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Onde estou: | Janus 2002 > Índice de artigos > A política externa portuguesa > Grandes orientações > [Subida de patamar no relacionamento Portugal-Brasil] | |||
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ESTE ARTIGO CONTÉM DADOS ADICIONAIS CLIQUE AQUI! Na V Cimeira Luso-Brasileira, realizada em Brasília nos dias 4 e 5 de Setembro, os governantes dos dois países assumiram as relações económicas como o grande pilar das relações bilaterais. Outras questões mereceram também um papel de destaque, como a reciprocidade de direitos (ver informação complementar), a transferência de presos condenados, a promoção da língua portuguesa e o reconhecimento dos graus académicos brasileiros em Portugal (questão que levantava problemas frequentes no relacionamento entre os dois países, nomeadamente por causa do reconhecimento do grau dos dentistas brasileiros), que resultaram na assinatura de novos protocolos nessas áreas. No entanto, na Cimeira não foi abordado um tema tão importante como o acordo ortográfico, instrumento essencial para a afirmação da Lusofonia no mundo, assinado em Lisboa em Junho de 1991, tendo como base o projecto de texto de ortografia unificada da língua portuguesa aprovado pela Academia das Ciências de Lisboa, Academia Brasileira de Letras, delegações de Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique e S. Tomé e Príncipe, que espera ainda a ratificação de todos os Estados para que possa entrar em vigor. A Cimeira assinalou, também, a entrada em vigor do “Tratado de Amizade, Cooperação e Consulta”, assinado em Abril de 2000, aquando das comemorações dos 500 anos da descoberta do Brasil, que permite definir, integrando num só documento, o enquadramento geral das relações entre os dois países — ao rever, actualizar e revogar nove acordos anteriores (1).
Novo contexto das relações bilaterais: as relações económicas O novo Tratado reflecte bem o novo clima que se vive entre os dois países, ao definir o posicionamento concertado no plano internacional, tendo em vista os movimentos de integração regional em que ambos os países se encontram integrados, UE e Mercosul (constituído pelo Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai), e ao contemplar, numa perspectiva inovadora, um capítulo sobre a Cooperação Económica. Esse capítulo estabelece o interesse mútuo no desenvolvimento das relações económicas e financeiras e a necessidade de definição de regras com o objectivo de facilitar e simplificar o intercâmbio de informação, o fluxo e a associação de capitais, o acesso a concursos públicos e a transferência de lucros. Ao longo da década de 90, o perfil tradicional de Portugal enquanto receptor de investimento directo estrangeiro (IDE) inverteu-se para uma posição de fornecedor liquido de capitais, reflexo do processo de internacionalização das empresas nacionais, tirando partido de diferenciais de custos, explorando mercados mais vastos ou com elevadas potencialidades de crescimento. Simultaneamente, o Brasil tornava-se um pólo de atracção de IDE, reflexo das várias reformas económicas iniciadas em 1990 e intensificadas com a introdução do Plano Real, em 1994, que forneceram ao país credibilidade interna e externa. A crescente estabilidade macroeconómica e financeira, a política de liberalização do comércio externo e de investimentos, o programa de privatizações e a participação no Mercado Comum do Sul (Mercosul) ajudaram, de forma determinante, para mudar a imagem externa do país. É neste contexto que, no ano de 1995, os agentes portugueses reorientam os seus investimentos para o mercado brasileiro (ver gráfico), que se torna, em poucos anos, no principal destino dos investimentos portugueses no estrangeiro (no período 1997-99, o investimento directo português líquido no Brasil correspondeu a 62,7% dos investimentos portugueses no estrangeiro). Assim, Portugal em poucos anos passa de país com peso pouco significativo para o terceiro maior investidor estrangeiro no Brasil, com valores que ascenderam aos 2,4 mil milhões de dólares em 1999. O processo de internacionalização das empresas portuguesas no Brasil foi influenciado pela acção do próprio Estado, através de algumas das grandes empresas públicas, como a Portugal Telecom (PT), Electricidade de Portugal (EDP) e Cimentos de Portugal (Cimpor). Motivados pelos exemplos (e sucesso) referidos, rapidamente os empresários privados apostaram também no mercado brasileiro, não apenas pelas reconhecidas afinidades linguísticas e históricas, mas essencialmente, pelo desempenho da economia brasileira e pela atractividade da dimensão e potencial de crescimento do mercado brasileiro. O ponto alto da presença portuguesa no Brasil é a PT. A compra da Telesp Celular (maior operadora de telefones móveis do Brasil) pela PT, em 1998, tornou-se no maior investimento de uma empresa portuguesa no Brasil. A EDP controla quatro distribuidoras de energia eléctrica, que correspondem a aproximadamente 8% da energia eléctrica consumida no Brasil. No sector da produção de cimento e produtos associados, a Cimpor tem também grandes investimentos, detendo actualmente uma quota de mercado que se aproxima dos 10%. O grupo Sonae possui a terceira maior rede de supermercados do país. Estes são alguns exemplos que, juntamente com outros, como os grupos Pestana, Jerónimo Martins e Cintra, demonstram a importância que o mercado brasileiro tem para algumas das principais empresas nacionais e do peso que estas conquistaram, em diversos sectores, no outro lado do Atlântico. Depois dessa denominada “primeira vaga” de investimentos portugueses no mercado brasileiro, protagonizada pelos grandes grupos empresariais, assiste-se, actualmente, a uma “segunda vaga” constituída por um elevado número de pequenas e médias empresas, que adoptam estratégias que passam pela criação de projectos de raiz ou pelo estabelecimento de parcerias e alianças com as congéneres locais (2). Fica assim evidenciado que “o Brasil é presentemente um dos eixos centrais da internacionalização da nova economia e da nova dinâmica empresarial portuguesa” (3), como referiu, recentemente, o ministro dos negócios estrangeiros português, Jaime Gama. Pena é que o comércio entre os dois países continue limitado. As transacções com o Brasil correspondiam a apenas 6,2% das exportações e a 5% das importações portuguesas, em 1998. O peso que Portugal tem para o comércio externo brasileiro é também modesto: em 1999, as suas exportações para o nosso país representavam 0,7% das suas exportações (24.º cliente) e as importações vindas de Portugal não mereciam sequer referência entre os seus 24 principais fornecedores. A concentração do comércio português nos países comunitários e o facto de a economia brasileira permanecer ainda muito fechada ao comércio internacional — apesar do recente processo de abertura ao comércio exterior — são factores determinantes para esta situação. Os produtos primários dominam as nossas trocas comerciais. Nas exportações portuguesas os produtos agrícolas e alimentares são os que têm maior peso (equivaliam a 36,9%, em 1999). Os principais produtos importados por Portugal são: couros e peles, madeiras e soja (correspondentes no conjunto a 35,02%, em 1999). Assim, e apesar do pouco peso do comércio bilateral, denota-se uma certa articulação e complementaridade entre os sectores externos dos dois países. O Brasil é um importante fornecedor de matérias-primas para alguns dos nossos principais sectores de exportação, como no caso dos curtumes para o calçado e das madeiras para a celulose. A diversificação de opções de política externa deve ter, na sua essência, uma preocupação de evitar uma dependência extrema de um determinado mercado ou sector. Só com várias opções um país poderá enfrentar com algumas hipóteses de êxito a elevada volatilidade dos fundamentos de funcionamento dos mercados. Portugal para evitar uma dependência excessiva, nomeadamente dos países comunitários, deve apostar na intensificação das relações comerciais (e económicas em geral) com outros países. O Brasil apresenta-se como um parceiro a ter em conta, pois para além do peso económico que representa e das potencialidades que poderão advir da criação de uma área de livre comércio entre a UE e o Mercosul, existem laços linguísticos, históricos e culturais a unir os dois países, que constituem importantes vantagens competitivas no mundo globalizado. Configura-se, deste modo, mais um exemplo (se ainda fosse necessário) do primado do económico. São as relações económicas que, de forma crescente, moldam as interacções e definem orientações futuras de parcerias e cooperação entre os dois países. Esquecer que um relacionamento sólido, estável e consistente entre duas partes é construído com base numa multiplicidade de factores (político, social, cultural, de direito) é fragilizar o próprio relacionamento e deixá-lo dependente dos sempre inestéticos interesses económicos.
Informação complementar A reciprocidade de direitos e o estatuto de “cidadão lusófono” Com a recente vaga de imigrantes vindos do Brasil para Portugal (ultrapassando mesmo os imigrantes dos PALOP em termos de autorizações de permanência, nos primeiros seis meses de 2001 — ver tabela) uma questão tornou-se mais visível, a reciprocidade de direitos políticos para os cidadãos dos dois países. Questão que tem perturbado as “excelentes” relações bilaterais. O princípio de reciprocidade de direitos encontra-se consagrado desde 1988 na Constituição brasileira. Enquanto em Portugal se encontra em discussão na Assembleia da República há 13 anos. De facto, a Lei Fundamental brasileira atribui aos portugueses com residência permanente no país (isto é, mínimo de três anos de residência, como estipula o novo Tratado) a possibilidade de se candidatar aos órgãos de soberania do Brasil (exceptuando apenas alguns cargos, como as presidências da República, do Senado, da Câmara de Deputados, do Supremo Tribunal, da carreira diplomática e de oficial das Forças Armadas), desde que o Estado português conceda os mesmos direitos aos brasileiros residentes em Portugal. Actualmente, o projecto de reconhecer direitos políticos aos imigrantes vindos do Brasil e mesmo dos restantes países de língua oficial portuguesa parece estar a reunir um maior consenso, devendo estar previsto na Constituição portuguesa depois da revisão constitucional extraordinária. A concretização deste projecto permitiria aos cidadãos dos países membros da Comunidade de Países de Língua Oficial Portuguesa (CPLP), com residência legal no nosso país, gozar de uma capacidade eleitoral activa e passiva aos níveis local, regional e nacional e dos demais direitos políticos (embora seja obrigatório haver acordos entre os Estados). Este seria o primeiro passo para um futuro “estatuto de cidadão lusófono”, projecto em discussão no seio da CPLP, que prevê a elaboração de uma carta comum de direitos fundamentais nas áreas económica, social, cultural e de participação política para os cerca de 200 milhões de habitantes do espaço lusófono. A consagração da reciprocidade de direitos políticos aos cidadãos da Comunidade permitiria um maior aprofundamento das relações entre Portugal e o Brasil. Mas, seria também um sinal da importância que a CPLP assume para Portugal, apesar do cepticismo que os resultados obtidos pela Comunidade têm suscitado. Dados adicionais Gráficos / Tabelas / Imagens / Infografia / Mapas (clique nos links disponíveis) Evolução de investimento directo de Portugual no Brasil Autorizações de permanência concedidas em 2001
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