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Concentração na indústria automóvel

Pedro Pinto *

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Durante décadas a indústria automóvel foi entendida como um símbolo da riqueza e poder industrial das nações. As marcas encarnavam um estilo e encontravam-se ligadas às próprias características de um país: robustez alemã, design italiano, raça espanhola, criatividade japonesa, saber francês, discrição britânica.

O apelo a uma lógica nacional traduzia-se até numa diferenciação em cores: o vermelho italiano encantava as pistas, o prateado alemão triunfava em Le Mans, o verde britânico lutava pelos primeiros lugares a par do azul francês, os americanos optavam por um clássico branco listado de azul.

Uma matriz lentamente baralhada pela crescente abertura dos mercados internacionais e o inevitável esgotamento da lógica que presidiu ao nascimento dos grandes construtores: servir o espaço interno. A urgência de uma nova abordagem ao consumidor, menos marcante, mais versátil, elástica e abrangente passou a moldar a estratégia dos fabricantes.

Uma tendência reforçada pela utilização comum dos grandes ateliês de estilistas, senhores de um papel preponderante na crescente dissociação entre “imagem de marca” e marca, até porque o perfil do consumidor mudou.

Aos poucos, caiu a ideia de uma fidelidade até ao fim da vida, um voto destruído com a emergência do binómio “qualidade ao mais baixo preço”, condição nem sempre fácil de satisfazer.

Paulatinamente, parcerias e fusões entre marcas historicamente rivais foram redesenhando a geografia da indústria automóvel, um panorama alimentado pela crescente liberalização dos mercados e explosão das comunicações.

No fundo, um trajecto em tudo idêntico ao sofrido pelos restantes sectores da economia mundial, da banca aos seguros, da informática à distribuição, dos media… ao automóvel.

 

“Dança de elefantes”

O movimento, que nos últimos anos ganhou notável frenesim, começou, contudo, bem mais cedo. A moda das fusões e aquisições no reino automóvel arrancou na década de 80, altura em que o grupo alemão Volkswagen passou a controlar a Audi, a espanhola Seat e avançou mais tarde, em 1991, rumo ao Leste, com a conquista da checa Skoda.

Uma estratégia três anos depois seguida pela BMW que num “crime de lesa-pátria”, gritaram então do outro lado da Mancha as vozes mais conservadoras, comprou 80 por cento da britânica Rover – um negócio espinhoso, rodeado de contratempos e prejuízos para os homens de Munique, e que acabou recentemente com a venda da Land Rover à Ford e da Rover e MG a um consórcio inglês — e associou-se posteriormente à Rolls-Royce para produzir uma nova geração de Rolls e Bentley.

Do outro lado do Atlântico, também a Ford não ficou parada e adquiriu em 1996 um terço do capital e consequentemente o controlo da nipónica Mazda. A Ford começava assim a preparar o assalto ao mercado asiático acompanhada pela General Motors, detentora de quase metade da Isuzu e 10% da Suzuki.

Os dados estavam lançados e ganharam um novo élan quando em 1998, naquela que muitos consideraram a fusão do século, a americana Chrysler passou para o controlo da Daimler-Benz, dando origem a um super consórcio germano-americano.

A necessidade de responder a este posicionamento estratégico rival obrigou a Renault a vir a jogo. Um ano mais tarde, a marca francesa avançou para uma associação com os japoneses da Nissan. Enganou-se quem na altura pensou que o puzzle pudesse estar completo.

O ano 2000 conheceu uma nova cruzada na onda de fusões e aquisições. Frenética, à escala mundial e envolvendo somas astronómicas. Os americanos da General Motors, o maior fabricante mundial, adquiriram 20% da Fiat Auto — o grupo italiano que controla a Fiat, a Lancia, a Alfa Romeo, a Maseratti e a mítica Ferrari —  em troca da cedência de 5,1% das suas acções ao gigante de Turim, num negócio que rondou os 500 milhões de contos e deixou em aberto a possibilidade da compra total da plataforma transalpina até 2005.

Nesta dança de gigantes, a Daimler–Chrysler voltou a ser notícia ao adquirir uma participação de controlo na Mitsubishi, no valor de 2 mil milhões de dólares, e consumou ainda a compra de 10% da sul-coreana Hyundai, dois importantes corredores na estratégia de alargamento de influência ao mercado asiático.

A golpes de menor mediatismo financeiro também a Renault e a Volvo, depois de um namoro falhado com alguns anos, deram finalmente nó. O construtor francês cedeu a divisão de pesados e em troca recebeu 15% das acções da empresa sueca.

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Afinal, as mesmas razões de sempre

A adesão da indústria construtora aos modelos de concentração aparece como uma consequência natural das regras e princípios emergentes do actual quadro de globalização, matriz que inexoravelmente tem impulsionado as grandes fusões e aquisições nos mais diferentes ramos da vida económica e à qual o sector automóvel acabou por não escapar.

O objectivo é ainda e sempre o mesmo: ganhar peso e dimensão — massa crítica — reforçando o volume de vendas das empresas, num mercado cada vez mais disputado. Um léxico abrangente que inclui redução de custos, aumento da competitividade, abertura de mercados até então de difícil exposição ou acesso e claro, palavra chave em todo este processo, o exponenciar de sinergias, através de uma troca de tecnologias e know-how entre os gigantes da indústria automóvel.

Num outro plano, as recentes fusões e aquisições representam, na maioria das vezes, uma luz ao fundo do túnel para os fabricantes de média dimensão. A aliança estratégica com um parceiro poderoso afigura-se como a mais rápida e sólida solução para os graves problemas financeiros no sector. Mais, a ligação aos grandes grupos coloca - os numa posição privilegiada para aceder a determinados mercados e uma elasticidade de investimentos de que anteriormente não dispunham.

Fusões e aquisições permitem igualmente às grandes marcas posicionarem-se estrategicamente face a certos mercados e opções, procurando retirar espaço à concorrência. Senão vejamos: quando a GM adquiriu a Opel e a Saab, consolidando a sua posição no mercado europeu, o avanço foi de imediato seguido pela rival americana Ford que decidiu comprar uma participação na Volvo e na Scania.

De igual modo, a fusão da Daimler-Chrysler com a Mitsubishi permitiu ao consórcio germano-americano entrar no difícil mercado asiático, onde já pontificavam os rivais  Renault, via Nissan, Ford e GM.

Uma união entre dois construtores, atente-se o caso mais recente da GM e da Fiat, apresenta como vantagens imediatas a redução de custos na concepção, construção e distribuição de novos modelos através de uma partilha de bases de construção dos modelos, gama de motores, caixas de velocidades, diferentes órgãos mecânicos e até uma gestão comercial conjunta. Ao fim e ao cabo, uma aposta num menor preço final ao consumidor, um factor cada vez mais determinante na venda do produto.

Não por acaso, na altura do anúncio da fusão, responsáveis da Fiat e GM declararam que a aliança iria permitir no espaço de apenas dois anos uma redução de custos na ordem dos 247 milhões de contos.

A aliança italo-americana abrange ainda a criação de uma plataforma comum para a produção dos pequenos veículos particulares destinados ao mercado europeu e da América Latina, caso do Opel Corsa ou Agila da GM, e Punto, Palio e Seicento da Fiat.

Sinergias avaliadas anualmente em 1,2 mil milhões de dólares, a partir do terceiro ano, e que sobem para 2 mil milhões após cinco anos, fruto da partilha de um outro trunfo: o comércio electrónico.

A Fiat Auto e a Adam Opel AG, a subsidiária da GM na Europa deverão explorar o emergente mercado de vendas on line. O negócio permite ainda à Fiat Auto ter acesso ao mercado americano, um aspecto primordial, principalmente para a Lancia e Alfa Romeo.

No fundo, uma mesma estratégia que levou no ano passado a Daimler-Chrysler a adquirir uma participação de controlo na Mitsubishi. Um passo que a Mercedes espera decisivo para ver aberta a porta no mercado asiático, encarando-se como muito forte a hipótese de produzir modelos da marca no Japão.

Para além disso, conseguirá acesso à experiência da Mitsubishi na produção de viaturas num segmento mais baixo do que aquele em que habitualmente a marca alemã trabalha. Nos próximos anos, o gigante germano-americano quer ver aumentar a sua quota de venda no mercado asiático dos actuais 3 para os 25%, um salto superior a oito vezes.

A busca de novos mercados estende-se também à China, de longe o maior do mundo, e Rússia, dois destinos considerados como muito risonhos para os próximos anos e que serão certamente palco de agressivas movimentações por parte dos grandes construtores.

A Toyota foi a primeira a dar o exemplo, ao receber autorização do governo de Pequim para avançar com uma joint venture com a Tianji Auto, num negócio que rondou os 200 milhões de contos. Nos próximos dez anos o objectivo do gigante nipónico é vender 50 milhões de unidades no promissor mercado chinês, até agora muito fechado às “modas” ocidentais. Uma acção em tudo idêntica à que o Grupo Fiat desencadeou na Rússia. O construtor de Turim, em conjunto com a russa Gaz, vai produzir 75 mil veículos por ano e criar a primeira viatura Fiat made in Rússia, destinada à classe média.

 

Poucos, mas gigantes

Em todo este processo, um outro ponto assume particular importância: a dimensão social das fusões. A tão propalada redução de custos, leit-motiv de qualquer bom negócio de aquisição, representa muito mais que um simples valor abstracto: sobreposição de funções e departamentos — financeiro, marketing, vendas, etc. — estimulam o emagrecimento e a reestruturação interna das organizações, com a respectiva redução de postos de trabalho e optimização de recursos. Um “trauma” ao qual se junta um inevitável choque de culturas entre as empresas, antes rivais, agora parceiras, cujo alcance e mazelas acaba por ter muita influência no sucesso da nova aliança.

Certo, para já, é que a moda das fusões e aquisições veio para ficar e poucos vislumbram uma regressão na tendência, até porque os ditames económicos que a lançaram tornaram-se ainda mais agudos. Dos cerca de 40 construtores existentes, os especialistas acreditam que apenas um quarto obtenha lucro, pelo que a concentração das marcas é, cada vez mais, uma solução de sobrevivência perante a globalização dos mercados, menos segmentados, e o advento do comércio electrónico, capaz de tornar ainda mais feroz a concorrência no sector automóvel.

GM, Ford e Daimler-Chrysler são os actuais líderes do ranking de construtores. O futuro dirá se continuarão a deter o monopólio da indústria automóvel, numa altura em que já restam poucos “solitários”: apenas a Toyota e a Honda continuam “orgulhosamente sós”, num finca-pé que encontra semelhanças na Europa com Grupo PSA, detentora da Peugeot-Citroën.

Um panorama mundial cujo perfil vem ao encontro das palavras proféticas, já com alguns anos, do então presidente da Ford, Alex Trottman: “Em pouco mais de uma década o número de construtores independentes ficará reduzido a quatro grandes construtores”. Na altura, poucos o levaram a sério.

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* Pedro Pinto

Licenciado em Relações Internacionais pela UAL. Mestre em Desenvolvimento e Cooperação Internacional pelo ISEG. Jornalista da TVI.

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