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Onde estou: | Janus 2002 > Índice de artigos > As novas relações de Timor Leste > [A questão da língua em Timor Leste – facto ou fantasia?] | |||
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ESTE ARTIGO CONTÉM DADOS ADICIONAIS CLIQUE AQUI! Haverá, de facto, uma “questão da língua” no território? Especializado, ao longo de muitos anos, no estudo do tétum e das suas irmãs vernaculares, creio que o “problema” dos idiomas em Timor Leste é mais uma fantasia de observadores estrangeiros e de comentadores mal informados do que uma preocupação forte das populações locais. A persistente discussão, nos media ocidentais, da “questão da língua” na nova nação, revela sobretudo a arrogância do Primeiro Mundo — especialmente desde que o Conselho Nacional da Resistência Timorense (CNRT) divulgou, em Agosto de 2000, qual seria a política da língua do novo Estado: o português será a língua oficial, o tétum a língua nacional e nem o indonésio nem o inglês terão estatuto oficial, apesar de o estudo e uso quer de uma, quer de outra, dever ser implementado por razões pragmáticas. Esta política da língua deve ser reafirmada quando o Congresso Nacional se reunir em finais de 2001, para preparar a Constituição do novo Estado. A decisão de relançar o português e de elevar o tétum como seu parceiro na vida pública nacional foi aplaudida por todos quantos, em Timor Leste e fora do território, reconhecem a centralidade da língua portuguesa na cultura local e os progressos indesmentíveis do tétum nos últimos anos, não só como medium literário moderno, mas também como língua franca que une todos os timorenses orientais — lusófonos, semilusófonos e igualmente não-lusófonos, reforçando a sua identidade comum. Percebe-se que esta política, que põe o carácter único e a dignidade da cultura de Timor Leste acima de considerações geopolíticas pragmáticas, tenha sido criticada por boa parte da opinião, quer na Indonésia, quer na Austrália — vizinhos fracamente preparados, pela sua própria história e cultura, para aceitarem a verdadeira natureza, complexa mas fortemente unitária, da sociedade do pequeno território. A mesma atitude negativa, que se exprime, ora através de declarada hostilidade, ora de aparente indiferença, também caracteriza boa parte dos burocratas das Nações Unidas em Timor Leste, estrangeiros que usam e promovem o inglês como “língua natural” do mundo moderno. O problema linguístico real de Timor Leste não é a sua poliglossia nem a política do CNRT, mas sim a controvérsia gerada por não-timorenses que, por nada ou quase nada saberem sobre a importância das línguas autóctones, questionam o direito das populações a gerir a sua própria cultura nacional, sem entenderem que foi precisamente a forte identidade cultural o motor da épica luta contra a ocupação indonésia. Só a ingenuidade ou a ignorância sobre a natureza humana pode levar a crer que as populações de Timor Leste querem, subitamente, renegar os próprios valores que inspiraram a sua resistência — e, entre eles, as tradições linguísticas nacionais. É uma controvérsia contraprodutiva e claramente neocolonialista, que ignora as especificidades civilizacionais do território: infelizmente, a maior parte da “informação” mediática sobre Timor Leste pouco mais é, hoje, do que o conjunto das opiniões e reflexões superficiais de quem exprime um (geralmente muito recente) interesse pelo território, ignorando factos e preferindo-lhes argumentos de uma subjectividade transparente.
Um ecossistema linguístico ameaçado É desejável que a Constituição de Timor Leste reconheça a poliglossia da população como uma das riquezas nacionais. Numa terra de poliglotas naturais existem excelentes oportunidades para o emprego, especialmente na área do ecoturismo, onde o conhecimento do francês, do italiano e do espanhol (línguas fáceis de aprender com base no português), bem como a fluência nas duas línguas supra-regionais, o indonésio e o inglês, serão extremamente vantajosas. Igualmente importante é que se preveja legislação apropriada à defesa do português e do tétum na vida pública, restringindo o uso do inglês, sobretudo nas actividades comerciais e nos mass media. A tradução obrigatória, para português e para tétum, dos documentos comerciais, publicitários, etc., ajudará a defesa da política nacional da língua, e só tais medidas inculcarão nos estrangeiros o respeito pela nova nação — que se mostra capaz de dar força de lei ao seu orgulho cultural. Propostas para o sistema nacional de educação em Timor Leste têm sido muito sensíveis às questões da ecologia linguística, enfatizando a necessidade de equilibrar uma política afirmativa da identidade cultural própria e o ensino de línguas que são importantes na região. Eu próprio propus, em Agosto de 2000, uma política de parceria do português e do tétum para o ensino primário, a seguir a um ano introdutório em que o ensino se faça na língua materna da criança. Nas escolas primárias seriam abolidos os textos de estudo de inglês e indonésio, línguas que seriam ensinadas, dada a sua importância regional, como línguas estrangeiras no ensino secundário. O português manter-se-ia como medium principal da aprendizagem no ensino secundário, mas também o estudo do tétum seria mantido até ao fim da escolaridade. Na Universidade Nacional de Timor Lorosa’e, as línguas de ensino seriam o português e o inglês, enquanto o Instituto Nacional de Línguas promoveria o estudo do tétum e de outros idiomas locais. Antes de Portugal ter aberto caminho à assunção da metade oriental da ilha como nação, a região era um mosaico de pequenos, mas numerosos, grupos étnicos, que falavam línguas diferentes e frequentemente se guerreavam entre si. É um facto paradoxal que a unidade de Timor Leste assente, por um lado na defesa dos particularismos locais, e por outro em instituições comuns como o tétum e a língua portuguesa. Se as populações timorenses aceitaram o papel de Portugal na ilha foi porque os portugueses interferiram minimamente nos seus tradicionais modos de vida. Um futuro governo nacional que mostre o máximo de respeito pelas línguas e tradições locais, protegendo o seu uso e desenvolvimento, manterá as populações estreitamente unidas por um sentimento de igualdade cultural. No entanto, o futuro de Timor Leste como Estado poliglota está em perigo enquanto se mantiver a actual falta de meios para a promoção e o ensino do tétum e das outras línguas autóctones. A criação de dicionários, gramáticas, antologias e abecedários para o primeiro ano de escolaridade é uma tarefa enorme, para uma nação que só agora começa a aprender a ler e escrever o tétum numa ortografia estandardizada. Linguistas estrangeiros podem ajudar os timorenses nesta tarefa; mas, sem fundos adequados para o pagamento de salários e a impressão de livros, por exemplo, pouco será feito, do muito que é urgente fazer. Se as instituições de ajuda internacional não satisfizerem generosamente estas necessidades, então sim, uma questão linguística surgirá em Timor Leste, porque a cultura nacional será submersa por línguas estrangeiras que reinarão sobre os idiomas autóctones num novo colonialismo. Portugal tem, nesta matéria, uma importante palavra a dizer às instituições internacionais, estimulando-as a participar na redignificação da pequena nação irmã do Pacífico.
Informação complementar Génese dos quinze idiomas locais A talassofobia timorense enraíza-se em parte na cultura dos aborígenes da ilha, mas é também uma reacção a séculos de invasões oriundas de outras ilhas. Antes da chegada dos portugueses, a mais grave série de invasões ocorreu entre os séculos XI e XIII: Timor foi colonizada, primeiro pelas ilhas Tukang Besi, por Buton e Muna e pelas Celebes do sudeste, e depois por Amboína e seus vizinhos. A primeira invasão foi a mais importante e terá introduzido a língua austronésia em Timor. Os invasores vindos das Celebes trouxeram uma variante desta, o antigo butonês. Pesquisas recentes mostraram que, por volta do ano 1000, Timor fazia parte da região linguística papua, onde se falava uma dúzia de línguas. As quatro deste grupo que hoje sobrevivem (fataluco, macalero, macassai e búnaque) descenderão de uma ou mais das que se falavam na península Bomberai do noroeste da Papua. Migrações significativas, ao longo do arco de pequenas ilhas entre Timor e a costa da Nova Guiné, são conhecidas desde 2000 a.C.. As línguas antigas que não sobreviveram deixaram traços nas vernaculares modernas. As invasões mais recentes puseram Timor na órbita do vasto mundo austronésio, que se estendia desde a Formosa (a Norte), a Madagascar (a Oeste), e à Ilha da Páscoa (a Leste), e onde se falavam línguas como o malaio, o javanês, o tagalog, bem como os idiomas da Polinésia e das Fiji. Implantado o antigo butonês, tornou-se na língua de onde saíram onze das actuais quinze línguas de Timor Leste: tétum, hábum, kawaimina, ataurense, galóli, idalaka, mambae, tocodede, quémaque, baiqueno e lovaia. Os celebeanos miscigenaram-se com as diversas tribos da ilha, geralmente impondo a sua língua, e o antigo butonês sofreu uma rápida fragmentação devido ao isolamento das tribos e à mistura com as línguas aborígenes. A influência tardia de duas importantes línguas comerciais, o antigo ambonês e o malaio, aceleraram o desenvolvimento das novas línguas híbridas descendentes do antigo butonês. Quando os portugueses chegaram a Timor, a língua vernacular dominante no centro e no leste da ilha era o tétum, o idioma do reino de Wehali, largamente usado como segunda língua. Até 1769, data em que o governador português se mudou de Lifau (hoje no enclave de Oecusse-Ambeno) para Díli, a maioria das instalações portuguesas ficavam na parte ocidental da ilha, onde o idioma predominante era o dawan (também austronésico). Foi a chegada dos holandeses que empurrou a colónia portuguesa para Leste.* Geoffrey Hull Professor no Instituto Nacional de Línguas da Universidade Nacional de Timor Lorosae Dados adicionais Gráficos / Tabelas / Imagens / Infografia / Mapas (clique nos links disponíveis)
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