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Evolução do ensino profissionalizante: alguns contributos

Augusto Pascoal *

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De certo modo, pode afirmar-se que a formação profissionalizante acompanhou os momentos mais significativos da evolução da humanidade, contribuiu de forma marcante para a renovação dos sistemas educativos e para um relacionamento mais estreito entre as Escolas, as empresas e as comunidades envolventes.

No início da organização da Escola, há cerca de 4500 anos, os percursos educativos orientaram-se também segundo testemunhos disponíveis, para a formação de secretárias, de escribas, de contabilistas, de arquivistas e de guarda-livros, por serem esses os desempenhos que então exigiam mais elevada qualificação. Em Portugal os primeiros sinais, neste domínio, surgiram a partir da revolução de 1385 e estão relacionados com o desenvolvimento da construção naval, no início do período da nossa expansão marítima. Três séculos mais tarde e já no declínio da expansão, surgiram as chamadas reformas pombalinas, com grande incidência no campo da educação e do ensino.

Durante a Primeira República verificaram-se avanços significativos no plano educativo. A escolaridade obrigatória foi alargada para 6 anos, sendo notória a aposta do regime na educação e no ensino, tanto a nível programático como estrutural. O Ensino Industrial e Comercial prosseguiu o seu desenvolvimento, sendo de registar que no ano lectivo 1926/27 existiam 52 estabelecimentos de ensino que lhe davam expressão. Quanto ao ensino agrícola, regista-se ainda hoje a baixa procura que sempre o caracterizou.

Em 1926/27 foi criada a Escola Técnica Secundária de Agricultura e em 1930 surgiu a Escola de Veterinária e cerca de vinte anos mais tarde, o Instituto de Agronomia e de Veterinária.

O Ensino Técnico, cujo Estatuto foi promulgado, no princípio da década de 30, foi sendo desvalorizado socialmente, surgindo, aos poucos, como uma espécie de ensino menor e de segunda oportunidade. Esvaziado de componentes importantes, o Ensino Técnico garantia, sobretudo, a formação de jovens quadros para o desempenho de funções em empresas comerciais e industriais.

Em 1959 reuniu, no final do primeiro trimestre, o 1º Congresso do Ensino Técnico Profissional. Abafado pela repressão salazarista, este Congresso pouco adiantou de inovador, limitando-se a confirmar a oportunidade de uma formação escolar mais dirigida para o mercado de trabalho. Esta intenção esteve quase sempre presente no plano das decisões políticas, que procuraram interpretar as exigências de especialização manifestadas sobretudo no período pós-Segunda Revolução Industrial.

Neste âmbito, as escolas comerciais e industriais deram respostas incompletas e imperfeitas às necessidades então sentidas, sendo no entanto de salientar a elevada qualidade da formação técnica conseguida em muitas delas que, por esse motivo, se distinguiram e ainda se afirmam.

Os diplomados com os cursos das chamadas escolas técnicas possuíam em Português, Línguas Estrangeiras e História uma formação de nível inferior à dos seus colegas dos liceus, mas detinham conhecimentos específicos que eram passaportes seguros para um primeiro emprego. Este desnível poderia ter sido corrigido, reduzindo um pouco a exagerada carga horária das áreas oficinais e de atelier, abrindo assim espaço na componente lectiva para a introdução de outros conteúdos, para que desse modo se aproximassem e nivelassem as formações técnica e liceal. O acesso ao ensino superior fazia-se de modo distinto. Após a conclusão do 5º ano dos liceus ou dos cursos técnicos (não equivalentes na altura, mas hoje equiparados ao 9º ano de escolaridade), os primeiros faziam o 6º e o 7º anos e candidatavam-se aos cursos superiores que desejassem, enquanto os segundos teriam de fazer as secções preparatórias para os institutos industriais e comerciais, candidatar-se a estas escolas de nível médio e concluir com aproveitamento os dois primeiros anos dos respectivos planos de curso acrescidos de uma ou duas disciplinas, também exigidas para equivalência ao 7º ano do liceu.

Depois de tudo isto, os alunos oriundos das escolas industriais podiam seguir apenas engenharia e os das escolas comerciais economia ou contabilidade. Apesar dos múltiplos obstáculos, alguns conseguiram obter formação superior.

 

A licealização do ensino unificado

As marcas negativas deixadas pela ideia da discriminação social entre os alunos das escolas técnicas e dos liceus foram correctamente interpretadas por Veiga Simão, que, durante a “Primavera marcelista”, esboçou o que poderia ter sido uma reforma educativa, delineada pela Lei nº 5/73, de 25 de Julho.

Os 3º, 4º e 5º anos experimentais que se concretizaram já depois de 1974, enriquecidos pelas importantes transformações sociais que decorreram da Revolução de Abril, provaram que algo de novo era possível e urgente que acontecesse no sistema educativo português. Todavia e mais uma vez o peso do passado foi mais forte e as transformações esperadas deram lugar à licealização do sistema escolar entre o 5º e o 9º anos de escolaridade, com incidência mais profunda nos 7º, 8º e 9º anos, então designados por ensino unificado.

O desaparecimento das componentes de formação técnica contrastava objectivamente com as necessidades do mercado de trabalho, obrigado a receber pessoas com uma formação que os transformava em trabalhadores indiferenciados, aos quais as empresas teriam de dar toda a formação específica. Como também a maioria delas não estava vocacionada para a formação, eram os mais experientes que passavam os seus conhecimentos, grande parte das vezes mecanicamente e à margem da evolução científica e tecnológica.

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A par, avolumavam-se os graves problemas decorrentes da falta de formação, que ainda persistem entre os trabalhadores, muitos deles analfabetos ou quase.

Partindo da avaliação do funcionamento das escolas, a Assembleia da República tomou um conjunto de iniciativas, tendo por objectivo preparar os percursos necessários à aprovação de uma Lei Quadro para o Sistema Educativo, que integrasse os normativos orientadores do que deveria ser a Educação em Portugal no final do século XX e no primeiro quartel do século XXI.

Os debates que decorreram na Comissão de Educação e no Plenário da Assembleia foram extremamente ricos e mobilizaram a atenção e a participação dos diversos segmentos da comunidade educativa.

A Lei de Bases do Sistema Educativo – LBSE (Lei nº 46/86, de 14 de Outubro) aprovada com os votos favoráveis dos Deputados do PS, do PCP e do PSD, os votos contra CDS e a abstenção do MDP/CDE, passou a ser a referência para a reorientação da política educativa, tendo como um dos seus pilares a preparação dos jovens para a inovação permanente, para a vida activa e para o exercício pleno da cidadania.

 

Escolas profissionais — presente e futuro

Interpretando a LBSE, as Escolas Profissionais (EP) vieram preencher um espaço nunca antes ocupado.

Constituídas ao abrigo do Decreto-Lei 26/89, de 21/1, substituído pelo Decreto-Lei 70/93, de 10/3, as EP resultaram de candidaturas a concursos anuais e surgiram através da assinatura de contratos-programa celebrados entre o Ministério da Educação e entidades privadas – empresas, organizações sindicais, autarquias, associações regionais ou locais, entre outras.

Fazendo uso da autonomia pedagógica, administrativa / financeira e de uma estrutura funcional mais flexível, as EP promovem a abertura dos cursos em articulação com as empresas dos sectores onde se inserem. É na construção dos seus planos de curso que começa a diferença entre estas Escolas e as restantes do Ensino Secundário, porque elas resultam de estudos que determinam as necessidades de formação mais sentidas, perspectivam os índices de empregabilidade, com base nos indicadores que marcam o desenvolvimento regional e a sua inserção no plano nacional e procuram ir ao encontro das aspirações dos jovens, oferecendo-lhes oportunidades de formação diversificadas, simultaneamente dirigidas e de espectro abrangente, para os ramos de actividade existentes nas regiões.

Os planos curriculares dos cursos profissionais, com áreas de formação sociocultural, científica e técnica, tecnológica e prática, desenvolvem-se ao longo de três anos lectivos (quatro, nos cursos em regime pós-laboral) e têm uma carga horária não inferior a 3600 horas de formação, metade das quais se distribuem pelas disciplinas e pelos estágios nas empresas, que integram a terceira área de formação referida. No último ano do curso, os alunos preparam uma Prova de Aptidão Profissional [PAP]. Este projecto individual de trabalho é apresentado e defendido perante um júri, que integra representantes da Escola, das empresas e das organizações sindicais do sector de actividade da região.

Os programas são organizados em módulos, entendidos como unidades de aprendizagem autónomas, integradas num todo coerente. A estrutura modular facilita a superação de dificuldades na consecução dos objectivos de formação. Ela permite transferir para os alunos a capacidade de gerirem as suas próprias aprendizagens, através da negociação com o professor, quando a conclusão do(s) módulo(s) aconselhe soluções diferenciadas. Na gestão modular dos conteúdos, a avaliação diagnóstica e a avaliação formativa são essenciais ao estabelecimento dos percursos educativos mais recomendáveis.

Por outro lado, e utilizando as possibilidades já referidas, as EP têm liberdade para gerir a estrutura curricular da Componente Técnica e Tecnológica em ordem ao perfil que melhor responda às necessidades de formação que a evolução científica e técnica determinem.

Assumindo a singularidade dos seus Projectos Educativos, construídos com a cumplicidade dos diversos intervenientes, as EP respondem com qualidade às necessidades de formação mais sentidas, preparam os jovens para a vida activa e para o prosseguimento de estudos (os cursos de nível III são equivalentes ao 12º ano de escolaridade), proporcionando-lhes uma formação mais abrangente para o exercício da cidadania.

O recurso às EP em regime pós-laboral por parte de muitos trabalhadores pode ser, em certos casos, o único meio para evitar o desemprego ou a reforma precoce. A polivalência funcional, hoje cada vez mais exigida, obriga ao regresso à Escola, sendo os Cursos Profissionais e a formação ao longo da vida os que melhor capacitam para novos e mais qualificados desempenhos e para o prosseguimento de estudos superiores, que viabilizem mais aliciantes percursos, ao nível do progresso das carreiras profissionais.

O futuro das Escolas Profissionais está seguramente relacionado com a qualidade do trabalho que realizam, com o grau de empregabilidade conseguido pelos seus diplomados e o respectivo entrosamento com o meio. A realidade sugere que se faça uma apreciação criteriosa deste subsistema, no sentido da sua melhoria e da optimização dos recursos disponíveis, dotando-o dos meios necessários ao seu pleno desenvolvimento. Neste contexto e atendendo ao quadro legal existente, às características das EP e à autonomia de que gozam, elas podem vir a desempenhar, a curto prazo, um papel ainda mais activo na formação ao longo da vida, em articulação com as empresas e as regiões, propiciador da actualização permanente e de uma formação prospectiva.

O século XXI exige que a população trabalhadora passe cada vez mais da fase produtiva à criativa. A Escola e em particular as EP podem ter um papel relevante, marcadamente orientado para o despertar de capacidades adormecidas, do espírito criativo e do sentido crítico, indispensáveis à modernização dos sistemas produtivos, à melhoria do bem-estar social e exercício pleno da cidadania.

A evolução tecnológica e a necessária adequação dinâmica dos perfis profissionais de nível III de qualificação, a flutuação da tipificação do emprego e a sua internacionalização, a criação de novas pequenas e médias empresas e do auto-emprego justificam francas expectativas de afirmação das EP, sustentadas no trabalho que já realizaram e nas possibilidades de intervenção acrescida que neste momento a legislação em Portugal lhes faculta (formação contínua de curta duração e Cursos de Especialização, por exemplo).

Porque provavelmente as EP são o sal do nosso Sistema Educativo no Ensino Secundário e uma das suas melhores emanações, deverá agora evoluir-se para o estabelecimento de parcerias que reforcem os seus Projectos Educativos e que cooperem com o Estado no encontro de soluções que as viabilizem para além dos Quadros Comunitários de Apoio.

Não é seguramente por acaso que o Governo do Japão (uma das mais velhas monarquias do mundo e das mais jovens potências tecnológicas) financia em 75% a formação profissional e neste âmbito o ensino profissionalizante.

Assim o Estado Português, as empresas, os diversos intervenientes saibam corresponder ao que delas se espera neste domínio.

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* Augusto Pascoal

Director Pedagógico do INETESE – Instituto de Educação Técnica de Seguros.

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