago e as "economias" do Atlântico. As causas profundas deste movimento migratório foram a acentuação da decadência económica das ilhas e a agudização da conflitualidade social que lhe estava associada. As crises de seca e escassez de colheitas agravavam a decadência económica e, à medida que se tornavam mais frequentes, contribuíam para aprofundar a ruptura do equilíbrio ecológico e para a queda da produção agrícola. As décadas do meio do século foram particularmente atingidas, sendo precisamente neste período que a emigração começou a transformar-se num movimento de relativa amplitude.

Uma primeira fase na moderna emigração cabo-verdiana é a que se estende de meados de novecentos até à segunda década do século XX e cujo fluxo mais importante ocorreu para os Estados Unidos da América. Os dados estatísticos disponíveis (apenas deste século) mostram que, entre 1900 e 1920, as saídas para os Estados Unidos representaram 61,7% do total, muito superior aos fluxos para outras regiões.

A emigração para a América do Norte foi não só a mais importante quantitativamente mas também aquela que mais contribuiu para a constituição de um fluxo permanente de transferências (remessas de emigrantes) para o arquipélago, com um impacte decisivo sobre a evolução da economia e da sociedade cabo-verdianas. Em primeiro lugar, as transferências foram um instrumento fundamental para a monetarização das ilhas agrícolas e para a expansão do comércio interno; em segundo lugar, constituíram um suporte indispensável para os pagamentos externos e uma fonte importante de estabilidade da moeda da colónia. E foi com base nos rendimentos obtidos na emigração que muitos americanos retornados puderam adquirir parte das terras da antiga classe senhorial, cuja decadência se acentuava decisivamente nas primeiras décadas do século.

A segunda fase da emigração estende-se dos anos 20 até ao fim da segunda guerra mundial e caracteriza-se, principalmente, pela queda significativa das saídas. Muito embora tenham aumentado os fluxos para a América do Sul, Europa e África, no entanto, esse aumento esteve muito longe de compensar a grande quebra nas saídas para os Estados Unidos. Foram, de facto, as restrições impostas pelas autoridades norte-americanas à entrada de novos imigrantes as principais responsáveis pela diminuição da emigração cabo-verdiana, a que se juntaram factores como a crise económica iniciada em 1929 e, mais tarde, a segunda guerra mundial.

Topo Seta de topo

Depois de 1946, a emigração voltou a constituir um fenómeno marcante na sociedade cabo-verdiana, transformando-se num "grande êxodo" a partir do final dos anos 60. Entre 1946 e 1973 saíram do arquipélago 142.093 pessoas: com grandes flutuações anuais entre 1946 e 1962 (cerca de 3052 pessoas por ano); com uma tendência visível de crescimento entre 1963 e 1969 e um nível médio de saídas anuais bastante elevado (cerca de 5438 pessoas por ano); e com um grande salto a partir de 1970. Neste ano saíram 11.802 pessoas, subindo para 17.029 em 1973 e com uma média anual de saídas de 15.143 pessoas. Uma característica fundamental da emigração cabo-verdiana nesta terceira fase foi a sua forte orientação para a Europa Ocidental, ficando as saídas para os Estados Unidos a uma alguma distância. O principal destino foi, durante bastante tempo, a Holanda e outros países europeus com frotas mercantes importantes mas, a partir do final dos anos 60, a corrente para Portugal aumentou significativamente com os trabalhadores para a construção civil.

A emigração desta fase teve um impacte ainda maior sobre a economia e a sociedade cabo-verdianas. Antes de mais, reflectiu-se num crescimento acentuado das transferências privadas do exterior. Entre 1967 e 1972, por exemplo, as transferências contabilizadas na balança de pagamentos passaram de 89 para 169 milhões de escudos cabo-verdianos, ou seja, aumentaram quase 90% e passaram a representar mais de 10% do PIB.

O crescimento das transferências traduziu-se numa maior entrada de divisas e, por conseguinte, no crescimento da procura da moeda local e numa forte expansão da massa monetária. Em 1950, a circulação fiduciária ultrapassou, pela primeira vez, o limite de 20 milhões de escudos cabo-verdianos estabelecido pelo contrato de 1929 entre o Governo e o Banco Nacional Ultramarino, com a massa monetária a atingir 27,5 milhões de escudos. A partir de então, o crescimento foi rápido e a massa monetária quase triplicou entre 1950 e 1960. Mas foi depois de 1963 que se verificou a grande aceleração no seu crescimento, de tal modo que em 1973 a massa monetária era cerca de dezasseis vezes mais elevada do que em 1950, tendo quadruplicado entre 1963 e 1973.

O efeito das transferências sobre a expansão monetária reflectia o crescimento da capacidade aquisitiva da população, na medida em que essa expansão não era senão o resultado do crescimento da procura da moeda local por parte da população que dispunha de divisas recebidas do exterior e que o BNU aceitava como contrapartida dos escudos que colocava em circulação.

Portadora de cada vez maior poder aquisitivo em moeda local, a população solicitava crescentemente a importação de grande variedade de bens que a frágil estrutura produtiva interna estava longe de poder satisfazer. Deste modo, o crescimento das importações acelerou-se bastante a partir do momento em que a solicitação da produção começou a aumentar: as importações passaram de 170,2 milhões de escudos em 1963 para 883,1 milhões em 1973, um crescimento de 389,3% e a uma taxa média anual de 15,5%.

Este modelo de funcionamento da economia foi reproduzido depois da independência, em 1975, continuando a depender fortemente dos fluxos do exterior, tanto das transferências privadas (basicamente remessas de emigrantes) como das transferências públicas (essencialmente ajuda externa). A economia cabo-verdiana continua, assim, a apresentar uma estrutura produtiva interna muito frágil e uma grande abertura em relação ao comércio internacional.

No que respeita à produção interna, as actividades de comércio e serviços são dominantes (cerca de 70% do PIB em 1990-97), a construção mostra algum dinamismo (14%), a produção agrícola não ultrapassa os 7% e a indústria (incluindo energia) tem pouco significado (7% do PIB). Os fluxos do comércio externo são profundamente desequilibrados, representando as exportações apenas 33% das importações (1990-97), enquanto estas correspondem a quase 60% da produção interna. O desequilíbrio comercial é compensado pelo nível relativamente elevado dos fluxos provenientes do exterior, em particular, das transferências correntes. Entre 1990 e 1997, as transferências correntes representaram, em média, 33,5% do PIB e corresponderam a 57,1% das importações totais. Como consequência, o consumo total manteve valores elevados em relação à capacidade produtiva interna (103,5% do PIB, em média), com destaque para o consumo privado que representou, em média, 76,6% do PIB e 55,0% da procura interna total.

Os fluxos do exterior são, de facto, o verdadeiro motor da economia cabo-verdiana: dinamizam o seu funcionamento, contribuindo para aumentar o rendimento disponível e o consumo das famílias, para ampliar a capacidade de financiamento da economia e para assegurar a disponibilidade de divisas necessárias ao crescimento das importações. Esses fluxos funcionam como uma renda de que o país beneficia e que lhe permite o recurso crescente à importação de bens, sem que haja um crescimento correspondente da produção interna. E isso acontece porque a ausência de incentivo para afectar recursos em actividades produtivas locais (pequena dimensão, baixa produtividade do trabalho, isolamento geográfico, etc.) determina um efeito de compressão (crowding out) da produção interna pela renda do exterior, em proveito das importações. Resulta, então, que o capital não é atraído para a produção interna e o trabalho emigra para o exterior, deixando atrás uma produção e uma população estagnadas.

A economia funciona, portanto, através de um modelo de procura, cujas condições essenciais assentam nos fluxos de transferências do exterior e na emigração. As transferências aumentam o rendimento disponível das famílias e pressionam a procura interna. Mas, dada a ausência de incentivo ao investimento produtivo dos capitais, estes são "desviados" para assegurar a importação dos bens que permitem responder à pressão da procura. Por isso, quanto maior o fluxo das transferências maior a pressão para a importação de bens. No que respeita à emigração, ela tem uma função dupla neste modelo: por um lado, permite "exportar" uma parte significativa do trabalho excedente, aliviando a pressão sobre o mercado do trabalho; e, por outro, dá origem a um fluxo de contrapartida através das remessas que os emigrantes enviam para o país e que constituem a parcela mais significativa das transferências.

A contribuição da emigração para o funcionamento da economia cabo-verdiana continua, assim, a ser importante. O valor das remessas tem oscilado à volta de 60% das transferências correntes e de 20% do PIB, correspondendo a cerca de 35% do valor das importações, o que quer dizer que a dinâmica da procura resulta, em grande parte, do volume de remessas que os emigrantes enviam mensalmente para Cabo Verde. Em termos de proveniência, os principais fluxos têm origem nos países que tradicionalmente têm recebido a maior parte da emigração cabo-verdiana: os Estados Unidos da América e, desde o pós-guerra, a Holanda, Portugal, França e Itália. Os fluxos provenientes dos EUA oscilam entre 20% e 30%, enquanto as remessas da Holanda andam à volta de 15%. Durante a última década, os fluxos com origem em Portugal acabaram por ultrapassar a posição holandesa e representam hoje cerca de um quarto do total, um peso muito semelhante ao dos EUA. Isto quer dizer que Portugal ocupa já uma posição de destaque enquanto país receptor da emigração cabo-verdiana e enquanto país de origem de uma parcela significativa das remessas de emigrantes.

separador

* João Estêvão

Doutorado em Economia pela Universidade Técnica de Lisboa. Docente e investigador no ISEG/UTL.

separador

Dados adicionais
Gráficos / Tabelas / Imagens / Infografia / Mapas
(clique nos links disponíveis)

Link em nova janela Produção, procura e fluxos externos

Topo Seta de topo

 

- Arquivo -
Clique na edição que quer consultar
(anos 1997 a 2003)
_____________

2003

2002

2001

1999-2000

1998

1998 Supl. Forças Armadas

1997
 
  Programa Operacional Sociedade de Informação Público Universidade Autónoma de Lisboa União Europeia/FEDER Portugal Digital Patrocionadores