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Avanços e recuos nos tratados internacionais de ambiente

Ricardo Garcia *

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No campo da diplomacia ambiental, 2001 foi um ano marcante. Numa atitude inesperada, os Estados Unidos decidiram abandonar o Protocolo de Quioto — um tratado adoptado em 1997 para reduzir as emissões dos gases responsáveis pela subida da temperatura da Terra. Foi um choque para a comunidade internacional, que ao longo de uma década vinha construindo, peça a peça, um difícil consenso sobre o que fazer perante o problema das alterações climáticas. A atitude norte-americana não só abalou esta delicada arquitectura, como alimentou as dúvidas sobre até que ponto a assinatura de um acordo internacional representa um passo seguro na solução de problemas ambientais.

Na história dos tratados sobre o ambiente, há exemplos de sucesso e de fracasso. Logo a primeira experiência de cooperação internacional falhou: a Convenção para a Preservação dos Animais, Aves e Peixes Selvagens de África, assinada em Paris, em 1900, sobretudo para preservar a caça, nunca foi colocada em prática. De lá para cá, a lista de acordos para proteger o ambiente foi crescendo, primeiro a um ritmo lento, até iniciar uma ascensão exponencial, a partir da década de 50.

Os anos 70 foram particularmente prolíficos. A consciência para os problemas ecológicos alastrara-se por obra de uma série de eventos, como o primeiro Dia da Terra, nos Estados Unidos, em 1970, altura em que, do outro lado do Atlântico, celebrava-se o Ano Europeu da Conservação da Natureza. O ponto alto deste processo foi a Conferência sobre Ambiente Humano, em Estocolmo, em 1972 — a primeira das grandes cimeiras ambientais mundiais.

Deste período datam pactos internacionais que resultaram em medidas concretas e que estão a colher frutos, embora com dificuldades. A Convenção sobre o Comércio Internacional de Espécies Ameaçadas de Fauna e Flora (CITES), assinada em Washington em 1973, efectivamente reduziu a captura abusiva de plantas e animais emblemáticos, de orquídeas a elefantes, tigres e chimpanzés. Da mesma forma, a Convenção sobre a Conservação da Vida Selvagem e dos Habitats Naturais Europeus (Convenção de Berna), de 1979, foi um dos pontos de partida de muitas políticas posteriores destinadas a preservar a natureza. É o caso das directivas da União Europeia sobre a protecção dos habitats e da correspondente Rede Natura 2000 — a malha de áreas naturais de interesse para a conservação que vem sendo definida nos quinze Estados-membros.

A Convenção de Londres para a Prevenção da Poluição Marítima por Descarga de Resíduos e Outros Materiais (1972) e a Convenção para a Prevenção da Poluição por Navios (MARPOL, 1973) também tiveram um efeito regulador visível, neste caso sobre o despejo incontrolado de descargas nocivas para os oceanos. A quantidade de resíduos industriais lançada para o mar baixou de 17 milhões de toneladas para seis milhões, entre 1979 e 1987, segundo o Worldwatch Institute. Também a Convenção sobre a Poluição Atmosférica Transfronteiriça de Longo Curso, assinada por 30 países em 1979, traduziu-se, através de protocolos posteriores, em medidas que estão a reduzir as emissões de dióxido de enxofre, óxidos de azoto e amónia — gases associados ao problema das chuvas ácidas, que, porém, ainda está longe de estar resolvido.

Uma série de factores podem ajudar a pôr em prática as palavras de um tratado internacional, ou, ao contrário, deixá-lo a patinar no campo das intenções. Alguns acordos são facilmente transponíveis para a legislação interna dos países, criando-se penalizações concretas para quem não os cumprir. A legislação portuguesa sobre o movimento internacional de resíduos perigosos, por exemplo, é um corolário da Convenção de Basileia, de 1989, ratificada por quase todos os países desenvolvidos — excepto os Estados Unidos — e que se destina a evitar o tráfico e deposição descontrolada de lixos tóxicos, sobretudo a partir das nações ricas para as mais pobres.

As dificuldades aumentam na medida em que os acordos implicam modificações mais profundas nas relações económicas e sociais. Nos problemas ambientais de dimensão verdadeiramente global, encontram-se exemplos sugestivos.

O buraco na camada de ozono, para o qual o mundo acordou assustado na década de 80, implicou uma resposta internacional forte e rápida. Em 1985, foi assinada a genérica Convenção de Viena para a Protecção da Camada de Ozono. Mas em 1987, o Protocolo de Montreal deu-lhe uma dimensão muito mais palpável, estabelecendo datas precisas para eliminar a produção e uso de produtos químicos que destroem a camada de ozono, como os clorofluorcarbonetos (CFC) e os halons.

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Para ventura da humanidade, estes compromissos — reforçados por várias emendas posteriores ao Protocolo de Montreal — não só incidem sobre sectores industriais muito específicos, como também as alternativas àqueles produtos são comercialmente compensadoras. Assim, não foi difícil para as nações desenvolvidas eliminar a produção de CFC até 1996. Da mesma forma, os países em desenvolvimento, que têm uma meta mais alargada para o fazer — 2010 — seguem no mesmo caminho. Ironicamente, a camada de ozono nunca esteve tão fina como nos últimos anos, uma vez que as substâncias que a consomem têm um tempo de vida muito longo, na alta da atmosfera. O mundo continua, assim, mais vulnerável à acção dos raios ultra-violetas, perante os quais o ozono estratosférico funciona como um escudo. De qualquer forma, se todos os compromissos internacionais sobre a matéria forem cumpridos, estima-se que a camada de ozono começará em breve a recuperar-se e em 2050 retomará os níveis que tinha antes da década de 1980.

A questão das alterações climáticas é bastante mais complexa. O aumento da temperatura da Terra, acelerado pela queima de combustíveis fósseis, é um problema sério que afectará o mundo todo. Mas para resolvê-lo, é preciso mexer não só com poderosos lobbies industriais — ligados ao petróleo e aos automóveis, por exemplo — como eventualmente alterar hábitos muito arraigados na vida dos cidadãos.

Em 1992, durante a Cimeira da Terra, no Rio de Janeiro, foi assinada a Convenção-Quadro para as Alterações Climáticas, com a qual os países desenvolvidos se comprometeram a limitar, até 2000, as suas emissões de dióxido de carbono aos níveis de 1990. Todos sabiam que isto era pouco e, por isso, em 1997, à Convenção das Alterações Climáticas foi acrescentado o Protocolo de Quioto, que determina uma redução média de 5,2 por cento nas emissões das nações industrializadas, até 2012, também em comparação com 1990. O ano de 2000 chegou e não só a meta da convenção – quadro não foi cumprida, como as bases do Protocolo de Quioto começaram a tremer. A sexta conferência anual das partes signatárias do protocolo, em Novembro de 2000, em Haia, falhou na sua missão de definir as regras de funcionamento do protocolo — o que é fundamental para que seja ratificado e entre em vigor.

A discussão ficou suspensa até Julho de 2001, quando os países voltaram a sentar-se à mesma mesa, em Bona, na Alemanha. Nessa altura, porém, a nova administração norte-americana já havia abandonado o Protocolo de Quioto, através de um anúncio feito em Março.

As demais nações acabaram por conseguir chegar, in extremis, a um acordo em Bona sobre o funcionamento do protocolo, mas sem os Estados Unidos — os maiores emissores de dióxido de carbono do mundo — o tratado ficou enfraquecido e vulnerável.

Entre outros argumentos para justificar o abandono de Quioto, os Estados Unidos queriam que os países em desenvolvimento também fossem obrigados a cumprir metas concretas de redução de emissões — algo que nenhuma nação pobre estaria disposta a aceitar. Os norte-americanos estariam a negar, dessa forma, a noção internacionalmente aceite de que o mundo industrializado deve assumir uma responsabilidade maior por muitos dos problemas ambientais globais, devido ao modelo predatório do desenvolvimento económico pós-Revolução Industrial.

Muitos tratados internacionais contemplam esta diferença entre o Norte e o Sul, através de calendários diferentes de concretização ou de outras formas. O mais recente acordo ambiental, a Convenção de Estocolmo sobre Poluentes Orgânicos Persistentes, assinada em Maio de 2001, levou em conta a necessidade de os países em desenvolvimento ainda utilizarem uma das doze substâncias a serem banidas por esse tratado — o DDT — para o combate aos insectos que transmitem a malária, pois não existem alternativas economicamente viáveis para estas nações, no presente.

Desenvolver o Sul sem cometer os erros ambientais do Norte é um alvo central das políticas e estratégias internacionais de ambiente. Em 2002, na Rio+10, em Joanesburgo — onde será feito o balanço de dez anos da Cimeira da Terra, no Rio de Janeiro — o mundo terá a oportunidade de saber até que ponto está-se a conseguir isto.

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* Ricardo Garcia

Ex-colaborador do semanário Expresso. Jornalista do PÚBLICO desde 1989, dedicando-se às questões do ambiente.

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Dados adicionais
Gráficos / Tabelas / Imagens / Infografia / Mapas
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Link em nova janela Consumo de CFC no mundo

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