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A administração transitória das Nações Unidas em Timor Leste

Nuno Filipe Brito *

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Em bom rigor, a gestação da UNTAET (United Nations Transitional Administrationin East Timor) iniciou-se na tarde do dia 5 de Maio de 1999, na sede da Organizaçãodas Nações Unidas, em Nova Iorque. Nessa data, os Ministros dos Negócios Estrangeirosde Portugal (Jaime Gama) e da Indonésia (Ali Alatas), tendo o Secretário-Geraldas Nações Unidas (Kofi Annan) como “testemunha”, assinaram uma série de acordoscom um objectivo central: determinar se o povo timorense aceitaria ou rejeitariauma “autonomia especial” proposta pela República Unitária da Indonésia.

Para esse efeito, foi o Secretário-Geral mandatado para organizar e conduzir uma “consulta popular” com base num sufrágio directo, secreto e universal. O que implicou o estabelecimento da Missão das Nações Unidas em Timor Leste (UNAMET).

Mas os acordos iam mais longe quanto aos cenários de envolvimento das Nações Unidas no Território Não-Autónomo de Timor Leste. Com efeito, o Artigo 6º do acordo principal determinava textualmente, caso o povo timorense rejeitasse a proposta indonésia de autonomia, o seguinte: “(…) os Governos da Indonésia e de Portugal e o Secretário-Geral deverão acordar em arranjos para uma transferência pacífica e ordeira de autoridade em Timor Leste para as Nações Unidas”. Caberia, então, a Kofi Annan iniciar o processo de transição de Timor Leste para a independência.

O envolvimento das Nações Unidas em todos os aspectos da questão timorense, um dos elementos chave da estratégia negocial adoptada por Portugal desde muito cedo, ficava assim salvaguardado.

 

Desenvolvimento da UNTAET

Os acontecimentos dramáticos que se seguiram ao referendo de 30 de Agosto de 1999 inviabilizaram a aplicação plena dos acordos de Nova Iorque. A destruição sistemática de Timor Leste levou o Conselho de Segurança a autorizar a constituição de uma força multinacional (a INTERFET) com o objectivo limitado de parar a violência e estabilizar a situação no território. Mas a 28 de Setembro, Portugal e a Indonésia reiteraram, numa nova reunião em Nova Iorque, a validade dos acordos de 5 de Maio e o papel atribuído às Nações Unidas de gestão do processo de transição para a independência.

A resolução 1272 (1999) do Conselho de Segurança, de 25 de Outubro, estabelece a UNTAET, concluindo-se, em 31 do mesmo mês, o processo de retirada do território das tropas indonésias. Sérgio Vieira de Melo, o Administrador Transitório de Timor Leste e Representante Especial do Secretário-Geral, é nomeado em 17 de Novembro.

O Conselho de Segurança definiu com precisão a missão da UNTAET: caber-lhe-á a responsabilidade global (“overall responsibility”) pela administração no Território e, como tal, exercerá “toda a autoridade legislativa e executiva, incluindo a administração da justiça” (1). Em suma, a UNTAET passaria a ser o governo, o parlamento e o sistema judicial de Timor Leste.

Essa concentração de poderes era intencional e inevitável. Circunstâncias excepcionais requeriam uma resposta excepcional da comunidade internacional. A destruição e o saque de Timor Leste aconselhavam a tomada de medidas sem precedente na história das operações de paz das Nações Unidas. Em termos práticos, foi pela primeira vez atribuída na íntegra à ONU a tarefa de administração de um país ou território.

 

Os instrumentos da UNTAET

Dois elementos deverão ser retidos no contexto descrito:

• A UNTAET foi criada com base no Capítulo VII da Carta das Nações Unidas, que rege as acções que poderão ser empreendidas em resposta a actos de agressão ou de ameaça à paz e à segurança internacionais;

• O Conselho de Segurança atribuiu à UNTAET poderes para, citamos, “tomar todas as medidas necessários à realização do seu mandato” (2).

Em termos operacionais, a UNTAET poderá ser vista como um tríptico, assente nos seguintes elementos:

• Pilar militar – com um efectivo máximo de 8.950 tropas e 200 observadores militares (estes números nunca foram atingidos);

• Pilar civil – inclui as componentes de administração pública e governo (actualmente com cerca de 1.200 elementos internacionais, embora os números sejam flutuantes) e uma componente policial internacional com um máximo de 1.640 elementos;

• Pilar de assistência humanitária e reabilitação.

Uma leitura do organigrama anexo demonstra bem até que ponto as Nações Unidas funcionam em Timor Leste como o governo do território.

 

Timorização

Todavia, seria apressado concluir-se que o Conselho de Segurança passou às Nações Unidas um cheque em branco para administrar o território. Nada estaria mais longe da realidade, visto que o objectivo último da actuação da UNTAET, tal como definido pelos acordos de Nova Iorque e pelo Conselho de Segurança, é assegurar o processo de transição para a independência de Timor Leste.

Caberá também recordar que aquele processo de transição decorre de um acto de vontade do povo timorense e que, durante as negociações dos acordos de Nova Iorque, Portugal manteve sempre um contacto estreito com a resistência timorense.

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A própria resolução que criou a UNTAET contém disposições legais, pelas quais Portugal se bateu com firmeza, relativas à participação dos timorenses nas várias fases do processo de transição. Assim, o Conselho de Segurança instruiu a UNTAET no sentido de:

• “Consultar e cooperar estreitamente com o povo timorense” (artigo 8º da resolução 1272) na execução do seu mandato e com vista ao “desenvolvimento de instituições democráticas locais” (idem) e “à transferência para essas instituições das funções administrativas e de serviço público” (ibidem);

• Apoiar a criação de capacidade institucional (“capacity building”) que permita aos timorenses constituírem um governo próprio.

Obviamente, a tradução prática de manifestações de boas intenções é sempre difícil; e mais difícil se tornou no caso concreto, pela natural expectativa dos timorenses em se autogovernarem, após cerca de duas décadas e meia de ocupação estrangeira ilegal. Mas terá que se reconhecer que as Nações Unidas têm efectuado um esforço real e criativo para tentarem cumprir o seu mandato.

A presença de vários timorenses no governo do território e a participação nele de dirigentes proeminentes do período de resistência, aliada ao papel desempenhado pelo Conselho Nacional, são elementos que ilustram o esforço levado a cabo pelas Nações Unidas no domínio em apreço.

De salientar também no quadro descrito o recrutamento de mais de nove mil timorenses para a administração pública, 23% dos quais são mulheres (a UNTAET espera atingir o patamar de 30%). Mais significativa será talvez, a constatação de que são timorenses os administradores dos treze distritos em que o território se encontra dividido.

Outro bom exemplo é-nos dado pelo processo de criação da Força de Defesa de Timor Leste (FDTL), em que Portugal se empenhou desde o primeiro minuto. A UNTAET não é directamente responsável por tal processo, por não caber no seu mandato nem nas atribuições normais de uma operação de paz, mas conseguiu arranjar um expediente prático para o viabilizar e assegurar a sua coordenação global.

O mesmo poderia ser dito quanto à formação de uma polícia timorense, havendo já cerca de oito centenas de elementos formados pela UNTAET. Vários formadores portugueses participaram neste processo.

Poderia a UNTAET ter feito mais em matéria de timorização? Certamente que sim. Mas será bom ter-se presente o ponto de partida da sua actuação há menos de dois anos e o facto de em Timor Leste não abundarem, por razões bem conhecidas, os recursos humanos qualificados necessários para a administração do território no período de transição.

 

Presença de Portugal na UNTAET

Portugal não só desempenhou um papel instrumental na criação da UNTAET, como tem activamente colaborado com ela em todos os momentos da sua existência. Para além do auxílio financeiro e material directo que o Estado português tem prestado ao processo de transição em curso, temos no terreno 928 soldados — o maior contingente militar a seguir ao da Austrália, o que faz de Portugal o maior contribuinte de tropas da União Europeia para operações de paz das Nações Unidas — e 165 polícias e civis, oriundos da Guarda Nacional Republicana e da Polícia de Segurança Publica.

Como reflexo da expressiva presença portuguesa nesta operação de paz, cidadãos nacionais têm desempenhado as funções cruciais de comando da componente policial (CIVPOL) e de chefia do estado-maior da componente militar. Tem também havido permanentemente uma presença diplomática portuguesa no gabinete do Administrador Transitório. Assinale-se ainda que a sensível função de porta-voz da UNTAET foi também cometida a uma cidadã portuguesa.

 

As Nações Unidas num cenário pós-UNTAET

Portugal tem salientado, no quadro da ONU e noutros fora internacionais, que embora a UNTAET esteja a ser um caso de sucesso para as Nações Unidas, a tarefa da Organização não se encontra ainda completa no território. Para tanto, será crucial que a comunidade internacional continue a fornecer às Nações Unidas os meios de que elas necessitam para cumprirem o seu dever em Timor Leste, inclusivamente num cenário pós-independência. Ou, por outras palavras, a UNTAET não deverá ser entendida como o fim da história do envolvimento das Nações Unidas naquele Território.

Encontra-se ainda em fase de redacção a definição do cenário pós-UNTAET, embora se preveja a manutenção em Timor Leste de uma presença das Nações Unidas, ainda que numericamente reduzida, nos planos civil, militar e policial. Será de prever uma acção mais visível por parte de outros elementos do sistema das Nações Unidas já presentes no Território, como o Banco Mundial ou o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD).

Em última análise, será imprescindível manter o invulgar apoio político e diplomático de que têm beneficiado o povo timorense e a UNTAET; e também impedir que a palavra “timorização” possa ser utilizada por alguns como um sinónimo de desresponsabilização internacional e um pretexto para uma retirada prematura das Nações Unidas de Timor Leste.

O dia da independência não poderá ser visto como uma meta artificial para a resolução dos problemas com que o futuro país se tem confrontado em praticamente todos os domínios. Timor terá ainda de enfrentar alguns “dragões”. Um deles será a questão não resolvida dos refugiados, e da presença entre eles das milícias, na parte ocidental da ilha. Mas a manutenção do envolvimento das Nações Unidas contribuirá, certamente, para facilitar a resolução desses problemas. Se for essa a vontade dos timorenses.

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* Nuno Filipe Brito

Representante Permanente Adjunto de Portugal junto das Nações Unidas.

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