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Angola: potência regional?

Manuel Ennes Ferreira *

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Desde que Angola se tornou independente em Novembro de 1975 têm-se sucedido os prognósticos e as referências relativos a este país se poder tornar uma potência regional. Numa primeira fase, entre 1975 e finais da década de 80, o enfoque centrou-se em torno da possibilidade e do interesse em se afirmar geograficamente na África Austral, suportada politicamente por um dos lados do mundo bipolar da altura, a União Soviética. Esta visão colocava Angola como testa-de-ponte da expansão do sistema socialista em contraponto à alternativa de um sistema democrático multipartidário e de economia de mercado. Porém, e numa segunda fase, as significativas alterações verificadas nas relações internacionais a partir do início dos anos 90 e as ocorrências entretanto registadas em países vizinhos de Angola colocaram-no numa nova encruzilhada: afirmar-se como potência regional não apenas na África Austral mas igualmente na África Central. Ironicamente, e em resposta aos novos sinais dos tempos, este papel parece contar, internacionalmente, com a cumplicidade e o apoio tácito de governos que outrora diabolizou, em particular os Estados Unidos da América e a França. Internamente, tendo em conta não só os interesses políticos e militares do governo angolano, numa espécie de angolanização da teoria da soberania limitada (ver mais à frente), mas também os económicos, a procura da afirmação e do reconhecimento regional tem sido claramente um desejo de Angola.

Curiosamente, o que mais tem determinado os maiores ou menores êxitos e derrotas que Angola tem registado nesta caminhada está intimamente ligado aos mesmos dois factores que existiram na primeira fase e que continuaram a perdurar na segunda, a actual: a guerra civil e a UNITA, por um lado, e a África do Sul, por outro. No primeiro caso, através do confronto directo, que foi gerando alternância de simpatias por parte dos países africanos; no segundo caso, ao combatê-la inicialmente quando ela vivia o apartheid, foi tentado então capitanear a região austral contra esse inimigo comum mas, a partir de 1994, o confronto passou para o plano da disputa de liderança política e diplomática não apenas na África Austral mas igualmente na África Central.

A realidade tem demonstrado como tem sido difícil essa empreitada. E se a afirmação regional pela via da intervenção militar tem aparentemente pendido para o lado de Angola, no domínio económico e político-diplomático é o inverso que tem ocorrido.

O caminho escolhido por Angola tem revelado alguma sobranceria e inaptidão no modo de lidar com aquele desiderato, o qual se encontra longe de atingido.

A ideia de que a simples posse de um exército numeroso, poderoso e com experiência, associado ao facto de ser um país produtor e exportador de petróleo, deveriam ser suficientes para ser reconhecido como uma potência regional pelos países africanos da área e pela comunidade internacional mostrou ser falaciosa. Vejamos então, no caso de Angola, o que tem ocorrido em três importantes vertentes que, quando bem conjugadas, poderão permitir a afirmação do estatuto de liderança regional:

• Domínio militar: não é apenas pelo facto de militarmente Angola se apresentar mais forte do que qualquer outro país da sua vizinhança que lhe permite obter o respeito e o reconhecimento de potência regional (ver tabela na próxima página). O lado militar é um dos elos, importante por certo. 

A sobrevalorização que o governo angolano tem desde sempre atribuído a esta vertente tem sido um claro erro de apreciação do conteúdo de potência regional. Não é unicamente pela força e pela atemorização militar que se consegue obter aquele estatuto.

No entanto, a tentação foi e continua a ser grande.

Data de 1977, com a primeira intervenção no ex-Zaire, actual Congo Democrático, o início da aplicação de uma espécie de teoria da soberania limitada à angolana. A pressão que então foi exercida sobre Mobutu, a que se seguiu no ano seguinte nova incursão dos “katangueses” pela região do Shaba, permitiu que pouco tempo depois fosse assinado um Acordo de Segurança entre os dois países.

A necessidade de tentar garantir um enfraquecimento da retaguarda logística da UNITA explica aquelas duas acções. Ao mesmo tempo, mostrou ao país vizinho que deveria ter alguma cautela.

As intervenções que bastante mais tarde, já na década de 90, Angola efectuou no Congo Brazza e no Congo Democrático (a partir de 1997) são justificadas essencialmente pela mesma razão, a que se deve acrescentar a oposição armada existente em Cabinda. Nem o território da Namíbia tem escapado a esta lógica. Os Acordos de Segurança (e/ou de Cooperação Militar) entretanto firmados com todos os países fronteiriços, desde o de Agosto de 1998 com o Congo Brazza até mais recentemente com a Zâmbia, de pouco têm servido para pôr cobro à guerra civil angolana.

O resultado da utilização de todo o poderio militar angolano na região não só tem mostrado ser ineficiente para derrotar a UNITA ou a oposição armada ao regime de Kabila, como tem levantado suspeições e temores por parte de vários países africanos. O anúncio feito em Setembro de 2001 relativo à intenção de Angola e do Zimbabwe virem a criar empresas comuns no sector do armamento certamente fará aumentar aqueles receios, o que seguramente irá debilitar ainda mais, junto dos outros países africanos, a vontade de aceitação voluntária do estatuto de líder regional para Angola;

• O domínio económico: esta importante vertente não tem minimamente ajudado Angola a afirmar-se como potência regional. A ilusão da importância que o petróleo tem para as companhias multinacionais e para os respectivos governos ocidentais esbarra na incapacidade de Angola poder desempenhar um papel central e dinamizador junto das economias dos países africanos que se situam em seu redor ou perto de si.

É à África do Sul que tem cabido este papel, afirmando-se e sendo claramente reconhecida neste domínio. Pouco importa que alguns indicadores coloquem Angola em boa posição regional (ver tabela da página anterior). Mas tudo aí deriva do sector petrolífero. Nesta região quase todos os países vêem as exportações das suas matérias-primas contarem para mais de 70% das suas vendas ao exterior. Angola não escapa a esta realidade, tornando-se bastante vulnerável às oscilações do mercado internacional. Ao invés, esse valor é de apenas 44% para a África do Sul, o que atesta da força e diversidade das suas actividades económicas. E se Angola pouco ou nada tem para dar a estes países — mercadorias, serviços e investimento —, tem surpreendentemente adoptado no seio do SADC uma posição de resistência passiva próxima de um free rider. Deixando o comando à África do Sul, ao Zimbabwe ou até mesmo a Moçambique, o alheamento de Angola neste espaço confere-lhe um estatuto subalterno, pouco compatível com o desejo de se afirmar como potência regional.  

• O domínio político-diplomático: esta terceira vertente tem sido igualmente um campo de fracassos para a pretensão de Angola ser reconhecida pelos seus pares. A título meramente exemplificativo enumerem-se quatro casos dos mais recentes. Não conseguiu ainda que o Conselho de Segurança considerasse Savimbi um criminoso de guerra, pese embora o facto de a comunidade internacional o condenar amiúde (deve ser referido, porém, que averbou uma importante vitória neste domínio junto do SADC). Não conseguiu evitar que a Cimeira Anual da OUA de Maio de 2000 fosse realizada no Togo e que o seu presidente fosse eleito presidente daquela organização. A intensa campanha diplomática que Angola desenvolveu junto dos países membros não surtiu qualquer efeito. Apenas dois países cumpriram o boicote, o que contribuiu para o ridículo da imagem do país e da sua afirmação em África. Não conseguiu fazer valer na Cimeira do SADC de 2001 a sua pretensão de ver eleito para o cargo de secretário-geral desta organização o seu representante (a opção favoreceu Moçambique). Finalmente, não tem conseguido evitar que importantes instituições internacionais e governos apontem Angola como uma das duas partes responsáveis pela continuidade da guerra civil no país e pelo atropelo das mais elementares normas de convivência democrática e de respeito pelos direitos humanos. Tudo somado, pode afirmar-se que neste domínio Angola está muito longe de ser respeitada e ouvida.

Apresentadas as três vertentes que, quando aplicadas com sucesso e de forma complementar, poderão dar sustento ao desejo de Angola se afirmar e ser reconhecida como potência regional, poder-se-á concluir que o caminho que este país tem de trilhar ainda é longo. Não basta apenas ter poderio militar, como Angola reconhecidamente tem.

O poder económico junto dos outros países e a capacidade de liderança política e diplomática, reconhecida de forma voluntária, são duas importantes e significativas arestas que Angola precisa de limar. Mas será isso possível enquanto perdurar a guerra civil no seu território?

 

Informação complementar

Uma história de intervenções

A presença e a intervenção das forças armadas angolanas em países da região conta já com algum historial. Em São Tomé e Príncipe, pouco tempo depois da independência deste país (1975) estacionou um forte dispositivo militar angolano que ali se manteve até ao início da década de 90. Mais recentemente, na sequência do golpe de Estado de 15 de Agosto de 1995, o papel de mediador protagonizado por Luanda junto dos militares são-tomenses mostrou o seu papel activo e decisivo naquele país. No Congo Democrático (ex-Zaire), a história é longa: em 1977 e em 1978 Angola esteve logística e directamente por detrás da invasão do Shaba, efectuada a partir da região leste de Angola e protagonizada por soldados naturais daquela província zairense, os chamados katangueses. Já na década de 90 apoiou a luta de Laurent Kabila contra Mobutu que conduziu à queda deste em 1997. Reforça a sua intervenção directa a partir do Verão de 1998 fazendo deslocar e estacionar aí um forte dispositivo militar em defesa do novo regime congolês contra as forças da oposição interna armada apoiadas pelo Uganda e Ruanda. Esta situação ainda hoje se mantém. Na sequência do golpe militar dado em Outubro de 1997 pelo antigo presidente do Congo Brazzaville Sassou Nguesso (usando as suas milícias Cobra) contra o presidente Lissouba, o exército angolano entra neste país em apoio de Nguesso e aí permanece até hoje. Finalmente, na Namíbia, têm sido frequentemente assinaladas nos anos mais recentes incursões e intervenções das forças armadas angolanas no norte deste país em perseguição de tropas da UNITA e identificação e destruição das suas bases.

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* Manuel Ennes Ferreira

Professor Auxiliar no ISEG/UTL. Docente de Economia do Desenvolvimento (Licenciatura) e Economia Africana (Mestrado).

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Dados adicionais
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